Adélia Prado / Aula Magna: o poder humanizador da poesia.
Olá! Você pode assistir, como também ler a transcrição da conversa que Adélia Prado teve com Afonso Borges. Coisa linda! Aproveite.
Moacyr Felix – Ladainha
1962. O Violão de Rua incomoda. Cinquenta anos depois estou aqui. 2012. Lendo o seguinte poema, consigo sentir a dor da repressão, a angústia de um irmão revoltado com a religiosidade infértil de sua época e enojado com o capitalismo imperialista e feroz. Posso ver a reprodução de um Nietzsche em tom dramático e panfletário, um som áspero, uma grande dor, um retrato das vísceras de um cara como eu e você no meio de um vendaval. Lá no meio dele, o poeta faz sua confissão de fé. A sua dor profunda o impediu de ver a Vida no meio do redemoinho? Cadê a Esperança? Que oração é essa?
LADAINHA
Elisabeth é puta
Madeleine é puta
Maria dos Anjos é puta
O verbo ter é o verme do mundo
Van Gogh ficou louco
Hoelderlin ficou louco
Zé da Silva ficou louco
O verbo ter é a prisão do homem
Maiakovski se matou
Garcia Lorca foi assassinado
Cristo morreu na cruz
Antônio morreu na guerra
Tião Pedreira, na polícia
O verbo ter é a morte de Deus
O Mundo está podre
O verbo ter é o verme do mundo
O Homem está prêso
O verbo ter é a prisão do homem
Deus está morto
O verbo ter é a morte de Deus
Tem gente com fome
Deus está morto
Tem gente com frio
Deus está morto
Tem gente com sede
Deus está morto
A noite é longa como um grito
O Homem está prêso
A noite é longa como o desespero
O Homem está prêso
A noite é longa como o ódio
O Homem está prêso
O dia é deserto como o lobo na estepe
O Mundo está podre
O dia é pesado como um túmulo antigo
O Mundo está podre
O dia é alegre como um copo que quebra
O Mundo está podre
Alugam-se! médicos
advogados
e arquitetos
Tem gente com fome
Tem gente com frio
Tem gente com sede
Alugam-se! poetas
e bênçãos sacerdotais
A noite é longa
A noite é longa
A noite é longa
Alugam-se! môças para casar
amizades
e boas maneiras
O dia é deserto como o lobo na estepe
pesado como um túmulo antigo
alegre como um copo que quebra
ORAÇÃO
O Mundo está podre
O Homem está prêso
Deus está morto
O Mundo é eterno
e as manhãs do mundo vencerão a treva
O Homem é eterno
e a liberdade será o coração dos homens
O Amor é eterno
e a orquestração da vida pairará sobre as águas
per omnia secula sculorum Amém.
( Ladainha – Moacyr Felix in Violão de Rua Vol.II )
[ Moacyr Felix, poeta carioca, marxista, escritor, editor, diretor de importantes coleções de poesia pela Civilização Brasileira, sonhava com a liberdade, contribuiu direta e indiretamente em movimentos importantes como os da Teologia da Libertação, leu, ele próprio, para os tripulantes da espaçonave Myr, na órbita da Terra, um de seus poemas, transmitido em russo para toda a União Soviética, apoiou o impeachment do presidente Collor, ganhou o prêmio Jabuti em 2000 pelo livro “Introdução a Escombros”, morreu em 2005 aos 79 anos de idade]
Arnaldo Antunes / Sobre a origem da poesia
Sobre a origem da poesia
A origem da poesia se confunde com a origem da própria linguagem.
Talvez fizesse mais sentido perguntar quando a linguagem verbal deixou de ser poesia. Ou: qual a origem do discurso não-poético, já que, restituindo laços mais íntimos entre os signos e as coisas por eles designadas, a poesia aponta para um uso muito primário da linguagem, que parece anterior ao perfil de sua ocorrência nas conversas, nos jornais, nas aulas, conferências, discussões, discursos, ensaios ou telefonemas.
Como se ela restituísse, através de um uso específico da língua, a integridade entre nome e coisa — que o tempo e as culturas do homem civilizado trataram de separar no decorrer da história.
A manifestação do que chamamos de poesia hoje nos sugere mínimos flashbacks de uma possível infância da linguagem, antes que a representação rompesse seu cordão umbilical, gerando essas duas metades — significante e significado.
Houve esse tempo? Quando não havia poesia porque a poesia estava em tudo o que se dizia? Quando o nome da coisa era algo que fazia parte dela, assim como sua cor, seu tamanho, seu peso? Quando os laços entre os sentidos ainda não se haviam desfeito, então música, poesia, pensamento, dança, imagem, cheiro, sabor, consistência se conjugavam em experiências integrais, associadas a utilidades práticas, mágicas, curativas, religiosas, sexuais, guerreiras?
Pode ser que essas suposições tenham algo de utópico, projetado sobre um passado pré-babélico, tribal, primitivo. Ao mesmo tempo, cada novo poema do futuro que o presente alcança cria, com sua ocorrência, um pouco desse passado.
Lembro-me de ter lido, certa vez, um comentário de Décio Pignatari, em que ele chamava a atenção para o fato de, tanto em chinês como em tupi, não existir o verbo ser, enquanto verbo de ligação. Assim, o ser das coisas ditas se manifestaria nelas próprias (substantivos), não numa partícula verbal externa a elas, o que faria delas línguas poéticas por natureza, mais propensas à composição analógica.
Mais perto do senso comum, podemos atentar para como colocam os índios americanos falando, na maioria dos filmes de cowboy — Eles dizem “maçã vermelha”, “água boa”, “cavalo veloz”; em vez de “a maçã é vermelha”, “essa água é boa”, “aquele cavalo é veloz”. Essa forma mais sintética, telegráfica, aproxima os nomes da própria existência — como se a fala não estivesse se referindo àquelas coisas, e sim apresentando-as (ao mesmo tempo em que se apresenta).
No seu estado de língua, no dicionário, as palavras intermediam nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com elas. A linguagem poética inverte essa relação pois vindo a se tornar, ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensível mais direto entre nós e o mundo.
Segundo Mikhail Bakhtin, (em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”) “o estudo das línguas dos povos primitivos e a paleontologia contemporânea das significações levam-nos a uma conclusão acerca da chamada ‘complexidade’ do pensamento primitivo. O homem pré-histórico usava uma mesma e única palavra para designar manifestações muito diversas, que, do nosso ponto de vista, não apresentam nenhum elo entre si. Além disso, uma mesma e única palavra podia designar conceitos diametralmente opostos: o alto e o baixo, a terra e o céu, o bem e o mal, etc”. Tais usos são inteiramente estranhos à linguagem referencial, mas bastante comuns à poesia, que elabora seus paradoxos, duplos sentidos, analogias e ambiguidades para gerar novas significações nos signos de sempre.
Já perdemos a inocência de uma linguagem plena assim. As palavras se desapegaram das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos ouvidos, ou como a criação se desapegou da vida. Mas temos esses pequenos oásis — os poemas — contaminando o deserto da referencialidade.
Arnaldo Antunes – Incluído no libreto do espetáculo “12 Poemas para dançarmos”, dirigido por Gisela Moreau, São Paulo [italicos e grifos deste mero informante, Marcos Almeida]
03 de Fevereiro / José Albano
Trinta e quatro
Reverenciado por Tristão de Athayde como alguém que “criou uma poesia intemporal, em que o verdadeiro clássico se perpetua em sua perenidade”. Um homem que os historiadores não conseguem catalogar, José Albano declama agora no Nossa Brasilidade o seu Soneto IX. Vamos ouvir:
Bom Jesus, amador das almas puras,
Bom Jesus, amador das almas mansas,
De ti vêm as serenas esperanças,
De ti vêm as angélicas doçuras.
Em toda parte vejo que procuras
O pecador ingrato e não descansas,
Para lhe dar as bem-aventuranças
Que os espíritos gozam nas alturas.
A mim, pois, que de mágoa desatino
E, noute e dia, em lágrimas me banho,
Vem abrandar o meu cruel destino.
E, terminado este degredo estranho,
Tem compaixão de mim, Pastor divino,
Que não falte uma ovelha ao teu rebanho!
(Soneto IX – José Albano )
21 de Janeiro / Sábado Sarau
Vinte um
Neste sítio recebo não só a visita de nomes ilustres, mas, alguns leitores inspiradíssimos e desconhecidos (pelo menos por enquanto) que andam deixando por aqui a sua palavra. A poesia deles enriquece demais essa brasilidade que é toda nossa.
É o caso do Igor José. Ele me enviou um livro inédito de sua autoria cheio de poemas. Os versos que vamos ler agora fazem parte dessa sua estreia. Vejam aí:
NA ESQUINA
Na esquina o poema me espera
Em cada árvore,
Em qualquer direção.
Na rua o poema me espreita
Atrás dos postes
Em cada curva.
Na esquina da rua o poema se revela
Em todo ato,
Em cada fato.
No poema a esquina é o meu lugar,
Na rua o poema é o meu luar,
O poema me espera e me espreita
Na rua, na esquina, em todo lugar.
( do livro “Não sei ser poeta” – Igor José)
A gentileza de José inspirou uma nova ideia para o nosso Blog. Que tal fazermos no sétimo dia da semana, o “Sábado Sarau”? Taí! Você pode enviar suas poesias, músicas, danças, pinturas, qualquer arte, que publicarei aqui para todo mundo ver.
Enviem seus devaneios, pensamentos, na métrica ou fora da métrica, em versos livres ou alexandrinos, não interessa a técnica apenas a verdade. Enviem!
Para isso, escolha:
Carta
Av. Fortaleza 1500 Ap 203
CEP 29101 575
Bairro Itapoã Vila Velha – ES
A/C Marcos Almeida