13 de Fevereiro / O Evangeliquês e o Português do Brasil: uma tradução possível.

Postado por: em fev 13, 2012 | 5 Comentários

Quarenta e dois 

 

Graça e paz, tá amarrado, no óleo, fogo, na benção, xurias, unção, levita, Jesus Cristo tem poder, ministério de tempo integral, varão, misericórdia, vitória, promessas, manto, cajado, atribulado, reino, aleluia irmão (!), sapatinho de fogo, amado, amada, querido, querida, reconciliação,filho, filha, amor, força, cruz, vaso, gazofilácio , labasurianderá, glórias, shuu, ooww, uuuuhh, queima ele

 

A variação linguística encontrada dentro das igrejas evangélicas atende às necessidades de comunicação específicas da comunidade protestante tupiniquim. Talvez o que você acabou de ler soe como uma língua estranha demais, por se tratar de realidades não experimentadas na sua existência, isso quer dizer que soar estranho nem sempre está relacionado ao vocabulário  ou ao sotaque apenas, mas à origem, à necessidade e à experiência daquele que se utiliza da língua. Uma coisa sabemos, embora seja uma variação social do português, restrita a esse grupo, não deixamos de incluir essas expressões dentro do português brasileiro – elas fazem parte da nossa língua. Mas, seria possível falar em português-comum o que essa variação evangélica tão especificamente verbalizou? Esse é o nosso assunto de hoje.

 

Alguns já apelidaram o pequeno léxico evangélico de evangeliquês.  Mas, o que importa  neste momento é frisar que existe sim um pequeno vocabulário dentro do português brasileiro que atende prioritariamente à comunidade evangélica. Em segundo lugar é preciso discutir a possibilidade de tradução. Terceiro: para quê traduzir? Quarto: quem vai ser o tradutor?

 

Vamos direto ao segundo ponto porque o primeiro já está claro. Imagine; é bem provável que o sujeito que comeu macaxeira frita jamais saberá o que é aipim frito se alguém não o informar que aquela raiz é a mesma Manihot utilissima batizada com nome diferente. O sabor está na sua memória alimentar embora lhe falte qualquer necessidade de inventar novo nome para o sensacional tira-gosto. Pra que, gente? Macaxeira frita é o melhor nome que o sujeito encontrou, principalmente se ele for pernambucano! O mesmo vale para a pessoa que cresceu ouvindo que Manihot utilissima é aipim (caso dos capixabas). No entanto, não sei se você percebeu, se trata da mesma raiz, do mesmo prato, da mesma fritura. Existe o fenômeno  igual com nome diferente. Eis aí a possibilidade da tradução: o fenômeno, a coisa, o objeto, a pessoa, a experiência comum!

Além disso, acreditar que o evangeliquês é superior ao português para expressar a espiritualidade do brasileiro é preconceito. Sim, preconceito diante da história da nossa língua comum e das outras variações linguísticas que nós temos. É acreditar que  a língua do outro tem alguma deficiência, é viver pensando que as especificidades da nossa cultura não encontrará de forma alguma um vocabulário equivalente em outra tribo. Também implica em colocar a experiência  comum da espitirualidade dentro das fronteiras do nosso gueto.

 

Agora, para que traduzir? Quando um alemão deseja se comunicar com um brasileiro, porque tem  vontade de ouvir sobre o samba ou porque necessita filosofar, eles precisam escolher uma língua. Se de fato existe um desejo do crente evangélico se comunicar com as outras tribos da república é preciso encontrar um léxico comum e por que não o português comum? Por que não cantar música evangélica em português?  Tradução só faz sentido para quem deseja aproximação, encontro e diálogo. Aquilo que lemos no início desse texto pode soar Deutsch para muitos brasileiros, mas, também sabemos que o nosso país mestiço, sincrético e híbrido é caso único no planeta, sem exagero, poderíamos chamá-lo de País do Encontro.  Essa tradução, portanto, é possível justamente porque estamos no Brasil!

 

Quem será o tradutor?

 

A gente continua amanhã.

Marcos Almeida

5 Comentários

  1. Juliana Rodrigues
    13 de fevereiro de 2012

    Como não me lembrar, com alegria, da canção “Farinha” do Djavan, já ouviu?

    A farinha é feita de uma planta da família das
    euforbiáceas, euforbiáceas
    de nome manihot utilissima que um tio meu apelidou de macaxeira
    e foi aí que todo mundo achou melhor!…
    a farinha tá no sangue do nordestino
    eu já sei desde menino o que ela pode dar
    e tem da grossa, tem da fina se não tem da quebradinha
    vou na vizinha pegar pra fazer pirão ou mingau
    farinha com feijão é animal!
    o cabra que não tem eira nem beira
    lá no fundo do quintal tem um pé de macaxeira
    a macaxeira é popular é macaxeira pr`ali, macaxeira pra cá
    e em tudo que é farinhada a macaxeira tá
    você não sabe o que é farinha boa
    Farinha é a que a mãe me manda lá de Alagoas

    (Farinha – Djavan)

    É isso aí! Mais um post ótimo!

    Aguardando a continuação!

    Paz!
    Juliana Rodrigues

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  2. Cláudia
    13 de fevereiro de 2012

    “Por que não cantar música evangélica em português? Tradução só faz sentido para quem deseja aproximação, encontro e diálogo”. Assino embaixo.

    Já não bastasse a etiqueta gospel que separa os santos dos reles mortais – etiqueta que serve apenas para dizer “corre igreja, que se é gospel, pode!” – e ainda tem o evangeliquês… Fica a dica: tente ser cristão falando apenas a língua portuguesa e veja se você realmente faz diferença. Ao invés de dizer “Isso é uma benção de Deus para a sua vida, meu irmão” para seu amigo que tem aversão à igreja, diga: Isso é um verdadeiro presente de Deus pra ti, meu amigo. Muito bom o texto.

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  3. Claudia
    14 de fevereiro de 2012

    Achei fantástica a maneira que você colocou essa questão, e a sua sensibilidade aos problemas da igreja. Eu sou cristã, apaixonada por Jesus, já fui evangélica praticante faladora de evangeliquês e olhando pra trás, vejo que fui uma fundamentalista religiosa por muito tempo, mas hoje, não mais, graças a Deus! O que me chamou muito a atenção foi você sugerir que os crentes na verdade não querem se comunicar… Com experiência no assunto, concordo em gênero, número e grau, os crentes não querem se comunicar, mas despejar em quem estiver na frente um discurso que em 90% das vezes está longe da prática, e querem também viver num mundinho a parte, num clubinho evangélico que dá segurança e sensação de pertencer a algo maior, mas em muitas vezes a finalidade de amor ao próximo e de comunidade que Jesus ensinou já se perdeu em métodos, doutrinas e religiosidade vazia….

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  4. Nill Freire
    14 de fevereiro de 2012

    Até agora acho interessante o seu texto, espero que continue.

    Abraço!

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  5. Henrique Figueira
    15 de fevereiro de 2012

    acho perfeitamente correto a tua interpretação dos fatos, realmente é isso que acontece. Devemos por meio do português, evangelizar aqueles que necessitam do amor do Cristo Salvador, muitas vezes ateus não entendem expressões que está presente no envangeliques, e muitas vezes não entendem a própria palavra de Deus,
    basta à nós sermos canais corretos, e ter amor e misericórdia por aqueles que tem duvidas! (Judas v.23)

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