Em MPB, SEXO

A MPB é de Vênus

Postado por: em jan 28, 2014 | 4 Comentários

 

  Deixe a própria canção explicar sua queda por Vênus: o corpo não sou eu; o corpo é ‘meu’.

 

Sei que as categorias que estou usando não são convencionais e, talvez, seja por isso que vocês estão voltando ao Blog. Mas, lembrem-se: Vênus é chamada na nossa cultura de erótico, sensual e transgressor , mas Vênus não é isso! Como vimos no texto anterior, tudo não passa de um disfarce que Vênus utiliza justamente para tomar o controle que antes era do rival, o Eros. Vênus rebaixou Eros ao mais sacana e despudorado sentimento, mas ainda o chama de sentimento erótico, para com isso realizar o temível truque do esvaziamento semântico – deixando os bobos moralistas e ignorantes xiitas cada vez mais recalcados em relação a Eros, temendo o erótico, pensando que Eros é essa tal baixaria. Vocês entenderão melhor com os exemplos a seguir.

Aqui, vamos continuar chamando a baixaria pelo seu nome verdadeiro: Vênus. Então, vamos ao que interessa, onde está o “venéreo” na música brasileira? Não é difícil encontrar! Tente avaliar o repertório desde os movimentos históricos da revolução feminista, nos anos 70 e 80, vai ver que grande parte do repertório ‘transgressor’ foi capitaneado pelas mulheres (Rita Lee, Simone, Fafá de Belém, , Gal Costa, Ângela Ro Ro, Rita Cadilac, depois Cássia Eller, Adriana Calcanhotto, Ana Carolina), se não era compondo e cantando, era na capa dos discos. Faz sentido lembrar que, na mitologia, Vênus era uma deusa (romana, equivalente a Afrodite) e Eros um deus. [Talvez seja apenas um detalhe, não quero ser chamado de machista futuramente, rs]

 

O REPERTÓRIO DE VÊNUS

“ Sou tigrona, chapa quente / Adoro muita pressão / Gosto de ser acorrentada / E levar tapão no popozão/ Pixadão vem de chicote / Querendo me algemar / Me botando em posição / Já pronto pra martelar”

 

Sadomasoquista II, (Deize Tigrona), 2001.

 

             “Ôôôô/ Eu quero te provar / Sem medo e sem amor / Quero te provar”.

Garota nacional,  (Skank ), 1996.

 

“Já sei namorar / Já sei beijar de língua / Agora só me resta sonhar (…) /Eu sou de ninguém / Eu sou de todo mundo / E todo mundo é meu também (…) / Não tenho juízo / Se você quer apito em jogo / Eu quero é ser feliz! (…)”

 

Já sei namorar, (Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown), 2002

 

Joaquim Ferreira dos Santos escrevendo no Jornal do Brasil, de 22 de janeiro de 2003, e depois no livro de Rodrigo Faour sobre Sexo e MPB, comentou:  “ [o tipo de mulher dessa canção] não quer repetir o modelo masculino, mas sim a liberdade de não mais ser possuída, sem estar necessariamente preocupada em ter a posse do amado”.

 

Outros exemplos – mas, não vamos esgotar o assunto,  é claro!

 

“Eu não sou seu / Eu não sou de ninguém / Você não é minha / Eu não tenho ninguém / Nós somos livres / Independente Futebol Clube / Você não manda em mim / Eu não mando em você / Eu só faço o que eu quero / Você só faz o que quer / Nós somos livres / Independente Futebol Clube”

 

Independente Futebol Clube, (Roger Moreira), 1985

 

Ouça essa importante citação da psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins: “A nossa cultura deveria nos incentivar a desenvolver a capacidade de ficarmos bem sozinhos. Isso sim é a pré-condição para uma relação amorosa satisfatória, longe da fantasia de encontrar a outra-metade” (FAOUR, pág.445). Para Rodrigo Faour responsável pelo livro “a História Sexual da MPB”, a dona Regina acredita mesmo que [talvez] “hoje o grande conflito do ser humano esteja entre o desejo de simbiose e o desejo de liberdade.” [Eros X Vênus]

 

Isso não é de hoje… Vejam esse outro exemplo aqui:

 

“Esse ano não vai ser igual àquele que passou / Eu não brinquei, você também não brincou (…) / Este ano, tá combinado, nós vamos brincar separados / Se acaso meu bloco encontrar o seu / Não tem problema, ninguém morreu / São três dias de folia e brincadeira / Você pra lá e eu pra cá até quarta-feira!”

 

Até quarta-feira, (Marcos Moran), marcha-rancho 1968

“ Amor é um livro, sexo é esporte / Sexo é escolha, amor é sorte / Amor é pensamento, teorema / Amor é novela, sexo é cinema / Sexo é imaginação, fantasia / Amor é prosa, sexo é poesia / O amor nos torna patéticos / Sexo é uma selva de epiléticos/ Amor é cristão, sexo é pagão / Amor é latifúndio, sexo é invasão / Amor é divino, sexo é animal / Amor é bossa nova, sexo é carnaval (…) / Amor sem sexo é amizade / Sexo sem amor é vontade…”

Amor e sexo, (Rita Lee, Roberto de Carvalho, Arnaldo Jabor), 2003

 

Chamo, agora, Guilherme de Carvalho para nos ajudar a entender esse cenário:

“A solução é tratar o próprio corpo como expressão apenas contingente do eu, desonrando-o. O corpo se torna objeto puro para uma vontade narcisista e arbitrária. Assim o indivíduo poderá dar livremente o seu corpo, sem entregar a sua alma juntamente com ele. Homens e mulheres podem oferecer seus corpos, instrumentalizá-los, e utilizá-los como quiserem; não há mais perversão sexual, pois não se pode julgar o caráter de alguém pela forma como ele faz sexo; pois o caráter do indivíduo – acredita-se – nada tem que ver com o seu uso do corpo. Enfim: o corpo não sou eu; o corpo é ‘meu’.”  (Guilherme de Carvalho).

 

Por outro lado, com outras lentes, o Guru Gikovati mostra-nos o desencanto deste novo modelo de “amor” para com o velho romântico: “Essa história da fusão dos dois num só, pregada pelo amor romântico, não tem mais chance, com o individualismo contemporâneo. Vamos ter que criar um novo modelo de romantismo, porque este que está aí não dá mais” (FAOUR, pág 445)

 

Nos próximos capítulos veremos os desafios de Vênus para convencer a gente de que o legal mesmo é instrumentalizar o corpo, chamar o corpo de meu e nunca de eu. Para descobrir os segredos de Vênus, convidei os próprios compositores e vocês vão se surpreender com as confissões dos nossos artistas.

 

Até breve…

4 Comentários

  1. Erick silva
    28 de janeiro de 2014

    Ansioso pelos próximos capítulos,se assim podemos chamar.

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  2. Ronaylson Fernandes
    28 de janeiro de 2014

    Mesmo sendo jovem e tão inexperiente fico muito admirado e feliz por ver pensadores como você Marcos Almeida. Continuarei a acompanhar as citações.

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  3. Lilian Martins
    29 de janeiro de 2014

    Ansiosa para conferir a continuação da matéria. Parabéns Marcos!

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  4. Andressa Fontinele
    30 de janeiro de 2014

    parabens pelo texto. Sao,de fato, reflexoes urgentes para todos nós, que necessariamente estamos inseridos nesse cultura de uso indiscriminado do corpo para o prazer sem responsabilidade ou limites.

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