Eudes Raony / Três Poemas

Eudes Raony / Três Poemas

Postado por: em abr 21, 2012 | 6 comentários

 

TERRENO

Sou pés descalços

E mãos vazias

Adélia Prado / Aula Magna: o poder humanizador da poesia.

Adélia Prado / Aula Magna: o poder humanizador da poesia.

Postado por: em abr 19, 2012 | 8 comentários

Olá! Você pode assistir, como também ler a transcrição da conversa que Adélia Prado teve com Afonso Borges. Coisa linda! Aproveite.

Juliana Rodrigues/ Não precisa abrir o mar

Postado por: em mar 18, 2012 | 8 comentários

Juliana Rodrigues está de volta ao Blog, dessa vez numa linda oração, ou seria poesia? Sábado Sarau Dominical apresenta a menina do desenho recitando as tensões da sua fé.

Não precisa abrir o mar

 

Não estou indo em direção ao escuro
Vejo tudo claramente
Eu acredito mas não confio
Há alguma relação?

Não vejo rebeldia, Senhor
Vejo chama ardente
Mas o fogo não prova
Ele queima e me prende

Derrete meus sentimentos
Deforma meus pensamentos
Transforma minhas expectativas
Em um grande montão de cinzas

Não estou indo em direção ao escuro
Há lâmpada para os meus pés
Há trevas a minha volta
Há alguma comunhão?

Só vejo acusação, Senhor
De quem deveria amar
E a voz da experiência
De quem não sabe falar

Palavras que deveriam suster
Derrubam pela forma de dizer
Cortam o coração já em pedaços
Não estreita, mas desata laços

Não estou indo em direção ao escuro
Meus pés não saem do chão
Não acredito mesmo vendo
Há algum explicação?

Ficou tudo mais escuro, Senhor
Foi a chama que apagou
Consumiu sem piedade
Até que nada restou

 

Os sonhos que entreguei

O quanto me dediquei

A pureza que ninguém viu

Também no fogo se omitiu
Não estou indo em direção ao escuro
Não esboço qualquer ação
Para aquilo que se extinguiu
Há alguma solução?

Se até aqui não foi Contigo, Senhor
Já não sei o que pensar
Se até aqui me enganei
Não quero mais me enganar

E como Esaú a procurar
Não encontro esse lugar
Não sei se sei me arrepender
Suponho escrava ainda ser

Não estou indo em direção ao escuro
Ainda sigo meu coração
Para os que estão nesse lugar
Há alguma canção?

Cante-me essa canção, Senhor
Com um presente tangível
E fale-me de um futuro
Sem que pareça impossível

 

Ressussita-me a paixão

Faz bater no coração

Transforma o luto em festa

Pois Tua bondade é o que me resta

 

Não estou indo em direção ao escuro

Mas ficou embasada a visão

Para quem não enxerga a regra

Há alguma salvação?

 

Não solta a minha mão, Senhor

Se não posso afundar

E a minha fé que é pequena

Pode até naufragar

 

Não precisa abrir o mar

Nem precisa o Sol parar

Só ameniza a minha dor

E traz de volta o primeiro amor

 

 

 

Moacyr Felix – Ladainha

Postado por: em mar 13, 2012 | 1 comentário

1962. O Violão de Rua incomoda. Cinquenta anos depois estou aqui. 2012. Lendo o seguinte poema, consigo sentir a dor da repressão, a angústia de um irmão revoltado com a religiosidade infértil de sua época e enojado com o capitalismo imperialista e feroz. Posso ver a reprodução de um Nietzsche em tom dramático e panfletário, um som áspero, uma grande dor, um retrato das vísceras de um cara como eu e você no meio de um vendaval. Lá no meio dele, o poeta faz sua confissão de fé. A sua dor profunda o impediu de ver a Vida no meio do redemoinho? Cadê a Esperança? Que oração é essa?

 

 

LADAINHA

 Elisabeth é puta

Madeleine é puta

Maria dos Anjos é puta

O verbo ter é o verme do mundo

Van Gogh ficou louco

Hoelderlin ficou louco

Zé da Silva ficou louco

O verbo ter é a prisão do homem

Maiakovski se matou

Garcia Lorca foi assassinado

Cristo morreu na cruz

Antônio morreu na guerra

Tião Pedreira, na polícia

O verbo ter é a morte de Deus

O Mundo está podre

O verbo ter é o verme do mundo

O Homem está prêso

O verbo ter é a prisão do homem

Deus está morto

O verbo ter é a morte de Deus

Tem gente com fome

Deus está morto

Tem gente com frio

Deus está morto

Tem gente com sede

Deus está morto

A noite é longa como um grito

O Homem está prêso

A noite é longa como o desespero

O Homem está prêso

A noite é longa como o ódio

O Homem está prêso

O dia é deserto como o lobo na estepe

O Mundo está podre

O dia é pesado como um túmulo antigo

O Mundo está podre

O dia é alegre como um copo que quebra

O Mundo está podre

Alugam-se! médicos

advogados

e arquitetos

Tem gente com fome

Tem gente com frio

Tem gente com sede

 

Alugam-se! poetas

e bênçãos sacerdotais

A noite é longa

A noite é longa

A noite é longa

Alugam-se! môças para casar

amizades

e boas maneiras

O dia é deserto como o lobo na estepe

pesado como um túmulo antigo

alegre como um copo que quebra

 

ORAÇÃO

 

O Mundo está podre

O Homem está prêso

Deus está morto

O Mundo é eterno

e as manhãs do mundo vencerão a treva

O Homem é eterno

e a liberdade será o coração dos homens

O Amor é eterno

e a orquestração da vida pairará sobre as águas

per omnia secula sculorum Amém.

 

 

( Ladainha – Moacyr Felix in Violão de Rua Vol.II )

 

 

Moacyr Felix

[ Moacyr Felix, poeta carioca, marxista, escritor, editor, diretor de importantes coleções de poesia pela Civilização Brasileira, sonhava com a liberdade,  contribuiu direta e indiretamente em movimentos importantes como os da Teologia da Libertação, leu, ele próprio, para os tripulantes da espaçonave Myr, na órbita da  Terra, um de seus poemas, transmitido em russo para toda a União Soviética, apoiou o impeachment do presidente Collor, ganhou o prêmio Jabuti em 2000 pelo livro “Introdução a Escombros”, morreu em 2005 aos 79 anos de idade]

Arnaldo Antunes / Sobre a origem da poesia

Postado por: em mar 9, 2012 | 3 comentários

Arnaldo Antunes

Sobre a origem da poesia

A origem da poesia se confunde com a origem da própria linguagem.
Talvez fizesse mais sentido perguntar quando a linguagem verbal deixou de ser poesia. Ou: qual a origem do discurso não-poético, já que, restituindo laços mais íntimos entre os signos e as coisas por eles designadas, a poesia aponta para um uso muito primário da linguagem, que parece anterior ao perfil de sua ocorrência nas conversas, nos jornais, nas aulas, conferências, discussões, discursos, ensaios ou telefonemas.
Como se ela restituísse, através de um uso específico da língua, a integridade entre nome e coisa — que o tempo e as culturas do homem civilizado trataram de separar no decorrer da história.
A manifestação do que chamamos de poesia hoje nos sugere mínimos flashbacks de uma possível infância da linguagem, antes que a representação rompesse seu cordão umbilical, gerando essas duas metades — significante e significado.
Houve esse tempo? Quando não havia poesia porque a poesia estava em tudo o que se dizia? Quando o nome da coisa era algo que fazia parte dela, assim como sua cor, seu tamanho, seu peso? Quando os laços entre os sentidos ainda não se haviam desfeito, então música, poesia, pensamento, dança, imagem, cheiro, sabor, consistência se conjugavam em experiências integrais, associadas a utilidades práticas, mágicas, curativas, religiosas, sexuais, guerreiras?
Pode ser que essas suposições tenham algo de utópico, projetado sobre um passado pré-babélico, tribal, primitivo. Ao mesmo tempo, cada novo poema do futuro que o presente alcança cria, com sua ocorrência, um pouco desse passado.
Lembro-me de ter lido, certa vez, um comentário de Décio Pignatari, em que ele chamava a atenção para o fato de, tanto em chinês como em tupi, não existir o verbo ser, enquanto verbo de ligação. Assim, o ser das coisas ditas se manifestaria nelas próprias (substantivos), não numa partícula verbal externa a elas, o que faria delas línguas poéticas por natureza, mais propensas à composição analógica.
Mais perto do senso comum, podemos atentar para como colocam os índios americanos falando, na maioria dos filmes de cowboy — Eles dizem “maçã vermelha”, “água boa”, “cavalo veloz”; em vez de “a maçã é vermelha”, “essa água é boa”, “aquele cavalo é veloz”. Essa forma mais sintética, telegráfica, aproxima os nomes da própria existência — como se a fala não estivesse se referindo àquelas coisas, e sim apresentando-as (ao mesmo tempo em que se apresenta).
No seu estado de língua, no dicionário, as palavras intermediam nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com elas. A linguagem poética inverte essa relação pois vindo a se tornar, ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensível mais direto entre nós e o mundo.
Segundo Mikhail Bakhtin, (em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”) “o estudo das línguas dos povos primitivos e a paleontologia contemporânea das significações levam-nos a uma conclusão acerca da chamada ‘complexidade’ do pensamento primitivo. O homem pré-histórico usava uma mesma e única palavra para designar manifestações muito diversas, que, do nosso ponto de vista, não apresentam nenhum elo entre si. Além disso, uma mesma e única palavra podia designar conceitos diametralmente opostos: o alto e o baixo, a terra e o céu, o bem e o mal, etc”. Tais usos são inteiramente estranhos à linguagem referencial, mas bastante comuns à poesia, que elabora seus paradoxos, duplos sentidos, analogias e ambiguidades para gerar novas significações nos signos de sempre.
Já perdemos a inocência de uma linguagem plena assim. As palavras se desapegaram das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos ouvidos, ou como a criação se desapegou da vida. Mas temos esses pequenos oásis — os poemas — contaminando o deserto da referencialidade.

Arnaldo Antunes – Incluído no libreto do espetáculo “12 Poemas para dançarmos”, dirigido por Gisela Moreau, São Paulo [italicos e grifos deste mero informante, Marcos Almeida]