A Alma Brasileira
Marcos Almeida para a Ultimato
Qual a origem? O que é que fica? O que é que muda? Boas perguntas para o tema da semana: identidade . De onde eu vim, o que é que ficou desde então e quais foram as mutações durante a jornada; identidade não é um patrimônio irretocável. Perde-se e ganha-se enquanto a gente se movimenta rumo a eternidade. Opa! Eternidade? Cabe dizer: alguns acreditam que o corpo é a pessoa. Morreu o corpo, acabou a pessoa. Como diz R.N. Champlin sobre o pós-morte, “poucos são tentados a chamar aos ossos ou às cinzas que sobraram de uma pessoa”. São raros, eu sei, mas fazem bastante barulho.
É certo que resistimos à morte física – eu acredito assim – e aquilo que Yohji Yamamoto e Ronaldo Fraga chamam de “a cidade dentro de si” continua brilhando mesmo depois do “único mal irremediável” (lembram de Chicó?). Eis aí um certeza para poetas, artistas e crentes: a alma. Então, qualquer conversa sobre identidade, coletiva ou individual, passa pela certeza de um corpo distinto e uma alma distinta que formam uma unidade perfeita.
A alimentação para o corpo quase não é mencionada nos meus textos. Poderia falar de banquetes e destilar o vocabulário para relatar os efeitos da boa alimentação sobre a vida intelectual, mas acabo me levando para os locais mais obscuros dos sujeitos que se fartam nos banquetes; a alma em primeiro plano, a subjetividade do sujeito. Existe um universo interior, uma consciência, um esquecer e um relembrar, uma memória que nos torna humanos e por isso nos faz pegar em garfos e facas, elaborar receitas, criar etiquetas e forros de mesa. Isso me interessa bastante.
No final: a glorificação, um corpo restaurado e a tão aguardada plenitude! Enquanto isso: somos presença temporária e individualidade contínua. O corpo há de se fragmentar e virar pó, mas a identidade pessoal será preservada, haverá lembrança, haverá duração, eternidade. É por isso que tudo aquilo que fazemos aqui reverbera para sempre, pois permanecemos. É por isso que não acreditamos no caos e na banalização do ser humano, é por isso que acreditamos em céu e inferno; só porque essa vida presente faz sentido e estabelece sentido. Um rumo para a alma, é isso que buscamos todos os dias e sem saber (ou com algum entendimento) experimentamos no Caminho.
Para os cristãos, identidade tem a ver com Cristo. Ele se fez homem para que pudéssemos participar da vida de Deus. Uma união mística que altera, ou melhor, restaura a verdadeira identidade perdida depois da Queda. Sim! Estar em Cristo é ser humano. Não existe alteração, mas completude. Estar em Cristo não é se tornar um anjo, é ter um modelo de humanidade possível, real e intensa: ser homem o bastante para morrer pelos amigos, ser homem o bastante para lavar os pés do traidor, ser homem o bastante para gastar a vida naquilo que dura para sempre. Considerar esse encontro com a pessoa de Cristo – nós e Ele – é verificar que não existe identidade fora da divindade; nós nos atamos Nele e não há espaço para autonomia. Ser um cristão brasileiro é viver sua brasilidade no Caminho, na Verdade e na Vida. Qual a origem? Nascemos de novo, Nele. O que é que fica? O velho homem lutando com o novo. O que é que muda? Tudo aquilo que o Espírito fizer morrer e tudo aquilo que Ele vivificar.
Na formação do nosso povo temos a seguinte sequência, generalista, mas que ajuda a explicar esse papo: vieram os português que encontraram os índios, pouco adiante traficaram escravos africanos para trabalhar nas lavouras e na extração de ouro, entre reis e imperadores passaram-se gerações, chega o fim da escravidão, início da imigração europeia pra plantar café e colonizar o sul. Português, Índio, Africano e Imigrante, os quatro pilares da nossa origem enquanto povo. No entanto, se considerarmos a realidade do encontro entre homem e Deus, falta-nos atualizar esse esquema.
O brasileiro que crê tem isso aqui dentro de si: Português, Índio, Africano, Imigrante e Jesus. Uma guerra interior começa a ser travada e ela fica mais estranha se considerarmos que Jesus é anterior a qualquer Português, Índio, Africano ou Imigrante, fazendo a gente considerar que esses povos que sustentam o nosso DNA também já haviam se encontrado com Ele e talvez o esquema mais verdadeiro venha a ser este: Jesus-Português, Jesus-Índio, Jesus-Africano, Jesus-Imigrante, Jesus-Brasileiro. Porque não somos os primeiros a crer. Porque Ele não se revelou somente pelo catolicismo ou protestantismo (fator Melquisedeque). Porque é preciso pensar agora que sempre existiu na história aqueles que levaram Jesus a sério e os que ignoraram tal encontro. Sempre existiram aqueles que se concentraram mais naquilo que vira cinza e pó do que naquilo que dura para sempre! Meu desejo é descobrir a brasilidade daqueles que sempre desejaram a eternidade! Eu quero a brasilidade daqueles que creram e por isso falaram, dançaram, pintaram e encantaram a vida do nosso povo. Haja alma! Aja!
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2 Comentários
Lucas Marcetti
13 de abril de 2012Olá Marcos! Quando li o quinto parágrafo, lembrei de uma citação que li no livro de Brennam Manning, ‘A Assinatura de Jesus’ na pg 12: “Deus me profere como uma palavra que contém um pensamento parcial dEle mesmo. A palavra nunca será capaz de compreender a voz que a profere. Mas se sou fiel ao conceito que Deus profere em mim, se sou fiel ao pensamento que Ele teve intenção de corporificar em mim, estarei cheio de sua realidade e O encontrarei em todo lugar de mim mesmo, e a mim mesmo em lugar nenhum. Estarei perdido nEle.” Thomas Merton.
Fiquei impressionado com o texto! Simples e riquissimo em conteúdo, ele nos faz refletir bastante! Muito bom! E desejo, com certeza, o mesmo que você:
“Meu desejo é descobrir a brasilidade daqueles que sempre desejaram a eternidade! Eu quero a brasilidade daqueles que creram e por isso falaram, dançaram, pintaram e encantaram a vida do nosso povo. Haja alma! Aja!”
Deus te abençoe!
Ana Maria
12 de maio de 2012Encantada com esse texto. “Eu quero a brasilidade daqueles que creram e por isso falaram, dançaram, pintaram e encantaram a vida do nosso povo. Haja alma! Aja!”