Violão de Rua: Poemas para a liberdade.
Em 1962 uma semente foi plantada no coração do povo. O país sentia o cheiro da revolução, da luta armada, o golpe militar se articulando… Onde estavam os poetas? E os intelectuais? Onde estavam? Ensinando na rua. Doutrinando com violão e arte. Confessando o marxismo em português brasileiro. Vejam agora Paulo Mendes Campos (poeta, cronista e tradutor lá de Belo Horizonte, minha terrinha). Um louvor ao povo brasileiro que faz parte da série Violão de Rua, editada pela Civilização Brasileira em setembro daquele ano.

A nova matriz da Música Brasileira é Evangélica?
Antes de começar a esticar o assunto, deixo com vocês uma reportagem de Lívia Machado publicada no portal G1 no último dia 02 de Março. Volto logo. Leiam.
É lá se foram Dom Robinson e sua esposa. Foram conhecer o Reino que tanto esperavam.
Essa semana fomos todos surpreendidos com o assassinato do Bispo Robinson Cavalcanti e sua querida esposa. Todos sofreram! A igreja sofreu… a sociedade, os amigos e parentes. O único que não sofreu nisso tudo foi Deus. Deus foi logo dando boas vindas ao casal e mostrando os aposentos e servindo uma pamonha a Dom Robinson! Alegria por lá, choro pras bandas de cá.
Quero escrever esse texto não pelo prisma da dor que todos passamos, mas olhando o que Bispo Robinson significou pra essa geração. Dom Robinson é uma daquelas mentes brilhantes que demoram pra surgir novamente. Sua ligação com a cultura nordestina, pernambucana, olindense, deu a ele todo um sabor e um tom, seja na sua vida acadêmica como em sua carreira como teólogo e sacerdote Anglicano. Por onde passava deixava claro que era nordestino e com orgulho santo! Sempre também deixou claro sua posição de fé Cristã e reformada, mas nunca com tom de superioridade apenas de confessionalidade consciente e devota. Foi um batista que se converteu ao Anglicanismo e contava com o respeito do Bispo de Cantuária na Inglaterra.
Aqueles que acompanharam o surgimento da Teologia da Missão Integral foram diretamente impactados pela vida de Dom Robinson, pois de forma magistral, ele apresentava esse projeto de vida para a Igreja, o qual ele chamava de missão. O humor afiado era sempre presente em suas palestras e conversa de corredores, assim como o vasto conhecimento da história da Igreja contemporânea. Esteve presente nos três encontros do Movimento de Laussane. Propunha uma releitura dos símbolos cristãos a partir de um olhar protestante desse símbolos. Gostava de comemorar o dia de São João, e quando era interrogado sobre isso dizia com tom brando e alegre, “Estamos apenas celebrando o aniversário do priminho de Jesus”. Tinha o respeito das lideranças de todas denominações históricas, no Brasil e em vários países, mas era gente simples. Na vida acadêmica seu currículo é de deixar qualquer um de queixo caído, mas ainda sim era gente simples.
Bem, isso foi uma breve introdução da vida de Dom Robinson. Agora, o que me deixou mais chocado em tudo isso, nessa tragédia, foi o fato de que grande parte do que hoje se chama Igreja Evangélica não sabe quem era esse servo de Deus. Eu sei que isso não parece ter importância, mas de fato é um dado que muito explica os caminhos por onde grande parte do povo que usa esse título tem percorrido. Verifiquei que a grande maioria dos portais de noticia do meio gospel se quer deu uma pequena nota de falecimento. Minha conclusão é que Dom Robinson parecia viver em um mundo paralelo. Isso diz muito sobre a agenda e prioridades da Igreja hoje.
Bem, espero que a morte de Dom Robinson seja aproveitada por todos que ouvirem seu nome e que busquem conhecer a proposta de vida desse irmão querido. Não estou querendo fazer um herói, apenas convidar essa nova geração de cristãos evangélicos para conhecer a obra e a graça na vida de preciosos irmãos que trabalharam dedicadamente em prol do Reino invisível de Deus. Existem tantos outros, tanta gente boa, tanta gente do bem…Lembro-me aqui nesse momento do irmão Waltir, que faleceu um dia após Dom Robinson.
Posso te dar uma dica? Vá até o youtube e assista ao máximo de palestras de Dom Robinson Cavalcanti. Você será tremendamente abençoado e ao mesmo tempo conhecerá uma das mentes mais brilhantes do protestantismo brasileiro. Chamo a atenção para as palestras que falam dos símbolos e da identidade da Igreja. Aventure-se…ouse! Permita-se ser alcançado pelo pensamento dele. Que Deus seja louvado nisso tudo.
Rev. Gerson Freire
Março de 2012.
Tu pauperum refugium / Josquin Desprez (1450 -1521)
Não consigo guardar nada que pesquiso ou que experimento, logo me pego compartilhando esses encontros. Esbarrei agora numa peça sacra de Josquin Deprez (1450-1521) o gênio flamengo que compôs entre outras essa belíssima “Tu pauperum refugium”. Compositor predileto de Martin Lutero, exerceu grande influência na sua época, sendo reverenciado por personalidades literárias como Rabelais e Castiglione.
Esse esbarrão de agora foi um reencontro. Essa peça caiu em minhas mãos pela primeira vez na época da faculdade, quando fiz parte do coral da UEMG (2004) dirigido pelo maestro Afrânio Lacerda. Foi o próprio maestro quem trouxe a obra de arte; e logo na primeira leitura, junto com a turma, me emocionei com aqueles intervalos, as melodias se encontrando em lamentos e cânones, me arremessando aos portões da alta renascença enquanto ouvia e cantava suas notas.
Hoje, procurando nos meus arquivos algumas obras para apresentar aos alunos na segunda-feira – quando pela primeira vez vou falar aos seminaristas (ajuda-me Deus!) – encontrei então Josquin. Mas o curioso disso tudo é que enquanto lia a partitura e ouvia a música, Mário Henrique (Missão Mais) me liga para dar uma notícia dolorosa: a esposa de Mauro, vocalista da banda Oficina G3, depois de dois anos de luta contra um tipo raríssimo de câncer não suportou mais a dor e seguiu para o Lar. A oração de Josquin, Tu pauperum refugium ( Você refugio dos pobres), termina falando da morte e declarando que Jesus, a verdade e a vida, é também o descanso da nossa alma.
Vamos ouvir, então. Na sincronicidade desse momento; uma declaração de fé. Enquanto deixo um abraço demorado no meu irmão Mauro.
Du, der Armen Zuflucht, du der Schwachen Heilung, Hoffnung der Verbannten, Stärkung der Arbeitenden, Weg der Irrenden, Wahrheit und Leben. Und nun, du Erlöser un Herr, zu dir allein nehme ich meine Zuflucht, dich wahren Gott bete ich an, auf dich hoffe ich, auf dich vertraue ich, mein Heil, Jesus Christ; hilf mir, daB nicht entschlafe im Tode meine Seele. [quem souber alemão e puder traduzir, envie pra gente – texto da obra citada neste post]
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Antes que alguém pergunte o que isso tem a ver com brasilidade, digo: Josquin Desprez depois de 2004 também é brasileiro e faz parte da minha memória, portanto atua intensamente na razão de ser da minha brasilidade e é muito apropriado para esse momento de encontro com o sagrado quando a morte em três dias seguidos faz um balanço das nossas vidas (Robinson Cavalcanti e esposa, Irmão Waltir e Jakylene). Josquin traduz a nossa humanidade, aquilo que é comum a todos os povos, inclusive os sentimentos destes que, como eu, não sabem o tamanho da dor que sente agora nosso irmão Mauro.
José Lins do Rego: O último contador de histórias.
Uma de suas obras já foi adaptada para a TV pelo bam-bam-bam Agnaldo Silva ( o saltitante escritor de Fina Estampa) junto com Ana Maria Moretzsohn no ano de 1990; Riacho Doce – que não é a principal obra do paraibano – serviu à época como inspiração ao núcleo de teledramaturgia da Globo, uma turma que passava apertado diante do sucesso de Pantanal (rede Manchete).
Ele é conhecido pela narrativa memorialista; “o dizer as coisas como elas surgem na memória”. Buscando lá da infância os temas, os personagens, a paisagem e o sentimento, José Lins do Rego chega a “apontar os cantadores de feira como fonte de sua arte narrativa”. Conforme nos informa Alfredo Bosi:
Os cegos cantadores, amados e ouvidos pelo povo, porque tinham o que dizer, tinham o que contar. Dizia-lhes então: quando imagino meus romances tomo sempre como modo de orientação o dizer as coisas como elas surgem na memoria, com o jeito e as maneiras simples dos cegos poetas.
Por conseguinte, o romance brasileiro não terá em absoluto que vir procurar os Charles Morgan ou os Joyce para ter existência real. Os cegos da feira lhe servirão muito mais como a Rabelais serviram os menestréis vagabundos da França.
Gosto que me chamem telúrico e muito me alegra que descubram em todas as minhas atividades literárias forças que dizem de puro instinto. (Em Poesia e Vida, 1945)
Cangaceiros, senhores de engenho, os coronéis do nordeste, o engenho de açúcar, o moinho parado, O Fogo Morto, patriarcas, bacharéis, o fanatismo religioso, santos e beatas, brotam na linguagem fértil de José Lins do Rego. Leia um trecho e aproveite a genialidade deste nosso “último contador de histórias”:
Seu Lula quase não ouvia o que o homem falava. D. Amélia apareceu, então, para conversar. Não havia engenho nenhum à venda. Fo quando o marido perguntou, como se estivesse acordado:
– Como? O que foi, hum, Amélia?
– Este senhor está aí porque soube que Santa Fé estava à venda.
– Como! Quem lhe disse isto? O homem desculpou-se, e continuou a falar. Tinha vontade de comprar terra na várzea. Aquilo é que era terra! E havia sabido que a Santa Fé estava quase sem safrejar e por isto se botara para afalar no assinto. Pedia desculpa, e ia se retirar, quando Seu Lula lhe falou em voz alta:
– Sim senhor, vou sair daqui para o cemitério, hem, pode dizer por toda a parte.
– Não estou aqui, Coronel, para aborrecer.
– Hem, Amélia, veio aqui comprar o engenho do teu pai. Lá dentro D. Olívia gritava:
– Velho estou cosendo a tua mortalha. O homem parecia assustado. Levantou-se. Seu Lula trêmulo:
– Pode dizer ao José Paulinho que não vendo coisa nenhuma.
– Coronel, não estou aqui para levar recado. D. Amélia conciliava:
– É verdade. O senhor não leve a mal.
– Hem, Amélia, quer comprar o engenho do teu pai. O Homem já estava na calçada, e seu Lula ainda falava aos berros:
– Estão enganados. Fico no engenho. Não é, Amélia?
– Cala a boca, velho – gritava D. Olívia – cala a boca, velho.
(Fogo Morto – José Lins do Rego)