MÚSICA DE RAIZ

MÚSICA DE RAIZ

Postado por: em maio 18, 2012 | 25 comentários

 

Vou falar sobre a diferença entre “raiz cristã” e “raiz brasileira”. Dois pressupostos plantados na nossa cultura musical contemporânea –  verdadeiro campo sem fim.

 

Até antes do sítio Nossa Brasilidade ser aberto ao público e todo o conteúdo dele começar a ser levado a sério por alguns leitores mais desocupados, nas ruas e nos templos era assim que os cristãos e artistas brasileiros pensavam seu ofício, aqueles que assumiram uma posição de resistência diante do polêmico movimento gospel principalmente: Que beleza, por que a gente não faz uma arte cristã com raízes brasileiras? É hora de valorizar nossa terra! Vamos ficar importando fórmulas estéticas até quando? Esse imperialismo americano, inglês, australiano, anglo-saxônico, qual for,  não pode dominar nossa arte! Vamos fazer um novo cântico que se aproprie dos  ritmos nacionais! Uma hinologia com a cara do Brasil. Esse é um movimento forte representado por nomes como Gerson Borges, Stenio Marcius (inigualável) e Gladir Cabral (poeta de grande calibre).  A ideia de brasilidade era construída assim: o Brasil está aqui, a música cristã deste lado – importando fórmulas do mundo de lá, para acinzentar os cultos daqui – então vamos fechar o cerco, pegar o conteúdo evangélico e dar a ele forma e colorido nacional. Isso mesmo: uma música de adoração com raízes brasileiras. Brasil é a síncope, o lundú, o frevo, o samba, o forró e claro a bossa nova! Como meus amigos amam a bossa nova. Como os reformados, não carismáticos, amam João Gilberto e toda a construção identitária erguida sobre sua batida! Brasil está ali, o cristianismo cá, deixa eu pegar o Brasil e erguer uma adoração tupiniquim.

 

Ei! Sem guitarras, por favor! Gritam os mais puristas, pré-tropicalistas cristãos – esses que, se estivessem vivos à época, marchariam também contra a guitarra elétrica juntos com Gilberto Gil, Edu Lobo, Jair Rodrigues e Elis Regina, em 1967. Acreditem, ainda hoje, neste movimento que pensa a música de adoração com raízes brazucas, tem gente perguntando qual a brasilidade de uma guitarra Fender. Não me refiro aos mestres citados acima – dois deles conheço mais de perto e sei que não pensam assim. Isso é só um anacrônico parênteses…

 

Sérvulo Esmeraldo / Duas Árvores 1954

Pobres leitores que me aturam, tive a sorte de perceber uma controvérsia nisso tudo: se existe de fato uma música brasileira de adoração essa é a pentecostal e não existe outra! O que os meus amigos fazem é reutilizar estéticas já construídas pelo nosso povo sem que isso signifique em novo ritmo, novo gênero. Continua a se pensar em MPB, só que santificada e intelectualizada; o mesmo faz alguns ramos nacionalistas do gospel (sem a riqueza intelectual dos reformados, dizem os mais críticos), muda no fim das contas a grife e a poética, mas o projeto é o mesmo. Se alguém criou uma música evangélica brasileira, precisamos dizer quem foi: os pentecostais. Digo outra vez e ainda terei oportunidade para ir mais fundo, mas me interessa agora apenas isso: apontar para uma controvérsia e respeitosamente deixar opinião sobre tal quiproquó.

 

Aquele entediante debate; gospel, não gospel, secular e sagrado, anda desgastado e cheio de lero-lero. Pastores famosos – a princípio extremamente envolvidos com a música gospel – não aguentam mais os  shows com artistas dessa sigla. Renomados senhores da grife, cantores de grandes platéias, improvisam entre a solidão estrelar e a execução secreta de fêmeas no cio, aumentando a população de filhos bastardos por onde passam – machões da adoração. Maracutaia, falcatrua, perseguição, coronelismo religioso, misticismo e barulho, muito barulho abafado pela “fraqueza” da nossa religião: o perdão e a segunda chance. Isso faz dos que transitam neste mercado, homens céticos, embora complacentes, pragmáticos e sem poesia; pois já há muito tempo não vêm mais a pureza e a simplicidade de uma gente honesta que faz uma arte real. Isso faz, de outros, grandes adversários de tudo que se chama gospel, pois não acreditam que possa existir nesse movimento alguém que sobreviva como não deve ter em Brasília alguém que leve a sério a política…  Não é a toa que vemos a arte desses adversários fincados numa vontade de revidar, de expor a doença do outro, de atacar, de mostrar como se é mais santo e mais tolo.

 

Por isso parei de pensar com essas categorias ( gospel, secular ou adoração com raízes brasileiras)  para enfim pagar o preço de ser livre. Mas tem sido prazeroso! Uma aventura na velocidade do vento que Ele mesmo sopra.  Não sou ingênuo para desdenhar a necessidade dos nomes, dos batismos; toda distinção merece uma palavra. É bem verdade: a proposta desse ensaio desengonçado  carece de melhores verbos e adjetivos, mas a sintaxe taí. Estou falando de uma música brasileira de raízes cristãs. Isso é diferente de uma música cristã de raízes brasileiras. Estou falando de uma música de rua, de rádio, de boteco, de palco, de teatro, uma música de cinema e novela, música do povo, feita por ele, por isso brasileira. Uma arte tecida na Esperança. No viver real e diário de gente que conhece o Deus que intervém – que canta essa vida, do jeito que ela é; milagre, absurdo, dor e gozo.

 

Quem vai fazer essa música? Que brasilidade existe no viver cristão? Que viagem é essa? Ainda toco nesse assunto. Por enquanto faço apenas uma distinção; reconhecendo a nossa raiz.

 

Abraço demorado

Marcos Almeida

 

Fernando Lucchesi / Série Árvore da Vida - 1992

 

NINGUÉM

NINGUÉM

Postado por: em maio 11, 2012 | 15 comentários

 

Diabetes, cirrose, septicemia, câncer, ninguém escapa(1). O tempo é curto. Eles também não resistiram: Oswald de Andrade modernista dionisíaco, patriarca do Tropicalismo e Concretismo, Di Cavalcanti o Picasso brasileiro,

INTERPRETANDO O MOVIMENTO GOSPEL: a vida continua.

INTERPRETANDO O MOVIMENTO GOSPEL: a vida continua.

Postado por: em maio 4, 2012 | 20 comentários

Uma plataforma para a nova geração subir e fazer a história acontecer!

TRÊS LIVROS PARA LER ANTES DE MORRER

TRÊS LIVROS PARA LER ANTES DE MORRER

Postado por: em abr 27, 2012 | 17 comentários

para a Ultimato

 Quem não tem Jardim Zoológico pode ir ao sítio do vizinho do seu amigo. Ver os pavões, as araras, o cavalo velho de olhar sonso, o faisão de crista amarela, aquele tanto de galinhas tagarelas, os patos, o porquinho rosa, a tartaruga solitária em sua banheira azul da cor do céu… De noite, que maravilha é ficar quietinho, parado olhando para o céu! Além do inexplicável encanto das estrelas, brota na gente um sentimento de que a natureza discursa sobre as grandezas e pequenezas da vida; grande é o céu e o que há de ser o homem?

 

Quem mora sozinho numa ilha pode ligar sua TV via satélite e assistir as novelas, os seriados, filmes e jornais que quase sempre falam sobre quão idiota pode ser o homem e como a gente quase sempre não fala daquilo que realmente importa: a angústia da alma. O homem logo descobre que não  se parece com nada observável nos céus ou na terra; estrelas e tartarugas não servem para curar a tristeza crônica da gente. Daí escrevemos livros, gritamos no meio da ilha, cobrimos nossa vergonha com as folhas das figueiras da nossa própria autonomia. Dançamos loucos na areia da praia, rolamos nas dunas, batemos na pele do tambor, inventamos um remédio, mas o tédio nos aflige quase sempre, pois a nossa criação não serve para solucionar nada, apenas para expor a verdade: vivemos numa praia de nudismo e não tem ninguém em forma.

Quem anda entre animais e pessoas, não perde por esperar. Quando a vida se arrasta movida por um vento franco, soprado pelo lenga-lenga  da TV, entre o mistério do planeta e  pessoas esquisitas entrando na sua ilha, eis que surge o milagre! O sol redobra o calor, os céus estão sem nuvem, a poeira sobe em espiral numa velocidade assustadora formando um redemoinho, falando com a gente! Engraçado, a voz de dentro do redemoinho pergunta: ‘ei, onde você estava?’. Finalmente! Ele nos encontrou.

 

Você não deveria morrer agora

 

Querido leitor, você não deveria morrer agora.  Morrer antes de ler esses três livros que acabei de resenhar nos parágrafos acima seria uma grande tragédia. O primeiro se chama ‘A Natureza’ e pode ser encontrado inclusive nas piores livrarias da sua cidade. Cuidado: não fique procurando apenas nas folhas, árvores, riachos e animais, seus próprios olhos fazem parte de algo muito complexo chamado corpo humano, capítulo importante nessa aventura selvagem.

O segundo título foi editado no decorrer dos séculos com o seguinte letreiro estampado na capa: “A Cultura’. As benditas livrarias buscam exclusividade do material, mas esse precioso livro não cabe nas prateleiras convencionais. Um detalhe sobre ele: nunca fica pronto. “A Cultura” é uma grande história sem fim. Até quem nunca aprendeu as letras participa com belíssimas histórias, algumas delas são bastante conhecidas! Esse monumental registro da nossa capacidade criativa só não é mais exuberante que o terceiro livro.

“A Revelação” é o Criador tomando forma. É ao mesmo tempo a mais aguardada das publicações como também a inesperada obra que ao invés de ser lida, nos lê.  Ninguém poderia imaginar que “A Revelação” seria também o primeiro livro transformado em palavra escrita [muitos o chamam de Bíblia]. Por causa dele “A Cultura” veio a existir e “A Natureza” foi reconhecida pelo o que ela é: uma irmã do homem, não uma mãe doidona que fica assombrando o cara da ilha.  Um final antes do final surge revirando tudo de novo, uma última epifania, a mais suprema….  Sei que você já está aflito para começar a leitura dos três. Bem, eu espero que você leia até a derradeira página – se tiver tempo, é claro. Antes de pegar no sono. Antes da novela te fazer um legítimo e entediado bobo da corte. Antes de morrer. Antes do Final.

Marcos Almeida

 

[ Semanalmente escrevo para a  Ultimato Online . Uma coluna especial para um dos portais mais influentes do Brasil ]

 

 

A Umbanda Music e o Samba sem Farofa

A Umbanda Music e o Samba sem Farofa

Postado por: em abr 20, 2012 | 16 comentários

A música sacra afro-brasileira – utilizada especificamente nos cultos aos orixás – foi, no entendimento dos estudiosos do samba, a engrenagem desse estilo musical que ainda hoje é chamado de ‘o ritmo do Brasil’; esse som brasileiro tem na dança religiosa dos negros sua grande matriz. Bantos e iorubás (principais povos africanos trazidos para cá), de acordo com Reginaldo Prandi, só formaram de fato uma religião própria a partir da segunda metade do século XIX – nessa mesma época chegaram os primeiros missionários protestantes ao Brasil, quando também se organizou as igrejas históricas (congregacional, presbiteriana, metodista e batista). O Protestantismo Tupiniquim e o Candomblé, portanto, fazem aniversário no mesmo tempo. Lá se vão cento e sessenta anos!

Cena de Samba / Antonio Gomide

Muito tem sido investigado sobre a “contribuição evangélica à cultura brasileira”.Gedeon Alencar, cientista da religião e escritor, nos provocou recentemente a respeito desse tema. Logo que comecei a escrever sobre a nossa brasilidade, suas inquietações emergiram dessas águas misteriosas por onde navego enquanto descubro esse mar de informações. Para Alencar, o nosso protestantismo atual é “ambíguo, pluralista, intermediário, carnavalesco, sincrético… nem branco nem preto. Protestantismo Tupiniquim Mulato”. Mas, antes de se construir esse jeito evangélico, essa atitude antropofágica em relação a cultura, onde tudo que é mundano vira gospel, “lavando e santificando” os ritmos, esportes, tvs, rádios, cinemas e etc , antes disso, a classe média branca e católica deu uma outra resposta ao samba de terreiro logo no início de tudo; lá nos temos de Pixinguinha e Donga [frequentadores dos terreiros], nesse tempo, já existia Noel Rosa, Braguinha e Almirante com um projeto: fazer um samba sem farofá.

 

 

A filha carioca do Candomblé – a Umbanda – e também o samba, surgem quase que ao mesmo tempo, “nos anos 20 e 30 do século passado, ambos frutos do mesmo processo de valorização da mestiçagem que caracterizou aqueles anos e de construção de uma identidade mestiça para o Brasil” (Prandi) . Esse mesmo autor aqui citado catalogou e publicou 761 letras da MPB com referência a orixás e outros elementos das religiões afro-brasileiras. Entre o nascimento do samba e os dias de hoje (passe o olho na nova geração da chamada música popular) existe uma grande quantidade de termos explícitos da confissão mística do candomblé, o que chamo em contraste ao gospel brasileiro de umbanda music. Vinícius de Morais, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Clara Nunes, Ivete Sangalo, Jorge Ben Jor, Lenine, Céu, Maria Betânia, Elis Regina, Ivan Lins, Maria Gadú, Seu Jorge, Roberta Sá, para não falar dos sambistas Martinho da Vila, Arlindo Cruz e Lecy Brandão, artistas da música erudita como Villa Lobos, Carlos Alberto Pinto da Fonseca, todos eles e muitos outros do rock nacional também se renderam à uma confissão religiosa, a saber a Umbanda e o Candomblé. Não é a toa que acho muito estranho chamarmos somente a música de confissão cristã de religiosa… Não é a toa que acho esquisito chamarmos uma confissão específica [a que exalta o panteão afro] de tipicamente brasileira e a outra de “gospel”, uma coisa a parte… Você não acha?

Noel Rosa

Mas, como já disse anteriormente, lá no início já havia gente que não se sentia a vontade com a temática ou a visão de mundo da umbanda music e nem por isso foram lançados para fora da cultura, criando um segmento ‘confessional’ por não reproduzirem o canto dos terreiros. Em algum momento de suas carreiras, estes artistas cantaram outro universo diferente daquele cantado pela grande maioria da MPB. Entre eles podemos citar, além de Noel Rosa, Braguinha e Almirante, o nosso sambista realista Nelson do Cavaquinho, Tom Jobim, Milton Nascimento e a turma do Clube da Esquina, Los Hermanos, Legião Urbana e o mais famoso deles, Roberto Carlos. Se o pesquisador Reginaldo Prandi se utilizou de recursos públicos e de uma equipe de colaboradores para fazer uma lista de composições com referencias à poesia afro, por que não fazer o mesmo investigando a marca cristã dentro da música popular brasileira? Estou convencido de que a turma que gasta tempo criticando a própria família da fé daria contribuição mais digna ao Reino empenhando forças nesta direção, no mínimo a nossa cultura seria mais enriquecida com trabalho tão importante. Certamente vamos encontrar muitos e geniais artistas como o grande cantador Elomar cujo lema é “servir a Deus e cantar o sertão”. E o caso do Noel? Ouça aí: “A vila tem um feitiço sem farofa/ Sem vela e sem vintém/Que nos faz bem”.

Em Janeiro deste ano, a presidente (a) Dilma sancionou uma lei que altera a famosa Lei Rouanet para estender benefícios da renúncia fiscal à música religiosa, o texto diz: “Para os efeitos desta Lei, ficam reconhecidos como manifestação cultural a música gospel e os eventos a ela relacionados, exceto aqueles promovidos por igrejas.” Isso já é uma avanço no sentido de atualizar o discurso da nossa identidade brasileira – algo parecido com o que foi feito no início do século passado com relação a mestiçagem e ao negro – pois seria absurdo ignorar a força da música evangélica. Não interessa aqui o esforço político envolvido nessa mudança. No entanto, algo além disso está claro para mim: a nova geração, naturalmente vai construir uma nova música brasileira tendo uma outra matriz para a sua confecção, que não é a umbanda music, nem o pessimismo filosófico do rock oitentista, mas a herança cristã que o jovem e contraditório movimento gospel divulgou e em muitos casos renegou. Não precisa acender sua vela. Essa música já está ai!

 

 

[ Esse texto você encontra também na Ultimato Online. Toda sexta-feira uma coluna especial para o portal da revista cristã mais influente do Brasil]