16 de Janeiro / Para que serve poesia?

Postado por: em jan 16, 2012 | 4 Comentários

        Dezesseis

Diálogo rápido e rasteiro: 

– Para que ficar falando de poesia em tempos difíceis como este, meu senhor? Enchentes em Minas, desabrigados no Espírito Santo, morte nos assentamentos, tudo um caos, tanta gente pedindo socorro e você com poesia?

– Devolvo a pergunta, nobre pensador: se um dia encontrássemos o mundo em completa paz – calmo e tranquilo como um grilo na beira de um rio – para que dedicar tempo e alma na leitura de um texto poético?

*

Voltamos! Se você não consegue responder  a segunda pergunta, jamais encontrará resposta para a primeira.

Sim! É verdade; essa tal dúvida de espíritos extremamente ‘práticos’ não é coisa nova. Eles fazem pouco caso daquilo que não esteja dentro da sua solidariedade e humanidade – o pensamento deles é: o que eu faço é sempre mais importante. No fundo eles estão apresentando uma hierarquia de tarefas urgentes e obviamente seus interesses aparecem no topo da lista. Literatura, poesia e arte só poderiam aparecer no nosso dia a dia quando todos os verdadeiros problemas da humanidade fossem resolvidos.

 

Lembrei de C.S.Lewis e o  seu instigante sermão  “aprendendo em tempos de Guerra”.

No outono de 1939, enquanto Hitler, bem perto dali, começava a destruir a Europa com sua praticidade ariana; veja o que o velho irlandês compartilhou com a sua  Igreja em Oxford:

“ O que estamos fazendo aqui a estudar filosofia e literatura medieval, enquanto a Europa está em guerra? Como podemos continuar com nossos interesses e nossas plácidas ocupações quando as vidas e as liberdade de nossos  irmãos europeus estão em perigo? Não estamos também tocando violino enquanto Roma se incendeia? Para um cristão, a grande tragédia de Nero não foi  que ele tocasse violino enquanto a cidade se queimava, mas que ele tocava diante do inferno.”

 Proust já disse: “um escritor contemporâneo tem tudo por fazer”. Isso não significa apenas que cada geração carece de escritores e que esses devem inventar sua própria linguagem, mas que toda geração precisa de novos leitores para novos escritores. Daí ser útil profetizar aos cegos que comecem a ver. Que seus olhos consigam scanear o mundo e traduzi-lo em palavras. Ou melhor, que esses consigam pegar suas palavras e subverter este mundo!

C.S. Lewis dá mais uma dica sobre o assunto:

“O MAIOR inimigo [do acadêmico em tempos de guerra] é a ansiedade – aquela tendência de pensar na guerra e senti-la quando, na verdade, o que pretendíamos fazer mesmo era pensar no nosso trabalho. A melhor defesa é reconhecer que nisso, como em outros aspectos, na verdade, a guerra não trouxe nenhum novo inimigo, apenas piorou o antigo. Sempre temos inúmeros inimigos no trabalho. Vivemos nos apaixonando e competindo, procurando um emprego ou com medo de perdê-lo, ficando doentes e nos recuperando, acompanhando escândalos públicos. Se nos deixarmos levar, estaremos sempre esperando o término de alguma distração ou outra para, então, nos concentrar no nosso trabalho. As únicas pessoas que alcançam êxito são as que querem tanto o conhecimento que insistem em buscá-lo mesmo em condições pouco favoráveis. Nunca temos condições favoráveis. É claro que há momentos em que a pressão da ansiedade é tão grande que só o autocontrole de um super-homem seria capaz de resisti-la. Esses momentos acabam chegando tanto na guerra quanto na paz. Precisamos fazer o melhor que conseguirmos. “

 

Tanto na guerra quanto na paz, desejo a você uma vida inteira (na íntegra) onde solidariedade ande de mãos dadas com o amor, a fé acompanhada pelo pão, a mesa cheia de amigos e de criatividade, onde não se desperdice nada. Mas que ainda sobre coragem pra gente despedacar toda idiotice e objetividade que empobrece a nossa existência.

Termino, relembrando o nosso primeiro poeta do Guia de Leitura Poética 2012: Mário Quintana.

 

Quem faz um poema abre uma janela.

Respira, tu que estás numa cela

abafada,

esse ar que entra por ela.

Por isso é que os poemas têm ritmo

– para que possas profundamente respirar.

Quem faz um poema salva um afogado.

(Emergência )

 

 

 

 

4 Comentários

  1. CássioCampello
    16 de janeiro de 2012

    Muito rico esse post. E percebe-se o elo que você busca entrelaçar com a bíblia sagrada e os versos de uma simples poesia. Percebendo que pode sim, haver um união dos saberes contemporâneos com o meio cristão.

    E sobre o post, se é notável, a grande preocupação, em específico da mídia, em querer dar um enfoque maior para as “desgraças humanas”. E de certo modo acaba por interferir em nossa estabilidade emocional, e não queremos ao menos escrever uma mera poesia. Pensando que a poesia, só pode ser escrita quando a pessoa estiver no apogeu do sucesso, quando tudo ao seu redor estiver perfeito. E aprendi nesse post, que será difícil haver esse momento sagrado, pois sempre haverá a guerra e a paz. Lembro de um louvor da Harpa Cristão que diz: “Os belos hinos e poesias foram escritos em tribulação”.

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    • Marcos
      16 de janeiro de 2012

      Bem lembrado o Hino da Harpa! Maravilha.

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  2. Igor José
    16 de janeiro de 2012

    Como disse Graça Aranha: “Arte é a percepção da realidade na medida em que cria formas sensíveis que interpretam o mundo.” E a poesia serve para revelar o mais profundo do ser humano frente a realidade, pois ainda que o poeta seja único, a humanidade é igual, e quase sempre precisa da voz do poeta para sentir aquele grito preso na garganta se soltando e ganhando foça, ou sentir a paz na alma por saber que ainda existe esperança.

    NOITE DE CARNAVAL
    Não cantarei a canção da noite
    Nem escutarei as marchinhas do carnaval lá fora.
    Cantarei o hino dos poetas desencarnados
    Escutarei seus versos que ecoam nas antologias em cima da minha escrivaninha.
    Desligarei o meu computador
    Abrirei o meu caderno em uma página qualquer e rascunharei alguma coisa que faça-
    /me sentir mais próximo dos mestres.
    Contamino-me com o vírus do lirismo sem pieguice,
    Vejo-me aprisionado em suas idéias
    E solto nos versos que saltam desse meu eu
    Que alforriado pelo modernismo de uma era passada
    Vive a liberdade poética em um poema qualquer.
    Canto a canção da vida na noite chuvosa de hoje.
    Sou apenas mais um. Se poeta, não sei.
    Sou somente eu mesmo,
    Sem sol para me iluminar,
    Sem lua para me apaixonar,
    Mas com uma vontade louca de ser verso sem rima e sem ponto final,
    Sem medida, seguindo o ritmo da bateria
    Do bloco inquieto e inconformado com a mesmice.

    Igor José

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  3. Reili Jose Brighenti
    21 de fevereiro de 2012

    O texto devolvo a pergunta ja diz tudo. Não precisadizer mais nada!

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