19 de Janeiro / Gastronomia

Postado por: em jan 19, 2012 | Nenhum comentário

 

      Dezenove

Alguns não sabem disso, mas, tenho colocado o texto a seguir como uma placa sobre a minha mesa. Quero olhar para ele todos os dias na intenção de que ele faça parte da minha estrutura: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria e precedendo a honra vai a humildade” (Provérbios 15:33). Encontrei essa preciosidade num livro da Bíblia que de fato não é só uma reunião de livros milenares; é uma escola de vida prática. Tão prática que tem hora que  me assusto.

Veja o que encontrei agora. Descobri que Jacó abençoou Aser, um dos seus doze filhos, com uma benção epecial: da boa gastronomia!

“Aser será famoso por sua comida deliciosa,
doces e guloseimas próprios de reis” (Genesis 49.20)

 

Que beleza! Comida, bebida, doces, festa, banquete, vinho, alegria.. a Bíblia acontece na vida real e é para mim o roteiro da vida real.

Cozinha, Graça e Poesia ...

Logo que li esse trecho, lembrei de uma poetisa maranhense não muito conhecida.

E daí imaginei a gente juntar poesia e gastronomia aqui na cozinha. Quem sabe mais do que isso: a cozinha pode se tornar um lugar de encontro entre poetas e a Maravilhosa Graça, essa que nos abençoa e nos reconcilia com Deus.

Fiquei animado com a ideia!

Voltando à poetisa lembrada no meio desses devaneios, ela apareceu recentemente numa antologia que está quebrando recordes de venda: “Os cem melhores poemas brasileiros do século”. Liguei banquete com cozinha e cozinha com Utensílios. Aí está:

 

Para extrair

do alumínio seu lúmen

usaria

o desusado, exaurido verbo “haurir”

Arearia

panelas

à beira de um rio, mergulhada

no alumínio luzidio

– “haurindo-o” –

polindo-lhe

a índole de água

e o ímpeto de prata

com grãos

de ouro de areia

arearia

“ourada”

submersa em seu domínio

(Utensílios – Lu Menezes)

 

 

 

 

 

 

17 de Janeiro / Cadê a poesia?

Postado por: em jan 17, 2012 | 5 comentários

Dezessete

 

A poesia está em toda parte.  Nos anúncios de jornal, nas frases de caminhão, nos muros da cidade, nas bancas de revista, em qualquer parte lá está ela dizendo o que meras palavras agrupadas na frente de outras não conseguiriam dizer. É certo que ela não está trancafiada naqueles famosos livros de poesia, que a muitos causa um certo medo. García Márquez – o fantástico criador de “Cem anos de solidão” –  disse da seguinte forma : “a ideia de que a ciência só concerne aos cientista é tão anticientífica como é antipoético pretender que a poesia só concerne aos poetas”.

Mas, é o poeta do povo, Patativa do Assaré, quem chega agora para comunicar uma verdade: que para fazer poesia não precisa ter diploma não doutor. Sua arte chegou às vistas de acadêmicos e varredores, tratou o romance, usou a rima, o verso livre, contou histórias e emocionou muita gente por esse mundo a fora, sem completar ao menos cinco meses de estudo.

 

Eu venho dêrne menino,

Dêrne munto pequenino,

Cumprindo o belo destino

Que me deu Nosso Senhô.

Eu nasci pra sê vaquêro,

Sou o mais feliz brasileiro,

Eu não invejo dinheiro,

Nem diproma de dotô.

(Trecho de O Vaqueiro – Patativa do Assaré)

Preciso chamar novamente o Nobel colombiano, Gabriel García Marquez. Ele vai citando alguns amigos das letras, no seu recente livro  “Eu não vim fazer um discurso”, e como encontravam poesia até em seção econômica ou página policial de periódicos daquela época, na xícara de café, na sopa… tantos lugares! “Daniel Arango achou-a num decassílabo perfeito, escrito com letras urgentes na vitrine de um armazém: ‘Liquidação total de tudo’.”

Onde encontrar a poesia? Talvez outro brilhante artista popular, nosso pernambucano  J.Borges, consiga nos dá uma pista de como deveríamos procurar por ela… Amanhã, tô de volta.

J.Borges "Maior artista vivo do nordeste"

16 de Janeiro / Para que serve poesia?

Postado por: em jan 16, 2012 | 4 comentários

        Dezesseis

Diálogo rápido e rasteiro: 

– Para que ficar falando de poesia em tempos difíceis como este, meu senhor? Enchentes em Minas, desabrigados no Espírito Santo, morte nos assentamentos, tudo um caos, tanta gente pedindo socorro e você com poesia?

– Devolvo a pergunta, nobre pensador: se um dia encontrássemos o mundo em completa paz – calmo e tranquilo como um grilo na beira de um rio – para que dedicar tempo e alma na leitura de um texto poético?

*

Voltamos! Se você não consegue responder  a segunda pergunta, jamais encontrará resposta para a primeira.

Sim! É verdade; essa tal dúvida de espíritos extremamente ‘práticos’ não é coisa nova. Eles fazem pouco caso daquilo que não esteja dentro da sua solidariedade e humanidade – o pensamento deles é: o que eu faço é sempre mais importante. No fundo eles estão apresentando uma hierarquia de tarefas urgentes e obviamente seus interesses aparecem no topo da lista. Literatura, poesia e arte só poderiam aparecer no nosso dia a dia quando todos os verdadeiros problemas da humanidade fossem resolvidos.

 

Lembrei de C.S.Lewis e o  seu instigante sermão  “aprendendo em tempos de Guerra”.

No outono de 1939, enquanto Hitler, bem perto dali, começava a destruir a Europa com sua praticidade ariana; veja o que o velho irlandês compartilhou com a sua  Igreja em Oxford:

“ O que estamos fazendo aqui a estudar filosofia e literatura medieval, enquanto a Europa está em guerra? Como podemos continuar com nossos interesses e nossas plácidas ocupações quando as vidas e as liberdade de nossos  irmãos europeus estão em perigo? Não estamos também tocando violino enquanto Roma se incendeia? Para um cristão, a grande tragédia de Nero não foi  que ele tocasse violino enquanto a cidade se queimava, mas que ele tocava diante do inferno.”

 Proust já disse: “um escritor contemporâneo tem tudo por fazer”. Isso não significa apenas que cada geração carece de escritores e que esses devem inventar sua própria linguagem, mas que toda geração precisa de novos leitores para novos escritores. Daí ser útil profetizar aos cegos que comecem a ver. Que seus olhos consigam scanear o mundo e traduzi-lo em palavras. Ou melhor, que esses consigam pegar suas palavras e subverter este mundo!

C.S. Lewis dá mais uma dica sobre o assunto:

“O MAIOR inimigo [do acadêmico em tempos de guerra] é a ansiedade – aquela tendência de pensar na guerra e senti-la quando, na verdade, o que pretendíamos fazer mesmo era pensar no nosso trabalho. A melhor defesa é reconhecer que nisso, como em outros aspectos, na verdade, a guerra não trouxe nenhum novo inimigo, apenas piorou o antigo. Sempre temos inúmeros inimigos no trabalho. Vivemos nos apaixonando e competindo, procurando um emprego ou com medo de perdê-lo, ficando doentes e nos recuperando, acompanhando escândalos públicos. Se nos deixarmos levar, estaremos sempre esperando o término de alguma distração ou outra para, então, nos concentrar no nosso trabalho. As únicas pessoas que alcançam êxito são as que querem tanto o conhecimento que insistem em buscá-lo mesmo em condições pouco favoráveis. Nunca temos condições favoráveis. É claro que há momentos em que a pressão da ansiedade é tão grande que só o autocontrole de um super-homem seria capaz de resisti-la. Esses momentos acabam chegando tanto na guerra quanto na paz. Precisamos fazer o melhor que conseguirmos. “

 

Tanto na guerra quanto na paz, desejo a você uma vida inteira (na íntegra) onde solidariedade ande de mãos dadas com o amor, a fé acompanhada pelo pão, a mesa cheia de amigos e de criatividade, onde não se desperdice nada. Mas que ainda sobre coragem pra gente despedacar toda idiotice e objetividade que empobrece a nossa existência.

Termino, relembrando o nosso primeiro poeta do Guia de Leitura Poética 2012: Mário Quintana.

 

Quem faz um poema abre uma janela.

Respira, tu que estás numa cela

abafada,

esse ar que entra por ela.

Por isso é que os poemas têm ritmo

– para que possas profundamente respirar.

Quem faz um poema salva um afogado.

(Emergência )

 

 

 

 

15 de Janeiro / Anchieta

Postado por: em jan 15, 2012 | 2 comentários

                                                                                                            Quinze

Catecismo e Poesia.

O “apóstolo do Brasil”  – como ficou conhecido o padre José de Anchieta – morreu aos 63, numa pequena cidade do Espírito Santo que hoje leva o seu nome. Isso foi há muito tempo atrás, tempão, quando a folhinha do calendário marcava 1597 – antes mesmo de Antonio Vieira, citado ontem por aqui. Ele deixou um legado social que é criticado por alguns e louvado por outros. Mas, quase ninguém fala da sua produção poética. Além de escrever peças de teatro e o catecismo que a  Igreja Católica usou durante 300 anos aqui no Brasil, seu desejo pelo sagrado e pelo porvir  se traduziu em versos simples, como estes, que agora passamos a ler.

Não há coisa segura.

Tudo quanto se vê

se vai passando.

A vida não tem dura.

O bem se vai gastando.

Toda criatura passa voando

Contente assim, minh’alma,

Do doce amor de Deus

toda ferida,

o mundo deixa em calma,

buscando a outra vida,

na qual deseja ser absorvida.

   (Em Deus, meu Criador – José de Anchieta)

07 de Janeiro / Gregório de Matos

Postado por: em jan 7, 2012 | 1 comentário

                                                                                             Sete

 

A cada canto um grande conselheiro,

Que nos quer governar cabana, e vinha,

Não sabem governar sua cozinha,

E podem governar o mundo inteiro.

 

Em cada porta um frequentado olheiro,

Que a vida do vizinho, e da vizinha

Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,

Para a levar à Praça, e ao Terreiro.

 

Muitos Mulatos desavergonhados,

Trazidos pelos pés os homens nobres,

Posta nas palmas toda a picardia.

 

Estupendas usuras nos mercados,

Todos, os que não furtam, muito pobres,

E eis aqui a cidade da Bahia.

 

 

( Gregório de Matos, descreve o que era realmente naquele tempo a cidade da Bahia de mais enredada por menos confusa)

 

O Poeta fora de Hábito!

 Um exemplo de como algumas paisagens demoram a mudar. Decassílabos do século XVII podem resistir ao tempo demonstrando que conselheiros sem testemunho, vigias, escravos, ladrões e fuxiqueiros atentos, acompanham a jornada de todos nós em todas as épocas. Uma única diferença entre a longínqua Bahia seiscentista e o mundo de hoje: Gregório de Matos sabia fazer o que a maioria dos blogueiros e twitteiros nunca aprendeu na vida: satirizar tocando lira. Valeu seu Gregório!