18 de Janeiro / Ferreira Gullar
Dezoito
Sempre fiquei meio grilado com o jeito amargo dos poemas de Gullar. Mas, me parece que se olharmos para dentro do seu texto com olhar mais atento, vamos encontrar aquele esperancês que todo poeta tem que usar para sobreviver à angustia, dentro desse triste exercício da narração, do sentir o mundo com as entranhas.
Aqui vai um poema de “Dentro da Noite Veloz”, seu mais festejado livro até hoje. Onde a velocidade e ferocidade do seu cotidiano transpareceu em letras que revelam uma época para muitos maldita; a ditadura militar.
Agosto 1964
Entre lojas de flores e de sapatos, bares,
mercados, butiques,
viajo
num ônibus Estrada de Ferro-Leblon.
Volto do trabalho, a noite em meio,
fatigado de mentiras.
O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,
relógio de lilases, concretismo,
neoconcretismo, ficções da juventude, adeus,
que a vida
eu a compro à vista aos donos do mundo.
Ao peso dos impostos, o verso sufoca,
a poesia agora responde a inquérito policial-militar.
Digo adeus à ilusão
mas não ao mundo. Mas não à vida,
meu reduto e meu reino.
Do salário injusto,
da punição injusta,
da humilhação, da tortura,
do terror,
retiramos algo e com ele construímos um artefato
um poema
uma bandeira
(Agosto 1964 – Ferreira Gullar)
2 Comentários
Igor José
18 de janeiro de 2012Só para confirmar minha leitura de hj.
Deus abençoe vc Marcos.
nossabrasilidade » Literatura Brasileira
10 de junho de 2012[…] – Ferreira Gullar […]