Qual a marca dos cristãos dentro da história da arte no Brasil?
Quarenta e três
Fernando, leitor do Blog, enviou ontem a tarde um comentário muito oportuno sobre o post ópera Magdalena de Villa Lobos:
Semana de Arte Moderna, foi o grande evento que marcou a história da Arte no Brasil.
E no cristianismo, qual seria o grande evento que marcou a história do cristianismo no Brasil?
A primeira consideração que faço é esta: o seu comentário fala de duas histórias neste nosso horizonte temporal, aqui nas fronteiras do Brasil. História da Arte e História do Cristianismo. A Arte é um aspecto da realidade cujo núcleo de sentido é a Estética (norma da alusividade) e Cristianismo pertence à esfera Pística (norma da fé). Sabendo disso, seria inconsistente qualquer história que não diferencia as particularidades dessas modalidades que experimentamos no dia a dia – de forma inteira. O que podemos perguntar, sem achatar as estruturas soberanas de cada esfera, é o seguinte: qual a marca dos cristãos dentro da história da arte no Brasil?
Se você ler com carinho este Blog vai ver que tento responder essa pergunta diariamente. Provocando os visitantes, ensaiando opiniões e dando vários exemplos de autores e músicos que imbuíram na cultura marcas da sua criatividade sem perder a fé, nem a Esperança, nem o amor. Aproveito a deixa, Fernando, e compartilho outro grande nome do modernismo brasileiro, pertencente ao grupo Festa. Mário de Andrade fez o seguinte comentário a respeito dele:
Eu não sei nem me interessa saber a posição que assumirá futuramente na poesia contemporânea do Brasil, o canto claro e belo do poeta de O canto absoluto. Sei que, no momento, representa um fantasma quase insuportável, apavorando, castigando a maioria de nossas consciências individuais.
Seu misticismo incomoda muito poeta de grande porte até hoje!
O texto a seguir cita outros companheiros desse movimento que desejava mais que estética, queria o total e quem deseja o total não pode abrir mão da Fé. Aproveite a folia, Fernando! Tasso da Silveira de volta ao Nossa Brasilidade:
02 de Fevereiro / Tasso da Silveira
Trinta e três
A chamada ala espiritualista do modernismo é composta de nomes como Cecília Meirelles, Murilo Mendes, Tristão de Ataíde, entre outros que valorizavam a religiosidade dos poetas. Mas nessa hora, vamos receber no nosso sítio Tasso da Silveira – nome muito respeitado dentro dessa ala.
Ele acabou entrando nos noticiários do último ano de forma indireta, por causa da catástrofe de realengo. A escola municipal que recebeu aquele psicopata, para inimaginável crueldade, é batizada com seu nome; Tasso da Silveira.
Diante das catástrofes qualquer poesia se torna palavra oca. O excesso de realidade absurda, o terror descabido, toda essa loucura, extrapola as tentativas de representação. Fazer poesia depois daquele dia é ainda mais absurdo!
Sim. Porque fica claro a diferença da religiosidade do louco-terrorista e do poeta-espiritualista: para o louco a religião é morte, é guerra, para o poeta é a vida transbordando pois se encontrou com a Esperança! Essa que não nos entorpece para a realidade, mas, pelo contrário, faz em nós lucidez e ajusta em nós o rumo.
Vamos ouvir o poeta em dois trechos preciosos:
Da minha vida ao fim da caminhada
vejo-me agora numa selva escura,
não como a do Alighieri dominada
pelas três feras da hórrida aventura:
uma selva que, embora de amargura,
é por sinais de Deus iluminada:
há brancos trêmulos na altura,
leva-me pela mão a muito amada.
A infinita esperança deste instante
(Senhor, Senhor! Bem sei que nunca pude
fazer da clara estrada a via eterna),
é que para o meu passo vacilante,
esta selva de aspecto triste e rude
seja o caminho da Mansão Paterna.
(Soneto 6, Regresso à origem– Tasso da Silveira)
*
Nós temos uma visão clara desta hora.
Sabemos que é de tumulto e de incerteza.
E de confusão de valores.
E de vitória do arrivismo.
E de graves ameaças para o homem.
Mas sabemos, também, que não é esta a primeira
hora de agonia e inquietude que a humanidade vive.
(…)
A arte é sempre a primeira que fala para anunciar
o que virá.
E a arte deste momento é um canto de alegria,
uma reiniciação na esperança,
uma promessa de esplendor.
Passou o profundo desconsolo romântico.
Passou o estéril ceticismo parnasiano.
Passou a angústia das incertezas simbolistas.
O artista canta agora a realidade total:
a do corpo e a do espírito,
a da natureza e a do sonho,
a do homem e a de Deus,
canta-a, porém, porque a percebe e compreende
em toda a sua múltipla beleza,
em sua profundidade e infinitude.
E por isto o seu canto
é feito de inteligência e de instinto
(porque também deve ser total)
e é feito de ritmos livres
elásticos e ágeis como músculos de atletas
velozes e altos como sutilíssimos pensamentos
e sobretudo palpitantes
do triunfo interior
que nasce das adivinhações maravilhosas…
O artista voltou a ter os olhos adolescentes
e encantou-se novamente com a Vida:
todos os homens o acompanharão!
(Intróito- Definição do Modernismo Brasileiro, 1932 -Tasso da Silveira)