Quem pode ser brasileiro?

Postado por: em nov 24, 2011 | 4 Comentários

 

Uma pergunta muito importante que dificilmente é colocada na roda dos esclarecedores é esta: quem pode ser brasileiro? Hoje sabemos que muita gente quer estar aqui desenvolvendo seus produtos e explorando nossas riquezas (não só a Chevron) construindo algumas melecas monumentais (pra não dizer cagadas internacionais). Mas, existem outras vontades; e no caso daqueles que desejam ser daqui, como funciona? Temos alguém que fica impedido de ser filho dessa terra?

Alguns já estão pensando agora naquela diferença entre filhos biológicos e filhos adotivos. Mas existe alguma outra paternidade, ou patrialidade que não seja a adotiva? Já que no nosso caso mestiço tão singular somos uma mistura de índios, invasores, exploradores, jesuítas, escravos, comerciantes, protestantes, lavradores, loucos e degredados, todos estrangeiros a exceção dos índios; como, então, definir quem pode e quem não pode ser daqui?

Vamos pegar logo um caso absurdo para os fanáticos do nosso futebol; se o Maradona desejasse uma carta de naturalização, chegasse lá na Polícia Federal com o formulário preenchido, lendo e escrevendo em português, pode um argentino se tornar brasileiro? Pode! Talvez o Maradona, nesta altura do campeonato, nunca deseje ser um dos nossos, mas outro argentino já fez isso há muito tempo. Senhoras e senhores: Meligeni.

Vamos voltar um pouco no tempo.Cinco de Outubro de 1988, Cid Moreira – àquela época há mais de19 anos apresentando o Jornal Nacional – anuncia a histórica reportagem de Alexandre Garcia sobre a nova e atual constituição brasileira: “O Brasil teve até hoje a tarde sete constituições. A oitava já está em vigor”.  Um marco na nossa trajetória, esse dia representa quase que o nascimento de um outro país, uma nova nação que “quer mudar, deve mudar  e vai mudar”, segundo as palavras do presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães. Desta geração, que amaldiçoou a tirania e a ditadura, até hoje no século XXI,  vimos algumas instituições democráticas sérias que continuam lutando “contra o arbítrio do Estado”  apesar de acentuada e perigosa inversão de funções entre legislativo e judiciário nesses últimos dois anos – o caso mais tenso a ser lembrado rapidamente foi o “casamento gay” onde o Supremo, ignorando a constituição, determinou mudanças no marco regulatório a respeito do que é a família brasileira. No entanto, se existe um texto fundamental a ser seguido, contestado, discutido, mas nunca  ignorado  a respeito do que é ser brasileiro está aí: a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Os Estados Unidos, é bom lembrar, têm a mesma constituição há 224 anos. Guardando-a como uma verdadeira obra sagrada, seu povo consegue transferir uma herança preciosa e palpável para a nova geração a respeito do que é pertencer a uma pátria, ou do que é ser cidadão americano – sentimento muito mais enraizado do que o nosso neste sentido. Mas, a nossa “Lei de todas as leis”, apesar da sua pouca  idade – 23 anos apenas – é quem tem determinado na esfera jurídica  “quem pode ser” ou quem é  esse cidadão brasileiro num planeta tão diverso (a despeito da tal globlalização) com centenas de povos, tribos, línguas e nações!

Então, se você nasceu aqui já é brasileiro! Só não venha nascer filho de um diplomata ou militar estrangeiro a  serviço no Brasil, porque aí você não entra no time. Se nasceu lá fora e resolveu escolher o Brasil como pátria, é possível; basta seguir os passos do processo de naturalização. Portanto, brasileiro nato ou naturalizado, só existem esses dois tipos de cidadãos  perante a lei. No entanto,meu querido leitor, depois de esclarecer isso tudo, ainda fica uma dúvida: tem alguém que continua impedido de ser brasileiro, mesmo sabendo-se naturalizado ou nascido nesta terra maravilhosa? Sim! Chegamos no ponto mais importante desse texto – que está cada vez mais longo, mas (prometo) cada vez mais quente!

Como cristão  (que vive a Igreja e ama essa família)  vou falar de um tipo de brasileiro que foi impedido de ser daqui não por um governo autoritário ou pela lei constitucional, nem muito menos pelas Escrituras Sagradas. Mas, conduzidos por pressupostos teológicos de origem pentecostal da primeira metade do séc. XX, que sublinhava e acentuava uma visão escatológica pessimista e um isolamento social, boa parte do que conhecemos como evangélicos nestes últimos 100 anos olhou fixamente para o alto, onde podiam ver as ruas e moradas celestiais, perdendo quase que totalmente o contato com esse chão, negando completamente a ‘cultura secular’; no final das contas perdendo a legítima graça de ser brasileiro, alienaram-se de fato de sua própria brasilidade, abandonando o mundo antes mesmo de partir.

 

Continua…

 

4 Comentários

  1. Juvenal
    24 de novembro de 2011

    Muito interessante, aguardo ansiosamente pela continuação. Devo adimitir que me deixou bastante curioso. Que Deus continue o abençoando.

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  2. Robson Cota
    24 de novembro de 2011

    Alguns equívocos do texto: um índio não é “menos” estrangeiro nem “mais” filho dessa terra do que eu, só porque seus antetepassados já estavam aqui há 500 anos.  O único critério pra saber se alguém é brasileiro é se ele nasceu dentro dos limites da fronteira do Brasil ou se naturalizou brasileiro. Pouco importa se ele não gosta do Brasil, se ele matou índios, se ele escravizou negros, ou se é alienado com a cultura norte-americana. Ele continua sendo brasileiro.

    Não existe “mais brasilidade” nem “menos brasilidade” entre cantores de MPB, rockeiros brasileiros que cantam em inglês, um playboy paulistano que frequenta boates caras, e o nordestino que gosta de forró. A cultura brasileira não é uma só. Nenhuma manifestação cultural tem a autoridade de arrogar para si mais brasilidade que outra. Por mais “brasileiro” que alguém possa parecer (ou melhor, o que a intelectualidade convencionou chamar de brasileiro) sempre estará carregado de influências externas, seja européias, africanas, ou americanas. O mesmo pode ser dito até dos europeus ditos “puro-sangue” e dos chineses e japoneses, que apesar de estarem em suas terras há milhares de anos, por mais fechados que sejam, nunca deixaram de absorver elementos externos. Além do fato óbvio que não estão lá desde sempre, em algum momento da história eles ocuparam a terra que não era deles e, quiçá, exterminaram seus nativos.

    E outro ponto: citou a Chevron como um exemplo de quem quer explorar nossas riquezas. Não existe “nossas riquezas”. Por acaso sou dono do petróleo no fundo do mar da bacia de Campos? Você é? Você pode dizer: ninguém é, mas o POVO brasileiro é. Só que não existe “povo brasileiro”, mas sim um conjunto de indivíduos brasileiros com vários interesses diversos, e que de forma alguma podem ser agregados em uma única entidade chamada “povo brasileiro”, ou como queiram, “sociedade brasileira”, que age conjuntamente com um interesse único. Nem mesmo se chamarem um comitê representante dessa “sociedade” e derem a ela pra ela o nome de Estado, esse Estado também é formado por indivíduos com seus próprios interesses. Quem é, no fim das contas, o dono das “nossas riquezas”? São os funcionários desse comitê selecionado do governo, que tem todos os incentivos para tratar o petróleo como um bem privado qualquer. “Povo” não é dono de nada. Apenas indivíduos são. 

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    • Abner Arrais
      25 de novembro de 2011

      Perdão Robson, mas a alienação e desinteresse do “povo brasileiro” não o torna menos dono de suas riquezas. Sociedade não é o mesmo que conjunto de indivíduos. Conjunto de indivíduos faz massa. Quando vamos a um jogo de futebol e vemos um conjunto de pessoas, não estamos vendo uma “sociedade alternativa” [rs] e sim uma grande massa. A sociedade é sim o conjunto de indivíduos que mantém relações entre si, que podem ou não divergir em seus interesses, mas que não torna um indivíduo menos sociável do que outro por interesses diferentes (talvez comportamentos, mas não interesses). Seu pensamento a respeito daquilo que pertence a nós, povo brasileiro, erra ao afirmar que os donos de nossas riquezas são pessoas selecionadas do governo. Ora, quem faz o nosso governo? Obviamente não posso negar que pouca participação o povo brasileiro tem em sua política (pelo menos de forma direta), mas sua ideia não resolve este problema, apenas se adapta a ele. Que tal pensarmos um pouco fora do comum?
      Abraços!

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  3. Cláudia Rocha
    26 de novembro de 2011

    Quem vier, de onde vier, que venha em paz. É uma comparação fraca mas um filho adotado vai chamar quem de pai, quem o trouxe ao mundo ou quem o criou? É claro que cada caso é um caso, nem quero propor essa discussão mas, tá mais do que claro pra mim que existem estrangeiros mais brasileiros do que eu. Se o cara abre mão de tudo o que seu país fez por ele, sua cultura, sua história, e de tudo o que ele já fez pelo país dele e decide se considerar brasileiro, assim, abrir a boca pra falar, “eu me considero brasileiro”, seja muito bem-vindo. Mas que ele tenha ciência de todas as implicações disso. Que ele tenha ciência do Jeitinho Brasileiro de ganhar dinheiro, do Jeitinho Brasileiro de escolher seus representantes, do Jeitinho Brasileiro de governar, enfim. É claro que o mais interessante é o brasileiro que vive em condições mínimas de sobrevivência se considerar brasileiro e ter orgulho disso. Ele conhece o que tá debaixo da ponte e mesmo assim não acredita que isso é suficiente para tirar esse orgulho dele de ser brasileiro. Eu acho isso louvável, algo que ainda estou longe de alcançar. Então acredito que ser brasileiro não é meramente nascer aqui. Minha mãe nasceu nos EUA e viveu lá por 3 anos, mas não sabe uma palavra em inglês e tem raiva de quem a chama de americana. Ela se diz brasileira e ponto final. Acredito sim que existe mais brasilidade nela, no Meligeni, e menos brasilidade em mim e outros influenciados pelo imperialismo norte-americano. Não tenho orgulho disso, mas não posso esconder, não posso me colocar no mesmo nível de pessoas que morreriam pelo Brasil. Mas enfim, é só mais um comentário contraditório.

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