No limite da Língua; um novo caminho.

Postado por: em set 13, 2013 | 23 comentários

 

O vício de mercado “gospel/secular” continua torturando pessoas, mas por que elas ainda não se libertaram disso?

 

Quem toma partido, fica partido. Não canso de repetir. Como um juiz de direito que primeiro condena politicamente para depois avaliar o processo, nossos olhos e ouvidos estão condicionados ao partido ideológico que escolhemos nos filiar; vamos ver e ouvir o mundo de acordo com os nossos preconceitos. Quase sempre não temos tempo nem motivos para adiar juízos e ver as coisas como elas são.

 

A religião é boa para criar esteiras confortáveis de juízo. O recalque, o trauma, as neuroses estão aí elegendo valores ambivalentes para apontar o que é bom e o que não presta. A filosofia de cada dia repetindo o senso comum e o blábláblá sem fim. Temos de ter coragem para enfrentar esses limites que nos deram a religião, a psicologia, a filosofia e em última análise; a língua. Porque ninguém sabe reger a palavra, domar adjetivos, peneirar a linguagem. Lembra da Carta de Tiago?

 

a língua, porém,

ninguém consegue domar.

É um mal incontrolável,

cheio de veneno mortífero.

Com a língua bendizemos ao Senhor e Pai,

e com ela amaldiçoamos os homens,

feitos à semelhança de Deus.

Da mesma boca procedem bênção e maldição.

Meus irmãos, não pode ser assim!

 (Tiago 3:8-10)

 

Qualquer leitor de inteligência razoável percebe que o irmão de Jesus não está falando de anatomia, mas de comunicação, de nomes, de sintaxe e hermenêuticas, de cochichos e discursos. Tiago fala da gramática cotidiana, sobre o absurdo que fazemos com o idioma. Com uma palavra podemos derrubar ou levantar, abençoar ou amaldiçoar os homens, feitos a semelhança de Deus.  O que pode essa língua?

 

Vejam, por exemplo, os críticos musicais do nosso tempo, observem como eles usam a língua. Produzem textos mesquinhos que, quase sempre, não falam de música. Se debatem tentando criar tarjas e rótulos para as obras, como auxiliares de estoque num supermercado, responsáveis por organizar os produtos nas prateleiras. Vejam os críticos literários que não falam mais de literatura, apenas cultuam personalidades. Vejam de novo os juízes que não consideram mais a lei senão a política.

 

Muitos estão me perguntando o que acho sobre a revelação feita pelo jornalista Ricardo Alexandre sobre aquele episódio com a banda Catedral. Publiquei aqui no Blog o texto polêmico em que Ricardo confessa uma “máxima culpa” na confusão, divulga sua “desconfiança e antipatia” em relação ao gospel, onde também compara, entrelinhas, as novas bandas cristãs brasileiras com o quarteto carioca. A minha opinião sobre o assunto está impressa em cada texto que escrevi aqui, desde 23 de Setembro de 2011! Bem antes disso, também: procurem as entrevistas para o programa Frente, do Henrique Portugal; as aparições nas tvs (Rede Super, TV Horizonte, Rede Minas, Globo); os longos diálogos com a Billboard; aquele primeiro bate papo com o Rafael Porto, na época do Esperar é Caminhar; os devaneios e as invenções de categorias de pensamento amplamente divulgadas aqui. Ninguém prestou atenção que NUNCA trabalhamos com esse dualismo mercadológico gospel/secular? Não faz sentido deixar Ipanema para ir a Ipanema se já estamos em Ipanema! Não faz sentido para nós subjugar nossa arte à categorias de mercado! Estamos dizendo isso insistentemente, mas ninguém quer ouvir! Não entramos nessa discussão porque esses termos já corrompem qualquer conexão com a realidade. Tal diálogo é ficcional, no entanto, uma geração inteira vive achando que ele é real, como tem gente que jura de pés juntos ter visto Papai Noel descendo da lareira no Natal e outros que teimam em contar que seu guarda-roupas tem uma passagem para Nárnia. Infelizmente, tais discursos de ficção quando levados a sério demais, acabam por afetar a vida cotidiana das pessoas, destruindo aspectos tão preciosos do existir humano.

 

Vou parafrasear Gertrude Stein (1874-1946):

 

   uma música é

uma música

é

uma

 música

é

 uma música!

 

 

A apreciação que deve ser feita não é do rótulo, não interessa qual prateleira ou corredor do mercado, as pessoas reais não visitam o WalMart para serem impedidas de mudar de corredor! As pessoas que conheço e que gostam de música querem a música.

 

Sabendo disso, eu me esforço para dialogar com as pessoas reais numa linguagem que corresponda a vida real, inteira, não compartimentada. Aliás, a força de uma língua está na capacidade de expressar necessidades de comunicação de um povo – e como necessitamos de integração! Ainda mais, como muitos estão adoecidos com essa gramática violenta que despedaça a realidade. Precisamos de mais coragem para inventar um novo léxico, aposentando velhas expressões, regendo com mais responsabilidade a boa palavra e criando um vocabulário mais amplo e generoso. As pessoas reais agradecem!

Qual minha opinião sobre o ocorrido? Parem de se torturar! Sigam um novo caminho!

 

Marcos Almeida

Unamuno sobre a língua portuguesa

Unamuno sobre a língua portuguesa

Postado por: em maio 7, 2012 | 1 comentário

“Unamuno escreve em “‘Las sombras’, de teixeira de Pascoaes” (1908), numa forma que revela a reversibilidade e a mútua dependência dialética da distinção português/espanhol, o seguinte:

10 de Fevereiro / Olavo Bilac

Postado por: em fev 10, 2012 | 1 comentário

Quarenta e um

O Poeta Pop

 

Sua poesia não interessava ao projeto modernista, era vesgo (por isso adotou o pince-nez , para camuflar a vesguice), o mais popular dos parnasianos, um patriota e gênio. Em dois tempos vamos ouví-lo,  primeiro com “a língua portuguesa” depois com o soneto “Inania Verba”. O amor à língua e o grito impotente diante do Absoluto. Com vocês Olavo Brás Martins de Guimarães Bilac:

 

 

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…

Amote assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

 (língua portuguesa – Olavo Bilac)

 

 

Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava,
O que a boca não diz, o que a mão não escreve?
— Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve,
Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava…
O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava;
A Forma, fria e espessa, é um sepulcro de neve…
E a Palavra pesada abafa a Idéia leve,
Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?
Ai! quem há de dizer as ânsias infinitas
Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?
E as palavras de fé que nunca foram ditas?
E as confissões de amor que morrem na garganta?

(Inania Verba – Olavo Bilac)

06 de Fevereiro / Caetano Veloso e sua “Língua”

Postado por: em fev 6, 2012 | 1 comentário

Trinta e sete

 

Resta-nos a invenção e uma nova sintaxe! O jeito brasileiro de falar português já nos foi dado, e agora o que faremos nós com esse tamanho de dádiva? A língua africana embrenhada com a fala indígena e a gramática lusitana se misturando, entrelaçadas elas mesmas no encontro dos portos, na visita do estrangeiro. Esse é o tabuleiro. Essa é fôrma onde fizeram a cocada: essa língua deliciosa e totalmente brasileira.  Resta-nos a invenção e uma nova sintaxe!

Enquanto vocês pensam nisso. Vamos ler, assistir e ouvir o professor Caetano Veloso nesta estonteante versão de “Língua” – uma obra prima do seu disco Vêlo de 1984.

 

 Língua
Caetano Veloso

Gosta de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala Mangueira! Fala!

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)

Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem