18 de Janeiro / Ferreira Gullar

Postado por: em jan 18, 2012 | 2 Comentários

Quem olha para o chão não deixa de tocar a transcendência

                      Dezoito

 Sempre fiquei meio grilado com o jeito amargo dos poemas de Gullar. Mas, me parece que se olharmos para dentro do seu texto com olhar mais atento,  vamos encontrar aquele esperancês que todo poeta tem que usar para sobreviver à angustia, dentro desse triste exercício da narração, do sentir o mundo com as entranhas.

Aqui vai um poema de “Dentro da Noite Veloz”, seu mais festejado livro até hoje. Onde a velocidade e ferocidade do seu cotidiano transpareceu em letras que revelam uma época para muitos maldita; a ditadura militar.

 

 Agosto 1964

 

Entre lojas de flores e de sapatos, bares,

              mercados, butiques,

viajo

num ônibus Estrada de Ferro-Leblon.

Volto do trabalho, a noite em meio,

fatigado de mentiras.

 

O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,

relógio de lilases, concretismo,

neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,

                                    que a vida

eu a compro à vista aos donos do mundo.

Ao peso dos impostos, o verso sufoca,

a poesia agora responde a inquérito policial-militar.

Digo adeus à ilusão

mas não ao mundo. Mas não à vida,

meu reduto e meu reino.

                                                        Do salário injusto,

da punição injusta,

da humilhação, da tortura,

do terror,

retiramos algo e com ele construímos um artefato

 

um poema

uma bandeira

 

(Agosto 1964 – Ferreira Gullar)

 

 

 

 

2 Comentários

  1. Igor José
    18 de janeiro de 2012

    Só para confirmar minha leitura de hj.
    Deus abençoe vc Marcos.

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  2. nossabrasilidade » Literatura Brasileira
    10 de junho de 2012

    […] – Ferreira Gullar […]

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