Conto #1

Postado por: em maio 12, 2013 | 4 Comentários

1.
– Alô, Roberta. – falou a voz trêmula do outro lado da linha – Onde você está? – já comecei a imaginar do que se tratava, mas por um segundo não quis acreditar – Então, seu tio… é ele se foi…

Um silêncio esmagador tomou conta da ligação. Eu estava recepcionando pessoas em uma reunião. Havia uma música sendo cantada, ela falava sobre perdas. Eu olhei para frente não acreditei que era aquela canção, naquela hora. Um soco no estômago.

– Tá mãe. Vou achar meu pai e vamos encontrar vocês.

Foi tudo o que consegui dizer. Catatônica. Acabou. E agora? A lágrima não saia, eu não sabia direito o que era pra fazer. Achei meu pai, entramos no carro, corremos pro hospital. No elevador parece que o peso da verdade começou a cair. As lágrimas começaram a chegar, mas eu tinha que me segurar. E a superação da dor onde fica?

Corredor cinzento, silêncio. Eu queria me jogar em uma parede e deslizar chorando até o chão, bem cena de filme. Mas sentia que ninguém viria me segurar. Continuei andando, segurando o choro. Começo a ver meus parentes, as lágrimas começam a gritar mais alto. Não consegui entrar no quarto. Tudo que vi foi um corpo coberto com um lençol, como um pedaço de carne enrolado num jornal.

A força pra ficar de pé inexiste enquanto vejo minha mãe e outros queridos se aproximando e contando os últimos minutos dele, que eu perdi. De novo a sensação de que ninguém ia me segurar. Todos sentiam a mesma dor, mas a minha dor era a minha dor. Parecia que eu estava sozinha mesmo com tanta gente sofrendo igual por perto.

Lá vamos nós correr atrás de papéis, velório, contatos com familiares. Eu só queria me esconder. Mas queria ser forte. Tentei. Lutei com as lágrimas e fui ligando desembestada pra quem eu precisava ligar. Na verdade liguei pra quem eu queria ouvir.

– Quem vai cuidar dos papéis? … Fizeram o obituário? … Quem foi buscar a roupa?

Depois disso eu me lembro de uma noite inteira de velório. Um cochilo no carro. A espera por parentes e amigos de longe chegarem. Um culto de homenagem. Cemitério.

Dormi tanto depois disso. E depois de quase uma semana, quando acho que acordei de vez, vi uma foto dele. E cai no chão de tristeza. Aí eu vi que a dor não ia passar assim tão fácil.

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Diz minha irmã que eu não sei lidar com a perda. E quer saber, não sei mesmo. Acho que ninguém sabe. Quando eu senti na pela primeira vez a dor de perder alguém querido, amado de verdade foi como se a vida tivesse pregado uma peça em mim. Será que todo aquele papo de milagre, de Deus, de vida foi pro saco? E essa coisa de orar acreditando? Será que minhas orações são tão ruins assim?

Bom eu sou Roberta, uma jovem de 20 anos, cristã. Cresci na igreja, sempre envolvida nos projetos e ideais. Até que se prove ao contrário. Queria ser grande, mudar o mundo, sentar no sofá do Jô, ser capa de revista, porque era boa.

Não gosto de falar sobre minha formação ou minha vida profissional porque acho que elas são muito aquém daquilo que eu realmente aparento. Personalidade forte, pulso firme, fiel aos meus amigos.

Eu vi a vida parar quando frequentei em menos de seis meses quatro enterros. Já não bastasse toda a luta da vida tive que ver uma das pessoas que mais amava descer na terra embalado por madeira. Sabe aquela única pessoa que parecia te admirar só porque te admirava. Não porque você fazia isso ou aquilo. Ele simplesmente me achava o máximo, sem eu ter que fazer esforço, e esse tipo de amor me libertava.

A gente vive a vida tentando agradar ou posar pra todo mundo uma coisa que custa pra gente tudo. Nossa pose, nossos ideais, nossas vontades. Ele eu não precisava agradar.

Se eu vi uma coisa na vida é que a morte chega pré-anunciada ou não. Deixa um vazio enorme que vai se desfazendo, mas que de repente volta. Arrebata. Os bem resolvidos devem ser muito infelizes, porque não sentir saudades deve ser uma das piores privações da vida.

Hoje eu vivo, cada dia de uma vez, convivendo com o que falta e com os que me fazem falta. Se eu pudesse escolher me prendia em um momento do passado com ele. Mas a vida continua. A gente olha pro alto, respira fundo, anda no que acredita e espera fazer jus a saudade.

 

                                                 Branca

4 Comentários

  1. Felipe Silva
    12 de maio de 2013

    🙁 ,nem tem o que se falar,muito triste!

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  2. Wesley Fellipe
    12 de maio de 2013

    Me envolvi fielmente nesse conto, foi como se eu fosse a personagem que sofre, é incrível como poucas palavras me fizeram refletir e lembrar que no meu dia pensei sobre perdas, tive medo, mas entendo que acontecerão e não estarei pronto.

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  3. Igor José
    14 de maio de 2013

    Boa tarde,

    A morte é um dos temas do meu próximo livro de poesia que irá se chamar O TEMPO, A MORTE E A VIDA, e ler esse conto deixa mais claro para mim que a saudade, a dor, o medo, os questionamentos que fazemos a nós, aos outros e principalmente a Deus são artifícios que utilizamos para transcender em meio a nossa própria existência. Quando compreendemos o sentido da morte, a vida ganha um significado muito maior e todas as emoções e ações tornam-se mais intensa, pois compreendemos que a morte sempre estará tão próxima de nós, e que o tempo torna-se insignificante se conseguimos superar as dificuldades da vida, vivendo cada momento da melhor forma possível.

    Deus abençoe!

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  4. Debora Tavares
    15 de maio de 2013

    E foi assim que eu me senti!

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