22 de Janeiro / “eu sou brasileiro”

jan 22, 2012 | One Comment

Vinte e dois

 

O ‘desbocado’ Antonio Carlos de Brito aparece aqui mais comportado do que nunca. Nos versos a seguir, ele toma emprestado o principal tema deste Blog – IDENTIDADE –  e em 10 linhas ilustra a afirmação que nos inquieta: “sou brasileiro”. Vamos ouvir:

 

Sem Lero-lero

 

 

 

 

 

 

 

HÁ UMA GOTA DE SANGUE NO CARTÃO-POSTAL

 

Eu sou manhoso eu sou brasileiro

Finjo que vou mas não vou minha janela é

A moldura do luar do sertão

A verde mata nos olhos verdes da mulata

 

sou brasileiro e manhoso por isso dentro

da noite e de meu quarto fico cismando na beira

                                                              [de um rio

na imensa solidão de latidos e araras

lívido

de medo e de amor

 

     (HÁ UMA GOTA DE SANGUE NO CARTÃO-POSTAL – Antonio Carlos de Brito )

21 de Janeiro / Sábado Sarau

jan 21, 2012 | One Comment

Vinte um

Neste sítio recebo não só a visita de nomes ilustres, mas, alguns leitores inspiradíssimos e desconhecidos (pelo menos por enquanto) que andam deixando por aqui a sua palavra. A poesia deles enriquece demais essa brasilidade que é toda nossa.

 

É o caso do Igor José. Ele me enviou um livro inédito de sua autoria cheio de poemas. Os versos que vamos ler agora fazem parte dessa sua estreia. Vejam aí:

 

NA ESQUINA

Na esquina o poema me espera

Em cada árvore,

Em qualquer direção.

Na rua o poema me espreita

Atrás dos postes

Em cada curva.

Na esquina da rua o poema se revela

Em todo ato,

Em cada fato.

No poema a esquina é o meu lugar,

Na rua o poema é o meu luar,

O poema me espera e me espreita

Na rua, na esquina, em todo lugar.

( do livro “Não sei ser poeta” – Igor José)

 

 

A gentileza de José inspirou uma nova ideia para o nosso Blog. Que tal fazermos no sétimo dia da semana, o “Sábado Sarau”?  Taí! Você pode enviar suas poesias, músicas, danças, pinturas, qualquer arte, que publicarei aqui para todo mundo ver.

 

Enviem seus devaneios, pensamentos, na métrica ou fora da métrica, em versos livres ou alexandrinos, não interessa a técnica apenas a verdade. Enviem!

 

Para isso, escolha:

Carta  

Av. Fortaleza 1500 Ap 203

CEP 29101 575

Bairro Itapoã Vila Velha – ES

A/C Marcos Almeida

E-mail

marcos@palavrantiga.com

20 de Janeiro / Murilo Mendes

jan 20, 2012 | 4 Comments

 

Vinte

Parece que descobri um gênio. Estou aqui espantado com sua capacidade de produzir linguagem , de falar da Eternidade, de nos distraír com sua imagética. Senhoras e senhores, diretamente de Juiz de Fora: Murilo Mendes.

Outra Apologética

 Viver organizando o diamante

(Intuindo sua face) e o escondendo,

Tratá-lo com ternura castigada.

Nem mesmo no deserto suspendê-lo.

Mas viver consumindo de sua graça.

Obedecer a este fogo frio

Que se resolve em ponto rarefeito.

Viver: do seu silêncio se aprendendo.

Não temer sua perda em noite obscura.

E do próprio diamante já esquecido,

Morrer, do seu esqueleto esvaziando:

Para vir a ser tudo, é preciso ser nada.

(São João da Cruz- Murilo Mendes)

 

19 de Janeiro / Gastronomia

jan 19, 2012 | No Comments

 

      Dezenove

Alguns não sabem disso, mas, tenho colocado o texto a seguir como uma placa sobre a minha mesa. Quero olhar para ele todos os dias na intenção de que ele faça parte da minha estrutura: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria e precedendo a honra vai a humildade” (Provérbios 15:33). Encontrei essa preciosidade num livro da Bíblia que de fato não é só uma reunião de livros milenares; é uma escola de vida prática. Tão prática que tem hora que  me assusto.

Veja o que encontrei agora. Descobri que Jacó abençoou Aser, um dos seus doze filhos, com uma benção epecial: da boa gastronomia!

“Aser será famoso por sua comida deliciosa,
doces e guloseimas próprios de reis” (Genesis 49.20)

 

Que beleza! Comida, bebida, doces, festa, banquete, vinho, alegria.. a Bíblia acontece na vida real e é para mim o roteiro da vida real.

Cozinha, Graça e Poesia ...

Logo que li esse trecho, lembrei de uma poetisa maranhense não muito conhecida.

E daí imaginei a gente juntar poesia e gastronomia aqui na cozinha. Quem sabe mais do que isso: a cozinha pode se tornar um lugar de encontro entre poetas e a Maravilhosa Graça, essa que nos abençoa e nos reconcilia com Deus.

Fiquei animado com a ideia!

Voltando à poetisa lembrada no meio desses devaneios, ela apareceu recentemente numa antologia que está quebrando recordes de venda: “Os cem melhores poemas brasileiros do século”. Liguei banquete com cozinha e cozinha com Utensílios. Aí está:

 

Para extrair

do alumínio seu lúmen

usaria

o desusado, exaurido verbo “haurir”

Arearia

panelas

à beira de um rio, mergulhada

no alumínio luzidio

– “haurindo-o” –

polindo-lhe

a índole de água

e o ímpeto de prata

com grãos

de ouro de areia

arearia

“ourada”

submersa em seu domínio

(Utensílios – Lu Menezes)

 

 

 

 

 

 

18 de Janeiro / Ferreira Gullar

jan 18, 2012 | 2 Comments

Quem olha para o chão não deixa de tocar a transcendência

                      Dezoito

 Sempre fiquei meio grilado com o jeito amargo dos poemas de Gullar. Mas, me parece que se olharmos para dentro do seu texto com olhar mais atento,  vamos encontrar aquele esperancês que todo poeta tem que usar para sobreviver à angustia, dentro desse triste exercício da narração, do sentir o mundo com as entranhas.

Aqui vai um poema de “Dentro da Noite Veloz”, seu mais festejado livro até hoje. Onde a velocidade e ferocidade do seu cotidiano transpareceu em letras que revelam uma época para muitos maldita; a ditadura militar.

 

 Agosto 1964

 

Entre lojas de flores e de sapatos, bares,

              mercados, butiques,

viajo

num ônibus Estrada de Ferro-Leblon.

Volto do trabalho, a noite em meio,

fatigado de mentiras.

 

O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,

relógio de lilases, concretismo,

neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,

                                    que a vida

eu a compro à vista aos donos do mundo.

Ao peso dos impostos, o verso sufoca,

a poesia agora responde a inquérito policial-militar.

Digo adeus à ilusão

mas não ao mundo. Mas não à vida,

meu reduto e meu reino.

                                                        Do salário injusto,

da punição injusta,

da humilhação, da tortura,

do terror,

retiramos algo e com ele construímos um artefato

 

um poema

uma bandeira

 

(Agosto 1964 – Ferreira Gullar)