Violão de Rua: Poemas para a liberdade.

Postado por: em mar 7, 2012 | 5 comentários

 

Paulo Mendes Campos

Em 1962 uma semente foi plantada no coração do povo. O país sentia o cheiro da revolução, da luta armada, o golpe militar se articulando… Onde estavam os poetas? E os intelectuais? Onde estavam? Ensinando na rua. Doutrinando com violão e arte. Confessando o marxismo em português brasileiro. Vejam agora Paulo Mendes Campos (poeta, cronista e tradutor lá de Belo Horizonte, minha terrinha). Um louvor ao povo brasileiro que faz parte da série Violão de Rua, editada pela Civilização Brasileira em setembro daquele ano.

 

 

 

 

José Lins do Rego: O último contador de histórias.

Postado por: em mar 1, 2012 | 1 comentário

Lins do Rego

Uma de suas obras já foi adaptada para a TV pelo bam-bam-bam Agnaldo Silva ( o saltitante escritor de Fina Estampa) junto com Ana Maria Moretzsohn no ano de 1990; Riacho Doce – que não é a principal obra do paraibano – serviu à época como inspiração ao núcleo de teledramaturgia da Globo, uma turma que passava apertado diante do sucesso de Pantanal (rede Manchete).

Ele é conhecido pela narrativa memorialista; “o dizer as coisas como elas surgem na memória”. Buscando lá da infância os temas, os personagens, a paisagem e o sentimento, José Lins do Rego chega a “apontar os cantadores de feira como fonte de sua arte narrativa”. Conforme nos informa Alfredo Bosi:

Os cegos cantadores, amados e ouvidos pelo povo, porque tinham o que dizer, tinham o que contar. Dizia-lhes então: quando imagino meus romances tomo sempre como modo de orientação o dizer as coisas como elas surgem na memoria, com o jeito e as maneiras simples dos cegos poetas.

            Por conseguinte, o romance brasileiro não terá em absoluto que vir procurar os Charles Morgan ou os Joyce para ter existência real. Os cegos da feira lhe servirão muito mais como a Rabelais serviram os menestréis vagabundos da França.

            Gosto que me chamem telúrico e muito me alegra que descubram em todas as minhas atividades literárias forças que dizem de puro instinto.  (Em Poesia e Vida, 1945)

 

Cangaceiros, senhores de engenho, os coronéis do nordeste, o engenho de açúcar, o moinho parado, O Fogo Morto, patriarcas, bacharéis, o fanatismo religioso, santos e beatas, brotam na linguagem fértil de José Lins do Rego.  Leia um trecho e aproveite a genialidade deste nosso “último contador de histórias”:

Seu Lula quase não ouvia o que o homem falava. D. Amélia apareceu, então, para conversar. Não havia engenho nenhum à venda. Fo quando o marido perguntou, como se estivesse acordado:

–       Como? O que foi, hum, Amélia?

–       Este senhor está aí porque soube que Santa Fé estava à venda.

–       Como! Quem lhe disse isto? O homem desculpou-se, e continuou a falar. Tinha vontade de comprar terra na várzea. Aquilo é que era terra! E havia sabido que a Santa Fé estava quase sem safrejar e por isto se botara para afalar no assinto. Pedia desculpa, e ia se retirar, quando Seu Lula lhe falou em voz alta:

–       Sim senhor, vou sair daqui para o cemitério, hem, pode dizer por toda a parte.

–       Não estou aqui, Coronel, para aborrecer.

–       Hem, Amélia, veio aqui comprar o engenho do teu pai. Lá dentro D. Olívia gritava:

–       Velho estou cosendo a tua mortalha. O homem parecia assustado. Levantou-se. Seu Lula trêmulo:

–       Pode dizer ao José Paulinho que não vendo coisa nenhuma.

–       Coronel, não estou aqui para levar recado. D. Amélia conciliava:

–       É verdade. O senhor não leve a mal.

–       Hem, Amélia, quer comprar o engenho do teu pai. O Homem já estava na calçada, e seu Lula ainda falava aos berros:

–       Estão enganados. Fico no engenho. Não é, Amélia?

–       Cala a boca, velho – gritava D. Olívia – cala a boca, velho.

                                                                                  (Fogo Morto – José Lins do Rego)

Augusto de Campos / LUXO

Postado por: em fev 23, 2012 | Nenhum comentário

 

 Quarenta e oito

 

Augusto

O movimento de poesia concreta é inarredável na história das artes no Brasil. Se você gosta de poesia, logo acaba esbarrando no concretismo inaugurado pelo trio Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos.

O que vamos apreciar agora é um tipo de poesia “não-verbal”. É a poesia que se utiliza do espaço; aqui a gente vê a palavra e seus múltiplos sentidos. É isso mesmo; poesia concreta é abstrata pra caramba!

 

 

 

 

 

 

Veja em detalhe:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O luxo só é luxo de perto, quando se está preso em suas paredes, em suas leituras em distúbio (é miopia) porque de longe todo aquele luxo é lixo? Estou aqui a lhe perguntar…
Deixa o Augusto de Campos responder:

 

A Linguagem Poética / Décio Pignatari

Postado por: em fev 21, 2012 | 3 comentários

Quarenta e sete

 

A poesia parece estar mais do lado da música e das artes plásticas e visuais do que da literatura. Ezra Pound acha que ela não pertence à literatura e Paulo Prado vai mais longe: declara que a literatura e a filosofia são as duas maiores inimigas da poesia.

De fato, a poesia é um corpo estranho nas artes da palavra. É a menos consumida de todas as artes, embora pareça ser a mais praticada (muitas vezes, às escondidas). Uma das maiores raridades do mundo é o poeta que consegue viver só de sua arte. Há dois mil anos, o poeta latino Ovídio dizia que as folhas de louro (com as quais se faziam coroas para poetas e heróis) só serviam mesmo para temperar o assado. E como poderia ser diferente? Como encontrar um modo de remunerar o trabalho e o ofício de um poeta? Rilke ficou treze anos sem fazer um único poema; Valéry, vinte e cinco anos! Outros consumiram boa parte da vida escrevendo uma obra (sem exclusão de outras): Dante, vinte anos, para a Divina Comédia; Joyce, dezessete, para a “proesia” do Finnegans Wake; Pound, quarenta para Os Cantos; Goethe, cinquenta e cinco, para o Fausto; Mallarmé, trinta, para o Lance de Dados. Mas não é porque houve um Pelé que você vai deixar de jogar futebol; não é porque há uma Gal que você vai deixar de cantar.

 

Pignatari, amigo dos Campos

O poeta é aquele artista que não está no gibi. E é aquele que ajuda a fundar culturas inteiras. Não dá pra entender a cultura portuguesa sem Camões; a inglesa sem Shakespeare; a italiana sem Dante; a alemã sem Goethe; a grega sem Homero; a irlandesa sem Joyce.

 

Poesia é a arte do anticonsumo. A palavra “poeta” vem do grego “poietes= aquele que faz”. Faz o quê? Faz linguagem. E aqui está a fonte principal do mistério. O signo verbal forma um sistema dominante de comunicação… E aí é que está: o poeta não trabalha com o signo, o poeta trabalha o signo verbal.

Uma estorinha: O grande pintor impressionista Degas vivia querendo fazer um poema — sem conseguir. Um dia, chegou-se para o seu amigo Mallarmé e disse: “Stéphane, idéias maravilhosas não me faltam — mas eu não consigo fazer um poema”. Respondeu o Mestre: “Meu caro Edgar, poemas não se fazem com ideias — mas com palavras”.

O poeta faz linguagem para generalizar e regenerar sentimentos, diz Charles Peirce.

Uma adivinha: Mallarmé falava de uma flor que está “ausente de todos os buquês”. Que flor é esta?

Charles Morris faz uma esclarecedora distinção entre os signos. Diz ele que há signos-para e signos-de. Um signo-para conduz a alguma coisa, a uma ação, a um objetivo transverbal ou extraverbal, que está fora dele. É o signo da prosa, moeda corrente que usamos automaticamente todos os dias. Mas quando você foge desse automatismo, quando você começa a ver, sentir, ouvir, pesar, apalpar as palavras, então as palavras começam a se transformar em signos-de. Fazendo um trocadilho, o signo-de pára em si mesmo, é signo de alguma coisa — quer ser essa coisa sem poder sê-lo. Ele tende a ser um ícone, uma figura. É o signo da poesia. Você vai ver, mais adiante, que o signo-para é um signo por contigüidade, enquanto o signo-de é um signo por similaridade.

Para o poeta, mergulhar na vida e mergulhar na linguagem é (quase) a mesma coisa. Ele vive o conflito signo vs. coisa. Sabe (isto é, sente o sabor)que a palavra “amor” não é o amor — e não se conforma…

A resposta para adivinha mallarmaica: a flor que está ausente de todos osbuquês é a palavra flor.

O poema é um ser de linguagem. O poeta faz linguagem, fazendo poema. Está sempre criando e recriando a linguagem. Vale dizer: está sempre criando o mundo. Para ele, a linguagem é um ser vivo, O poeta é radical (do latim, radix, radicis = raiz): ele trabalha as raízes da linguagem. Com isso, o mundo da linguagem e a linguagem do mundo ganham troncos, ramos, flores e frutos.

É por isso que um poema parece falar de tudo e de nada ao mesmo tempo. É por isso que um (bom) poema não se esgota: ele cria modelos de sensibilidade. É por isso que um poema, sendo um ser concreto de linguagem, parece o mais abstrato dos seres. É por isso que um poema é criação pura — por mais impura que seja. É como uma pessoa, ou como a vida: por melhor que você a explique, a explicação nunca pode substituí-la. É como uma pessoa que diz sempre que quer ser compreendida. Mas o que ela quer mesmo é ser amada.

competência e desempenho

O lingüista Chomsky distingue dois níveis no fato lingüístico: o nível de competência e o nível de desempenho. O nível de competência refere-se ao nível de domínio técnico da linguagem (aos três anos de idade, uma criança já domina as estruturas básicas de seu idioma materno). O nível de desempenho é aquele em que o falante cria em cima do nível de competência. É claro que esses níveis não são separados: a criança aprende criando. Todos nós criamos, mas a (des)educação que recebemos nos orienta no sentido da descriação, no sentido de permanecermos apenas ao nível de competência.

 

Muita inibição ao nível do desempenho é provocada pela insegurança ao nível da competência. É nisto que se apoia a censura, de fora e de dentro (autocensura), para impedir que você crie.

( no livro: “O que é comunicação poética” do professor Décio Pignatari )

Freyre se esqueceu da Festa? Mas não só ele.

Postado por: em fev 16, 2012 | 3 comentários

Quarenta e quatro

 

Freyre

A resposta de Gilberto Freyre no suposto documento citado nos comentários do último post não menciona o movimento modernista do grupo Festa (1927), dirigido por Tasso da Silveira, onde reuniam-se católicos engajados com as modernas fórmulas artísticas, bebendo da fonte viva da tradição simbolista, afim de expressar um misticismo luminoso e profundo.

A resposta que ele chegou naquela época foi muito dramática; não, os cristãos brasileiros até então [1960] não haviam deixado um legado cultural” (Gerson)

O ‘Imperador das Ideias’ – como era conhecido Freyre – não ter considerado esse movimento digno da sua citação dentro do que chamamos “contribuição cristã na história da arte no Brasil” é por certo intrigante, já que quase todos os grandes livros sobre a história da literatura nacional (Bosi, Nejar, Massaud) reverenciam esse grupo como força importante dentro do modernismo brasileiro.

Não foi apenas Freyre quem se esqueceu da Festa. Essa ala de grandes estandartes como Cecília Meireles,  Andrade Muricy, Tristão de Athayde, Henrique Abílio, Adelino Magalhães  e Adonias Filho nunca foi mencionada em nenhum encontro de arte e espiritualidade que participei nesses últimos anos, onde tenta-se catar alguma referencia de engajamento na cultura como se estivéssemos órfãos de qualquer inteligência antecessora, como se estivéssemos sempre que começar do zero, inventando e reinventando a roda.

 

Nem precisa lembrar de Murilo Mendes, aquele que “jamais caiu em formas antiquadas de apologética”. Não precisa mencionar a contemporânea de Divinópolis, da cidade de Deus, lá das Minas, nossa Adélia Prado. Vamos ficar, por enquanto, apenas na década de 1930 tentando ouvir – como se fosse a primeira vez – esse canto místico de poetas cheios de fé!

Vamos pelos caminhos deste mundo.

Há visões de beleza imemoriais.

Das estrelas ao ritmo profundo,

Repetiremos passos ancestrais.

Vamos pelos caminhos deste mundo.

Há pratas ouros, sândalos, rosais.

Marcharemos ao ritmo profundo

Dos nossos pobres sonhos desiguais.

Do coração, ao ritmo profundo,

Seguiremos, serenos, sem alarde:

Nalgum porto remoto haverá paz.

Vamos pelos caminhos deste mundo.

Esquecerei que vieste muito tarde;

Esquecerás que vim cedo demais…

 

 (Soneto XIII, Puro Canto, Tasso da Silveira)