Um brasileiro; Calabar!

Postado por: em nov 8, 2011 | 9 Comentários

 

Três tiros, três prendas! O pequeno parque na rua da Igreja Matriz oferece até tiro ao alvo, mas um  pouco diferente. A espingarda é de chumbinho, de verdade, e o prêmio não fica preso com cola super-bonder. Por um real, o moço entregou os três chumbos e apesar da contra-torcida do bêbado “Batoré”, todos eles chegaram lá. As boas risadas são torrenciais neste cenário divertido –  acabo de receber as prendas literalmente furadas por causa da bala de metal. Maravilha! O bate papo com meu amigo Guilherme Franco é rodeado pela criançada alegre que não desperdiça suas valiosas dicas e macetes – é claro que um dos chocolates foi entregue como pagamento para o  nosso mais animado palpiteiro. Estou aqui, na acolhedora cidade de Porto Calvo, onde ave-marias, carrinhos de bate-bate, tiro ao alvo, namoricos e velórios, acontecem na mesma rua.  A mesma rua onde um dia seu cidadão mais ilustre foi batizado e  por onde um dia passou antes de morrer enforcado.

 

Três anos, três bandeiras! Para os portugueses; traidor. Para os holandeses; herói. Para os moradores de Porto Calvo, esse palco tão desconhecido e tão fascinante da nossa história; ele é  apenas Calabar. Um brasileiro, Calabar! O primeiro a pensar em pátria. Bem antes de Tiradentes, esse mameluco se decidiu pelo Brasil. Num tempo onde colonizadores portugueses  aliados a displicência  da igreja católica promoviam a exploração de índios, negros e mestiços de forma cruel. Fez isso desertando do exército português no dia 22 de Abril de 1632 e logo adiante assumindo a frente de batalha contra os luso-ibéricos debaixo da bandeira holandesa para depois se converter à Igreja Católica Reformada, batizando seu filho – o primeiro brasileirinho a ser batizado numa igreja protestante (1634) – conquistando imensos territórios e retornando à sua cidade para morrer honrosamente depois de uma emboscada armada pelo general português em conluio com índios e padres no dia 22 de Julho de 1635.

 

Três séculos e tantos anos depois, uma verdade! Sua brasilidade está sendo descoberta e recontada. A história que há décadas já faz parte de livros didáticos na Europa (Holanda e Polônia), aqui foi retorcida e maltratada pela ótica jesuíta que defende o ponto de vista da colonização portuguesa. Homens como seu Tonho da Deba e Professor Valdomiro (grande pesquisador) – com quem tive a honra de conversar hoje a tarde, ouvindo relatos e interpretações – estão totalmente envolvidos nessa reabilitação histórica da figura de Calabar. Dois católicos apaixonados por história apontando uma única resposta para aquela velha pergunta: “o que levou Domingos Fernandes Calabar a trair os portugueses e então passar para lado dos holandeses?” “Traiu a quem? Ele não traiu ninguém. Ele era brasileiro, filho dessa terra, nunca saiu do nosso lado!”

 

Em tempos onde ainda ouvimos o eco dos fãs xiitas dos Raimundos dizendo que Rodolfo Abrantes traiu o rock nacional quando se converteu e começou a fazer música de crente, é inevitável construir uma ponte entre Calabar e o ex-líder dessa banda. Não entendo por que alguns ignorantes insistem em dizer que o sujeito que converte à fé evangélica deixa de ser brasileiro – trai a pátria. É verdade, ninguém fala isso nestes termos, mas o preconceito está implícito no coro gritado por eles: traidor, traidor, traidor! Não, essa outra brasilidade está aí. Abandonar o ‘lugar-nenhum’ do rock  90’ e abraçar com sinceridade uma explicação para vida amparada no Evangelho não deporta nenhum cidadão deste país para outro planeta! A figura do traidor da pátria precisa ser desmontada e discutida não só na terra de Calabar e Zumbi (é esqueci de dizer que Zumbi dos Palmares também nasceu aqui (!) terra de guerreiros … ) mas esse perfil maldito foi sorrateiramente  distribuído por críticos e intelectuais a artistas como Abrantes e Baby do Brasil (outro exemplo) que com honestidade trocaram as lentes dos seus óculos arranhados e começaram a ver o mundo com outras cores.

Pense nisso…

Eu, depois desses tiros, histórias, descobertas, aventuras e pontes, por onde passamos tão apressadamente, fico com uma certeza: precisamos conversar mais a respeito…  Amanhã quem sabe!

 

Hoje em Porto Calvo

 

Abraço demorado

Marcos Almeida

9 Comentários

  1. alberto alves
    8 de novembro de 2011

    Começando a degustar, depois tento colocar farinha no caldo kkkk 🙂

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  2. Arthur Freitas
    8 de novembro de 2011

    Isso sim, é ter nascido com brasilidade..

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  3. Zé Bruno
    8 de novembro de 2011

    Bom saber que a palavrantiga, não é guetizada ao mundo religioso, mas que encontra na vida, no interior, na história, espaços para encarnar e habitar em nós!

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  4. Denise Evangelista
    8 de novembro de 2011

    Bem, olha eu aqui de novo…

    Concordo! Que precisamos conversar mais a respeito. Essa conversa, por sinal, a cada dia que passa está mais gostosa. O parágrafo final (dos músicos) está perfeito. Isso é o que todos queremos dizer. Mas também queremos dizer que nos orgulhamos dessa terra; que não há em lugar nenhum. Terra de heróis por vezes esquecidos. No entanto, terra que produz fruto bom. Onde tudo que se planta, dá.

    Queremos provar mais desses frutos, Marcos.
    Até a próxima.

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  5. Solange Evangelista
    9 de novembro de 2011

    Mas, essa é a cultura midiática brasileira, que tenta dizer que não há vida no Evangelho.
    Morrer para o mundo e suas vãs filosofias não nos extirpa o estar aqui (com os olhos lá!!).
    E esse “estar” incomoda mais, ou menos, quanto mais se choca com os interesses dessa mídia.

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  6. Cláudia Rocha
    16 de novembro de 2011

    Oi Marcos,
    Primeira vez que comento aqui e não vou negar que cheguei a este blog porque conheço um pouco do seu trabalho no Palavrantiga. Talvez essa tenha sido a ponte… Devo confessar que não sou tão brasileira como deveria ser, como eu gostaria de ser. Outra confissão é que não sou gospel, na verdade sinto o sangue ferver quando relacionam a minha fé com esse nome. Não gosto de rótulos e inclusive não gosto quando dizem “o Palavrantiga é uma banda brasileira de rock gospel” (pra quê isso? música cristã? quem tem que ser cristão é o indivíduo, não a música, a música não tem fé, mas quem a compõe). Então, são poucas músicas brasileiras que existem no meu mp3, imagine as “gospel”… Razões pessoais, traumas, façam as análises que quiserem, podem me transformar em um caso para estudo. Mas, nasci em lar evangélico e sou louca por música, graças a Deus, não aos ministérios de louvor. Porque quando você está passando por um momento de aflição, você quer ouvir uma música que seja o que você quer dizer mas não consegue se expressar, mas a melhor música é a que diz isso mas vai além da sua situação e te faz levantar. Desculpem, mas gosto de letra, fato. E já desisti de procurar isso na música gospel brasileira. Mania de colocar um “És Tu Jesus” só para trazer alívio aos ouvintes para que eles não tenham dúvidas de que a música é cristã. Tudo bem que a língua portuguesa não ajuda, no inglês você pode dizer “you” à vontade, mas é claro que até os americanos lutam com isso. Então, talvez eu até entenda a revolta dos fãs dos Raimundos, não conheço o trabalho do Rodolfo pelas razões já citadas (chame de preconceito com a música evangélica) porque a imagem que os artistas evangélicos têm talvez não seja a mais carismática possível. Não estou falando de ser morno, de não se posicionar em relação à sua fé, mas que a música brasileira evangélica exclui, exclui. Com suas expressões e jargões do tempo que meu avô era seminarista, com seu tom cada vez mais imperativo, com alusões a histórias da Bíblia que só o cara que frequentava a classe de juniores na EBD vai entender. Os salmos são incríveis, mais que isso, mas ctrl c + ctrl v cansa… Assim como o bombardeio de versões em português de músicas em inglês (você até pensa, nossa, música brasileira de qualidade…. ah não, não é brasileira). Sabe, cansa. E não é bajulação só porque é o blog do Marcos do Palavrantiga, mas é que no dia em que acidentalmente eu encontrei o vídeo de Pensei no youtube comecei a sentir que as exceções estão aparecendo, e até agora, ainda não me decepcionei (longe disso). Então, para mim, Brasil lembra corrupção, falta de originalidade, mentes pequenas; Gospel lembra repetição, lógica de mercado, falta de sinceridade… Agora coloca Brasil e Gospel no mesmo pacote… Desculpem, eu sei que somos um corpo e temos funções diferentes. A música repetitiva, versão de uma versão pode ter alcançado uma alma para Cristo, não duvido disso, Deus usa quem Ele quer e quem quer ser usado, mas na hora de comprar um cd ou escolher as músicas para o meu mp3 essas não me passam nem pela imaginação. Brasil e música cristã….Hmmm… Tenho mais vergonha do que orgulho (desculpem, mas é o que sinto) e o título do blog/livro por si só talvez não chamaria minha atenção. Mas cheguei aqui, graças a você Marcos, e… Talvez eu tenha entendido errado ou criei um pré-conceito sobre a proposta do blog e, espero ser surpreendida. Tá bom, confesso, fiquei com vontade de ler mais, então, continue escrevendo, por favor.

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  7. Fernando
    16 de novembro de 2011

    Realmente as exceções as repetições são poucas. Na mioria dos casos é mais do mesmo. Amar/Adorar/Chorar. Louvor/Amor/Clamor. Adoração/Coração/Salvação. As rimas se repetem incessantemente, enjoa.

    Mas entre as musicas que não são consideradas cristãs, também não ocorre o mesmo? Em emo, pagode e sertanejo, a traição, a saudade e a volta por cima, não deixam de aparecer como tema das letras, e se fizermos uma analise detalhada, provavelmente encontraremos muitas rimas semelhantes também.

    Claro que o fato pesa mais por se tratar de música cristã, que teria como pressuposto ser criada a partir de ideais de adoração ou evangelização. Mas, será que os ideais do compositor são esse mesmo? Ou então, sendo mais profundo, os ideias do compositor tem de ser sempre esses mesmo?

    As pessoas buscam entretenimento, seja em musicas cristãs ou não. É uma demanda, e aqueles que a enxergam oferecem a oferta. Aproveitando o mercado a sua disposição.

    Achar uma musica mais refinada não é fácil, se não é fácil em músicas que não são cistãs, por que deveria ser em músicas que são? Ainda mais se considerarmos o universo de músicas cristãs, que é bem menor.

    Mas, mesmo sendo poucas, sempre encontramos as musicas boas. Ainda bem.

    Agora, falando sobre traição, e esse cara que “traiu o mundo” aos 45 do segundo tempo? http://www.youtube.com/watch?v=ZHeq678wKX4 Sabiam dessa?

    Não escutei as musicas com essa percepção, mas se antes ele já fazia músicas originais e diferenciadas, imagino que depois que se tornou cristão, suas musicas continuaram originais e diferenciadas.

    E quem fala – de verdade – que o Bezerra traiu o mundo antes de morrer, não vê que, na realidade, o traído pelo mundo foi o próprio Bezerra, que passou de exaltado a menosprezado. Ou alguém chegou a ouvir falar do último cd do Bezerra da Silva antes dele morrer?

    É possível fazer a ponte entre Calabar e Bezerra? Certamente que sim!

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  8. Jônatas
    20 de novembro de 2011

    Oi, Marcos,

    estou acompanhando seu blog e tenho gostado bastante de suas postagens. Já imaginava que, por trás de suas composições, havia uma mente reflexiva, equilibrada – e, acima de tudo, uma voz cristã autêntica.
    Por favor, continue suas postagens, elas realmente têm dado frutos, tem sido exemplo de inspiração…

    E que Deus continue te abençoando – e estou orando por isso…!

    Amplexos!

    Jônatas

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  9. Talita
    8 de maio de 2012

    O Rodolfo se expressa bem pra caramba, mas não há argumento que cale os órfãos do Raimundos, e o pior é que os integrantes da ex-banda jogam a opinião pública contra ele, mas aí é bem fácil entender, eles queriam continuar com a grana e o sucesso, e querendo ou não, saindo da banda o Rodolfo acabou com ela, ele era um líder carismático, o instrumental era só um pano de fundo pro garoto que pulava e falava besteira numa velocidade absurda, ou com um sotaque nordestino forçado, ou imitando pagodeiro… Era dele q as pessoas gostavam. É, num meio de tanto ego, não engolem fácil uma escolha humilde. Com capa de rockeiro ou não, o secularizado é quase sempre um yuppie. É mta cobiça pra pouca música…

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