Eu e as flores (Nelson e Jair Cavaquinho)

Postado por: em set 25, 2014 | 5 comentários

Apresentamos aqui muito mais que canções populares. Nós estamos construindo um novo olhar sobre elas. Não é tanto o que olhar, mas como olhar. Insisti diversas vezes que na cultura pop, de qualquer povo, existe aquilo que chamamos de porosidade religiosa; quando expressões de espiritualidade transpiram nas confissões dos nossos artistas.

Certamente, podemos olhar uma mesma obra a partir de diversas entradas; nesta que ouviremos agora, temos pelo menos 3 aspectos muito interessantes: a chegada da Primavera com as flores, a impermanência da vida humana e o vértice poético no final, verticalizando a canção, transformando o samba em um hino ao Criador.

Com vocês, de uma pareceria com Jair do Cavaquinho, “Eu e as Flores” por ele; amigo de longa data, Nelson do Cavaquinho.

 

 

Eu e as Flores

(Nelson e Jair Cavaquinho)

Quando eu passo
Perto das flores
Quase elas dizem assim:
Vai que amanhã enfeitaremos o seu fim.
A nossa vida é tão curta
Estamos nesse mundo de passagem
Ó meu grande Deus, nosso Criador
A minha vida pertence ao Senhor.

Jorge Ben  quer salvar velhos, flores, criancinhas e cachorros

Jorge Ben quer salvar velhos, flores, criancinhas e cachorros

Postado por: em jul 9, 2014 | 11 comentários

Quando a mística de Jorge Ben se chocou com o cotidiano.

 

A série “símbolos da espiritualidade na MPB” é retomada para apresentar uma canção do hit maker Jorge Ben Jor. Se você chegou agora, precisa saber que há alguns meses falamos das cem canções presentes na famosa lista que a revista Rolling Stone fez em 2007; a lista dos 100 maiores discos da música brasileira. Esses discos foram sistematicamente catalogados pela pesquisadora, socióloga e mestranda em ciências sociais, Sarah Ferreira de Toledo, a pedido do Nossa Brasilidade. Levou-se em conta as palavras de vocabulário religioso ou espiritual. De certa forma, com essa série, estamos apresentando uma outra forma de ler a nossa música brasileira. Estamos mostrando um repertório que toca a transcendência, que é religioso no seu linguajar, mas que não é litúrgico, portanto, não atende demandas eclesiásticas. Uma canção que confessa a fé, mas que não toca nos cultos;  é dos palcos e das ruas.

Hoje, trouxe uma que está presente em outras listas, mas o que importa é que cabe perfeitamente na série “símbolos da espiritualidade na MPB”. Apreciem a oração de Jorge Ben que vai da invocação do Deus todo poderoso lá no céu (só no céu?) ao cotidiano inevitável onde estão velhos e flores. Seria possível um encontro entre o infinito e o temporal? Qual a relação entre a eternidade, a luz, as criancinhas e os cachorros?

 

Velhos, flores, criancinhas e cachorros   
De: Jorge Ben Jor

Intérprete: Jorge Ben Jor

Disco: Solta o pavão
Gravadora: Universal Music

Ano: 1975

Deus todo poderoso eterno pai da luz, da luz
De onde provem todos bens e todos dons perfeitos
Imploro vossa misericórdia infinita, infinita
Deixai-me conhecer um pouco de vossa sabedoria eterna
Aquela que circunda o vosso nome
Que criou e fez que tudo faz e conversa tudo
Fazei-me digno enviando do céu prá mim prá mim
Imploro por vós e por Jesus Cristo, por Jesus Cristo
A pedra celestial angular miraculosa, miraculosa
Estabelecida por toda a eternidade
Maravilhosa, maravilhosa
Que comanda e reina convosco
Que comanda e reina convosco
Meu Deus todo poderoso
Meu Deus todo poderoso
Mas eu preciso salvar os velhos, eu preciso salvar as flores
Eu preciso salvar as criancinhas e os cachorros.

Quatro vezes Eros

Postado por: em fev 6, 2014 | 1 comentário

 

A dor de cotovelo, a idealização do amor sem pecado e sem juízo, o Agape refletido em Eros e Eros tentando ser Agape. É muito amor!

 

Antes de apresentar minhas conclusões sobre o assunto, gosto de lembrar uma imagem que Guilherme de Carvalho exibiu na conferência L’Abri 2013 – quando fui convidado para compartilhar essa série. Ele chamou Vênus de terra, Eros de planta e Agape de Sol. Usou um exemplo simples da natureza para mostrar que se a planta fica sem o sol ela definha aos pouco e vai desfalecendo, morrendo. Eros sem sol morre e se mistura na terra – resta apenas terra. Quando o assunto é Amor, tudo começa a se desestruturar quando abrimos mão de Agape. Daí que Eros perde a força e tudo que sobra é o solo de Vênus.

Vejam agora os quatro tipos de Eros que identifiquei no nosso repertório popular, com alguns poucos exemplos, pra não tomar o tempo de vocês. Existem muitos outros na MPB – faço apenas uma amostragem. Vejam.

1. Eros maltratado (dor de cotovelo)

 

Quem te vê passar assim por mim

Não sabe o que é sofrer.

Ter que ver você assim sempre tão linda.

Contemplar o sol do teu olhar, perder você no ar

Na certeza de um amor

me achar um nada,

Pois sem ter teu carinho

eu me sinto sozinho

eu me afogo em solidão…

 

Oh Anna Julia

 

Nunca acreditei na ilusão de ter você pra mim.

Me atormenta a previsão do nosso destino.

Eu passando o dia a te esperar,

você sem me notar.

Quando tudo tiver fim, você vai estar com um cara,

Um alguém sem carinho.

Será sempre um espinho

dentro do meu coração.

 

Oh Anna Julia

 

Sei que você já não quer o meu amor,

Sei que você já não gosta de mim,

Eu sei que eu não sou quem você sempre sonhou,

Mas vou reconquistar o seu amor todo pra mim.

 

Anna Júlia  (Los Hermanos), 1999

 

2. Eros idealizado

Tem um ditado húngaro que diz assim: “Adão comeu a maça de Eva e nós é que, ainda hoje, estamos com dor de barriga” . E se a gente pudesse voltar antes da Queda. Como seria? Baby e Pepeu respondem.

 

 Dia após dia começo a encontrar /Mais de mil maneiras de amar

Aqui nessa cidade / O pôr do sol e a paisagem

 

Vem beijar luar

Doar felicidade

 

Tudo azul

Adão e eva

E o paraíso

 

Tudo azul

Sem pecado

E sem juízo

 

Tudo azul

Adão e eva

E o paraíso

 

Tudo azul

Sem pecado

E sem juízo

 

E todo dia livre

Dois passarinhos

Cantar

 

Pra esse amor

Super star

Sempre com

 

Tudo azul

Adão e eva

E o paraíso

 

Tudo azul

Sem pecado

E sem juízo

 

E todo dia livre

Dois passarinhos

Cantar

 

Pra esse amor

Super star

Sempre feliz

 

 

 

Sem pecado/Sem Juízo Tudo Azul (Baby do Brasil / Pepeu Gomes )

 3. Eros tentando ser Agape [o Amor que redime]. Ou Eros antecipando Agape, ou Eros dizendo que pode fazer aquilo que é coisa de Agape.

 

 Que falta eu sinto de um bem

Que falta me faz um xodó

Mas como eu não tenho ninguém

Eu levo a vida assim tão só

Eu só quero um amor

Que acabe o meu sofrer

Um xodó prá mim do meu jeito assim

Que alegre o meu viver

 

Eu só Quero um Xodó (Dominguinhos)

 

Ouvi dizer que são milagres

Noites com sol

Mas hoje eu sei não são miragens

Noites com sol

Posso entender o que diz a rosa

Ao rouxinol

Peço um amor que me conceda

Noites com sol

 

Onde só tem o breu

Vem me trazer o sol

Vem me trazer amor

Pode abrir a janela

Noites com sol e neblina

Deixa rolar nas retinas

Deixa entrar o sol

 

Livre será se não te prendem

Constelações

Então verás que não se vendem

Ilusões

Vem que eu estou tão só

Vamos fazer amor

Vem me trazer o sol

Vem me livrar do abandono

Meu coração não tem dono

Vem me aquecer nesse outono

Deixa o sol entrar

 

Pode abrir a janela

Noites com sol são mais belas

Certas canções são eternas

Deixa o sol entrar

 Noites com Sol (Flávio Venturini/ Ronaldo Bastos)

 

4. Eros refletindo Agape [ espiritualidade]

 

 Não se assuste pessoa

Se eu lhe disser que a vida é boa

Não se assuste pessoa

Se eu lhe disser que a vida é boa

Enquanto eles se batem dê um rolê

E você vai ouvir

Apenas quem já dizia

Eu não tenho nada

Antes de você ser

Eu sou, eu sou, eu sou

Eu sou amor da cabeça aos pés

Eu sou, eu sou

Eu sou amor da cabeça aos pés

E só to beijando o rosto de quem dá valor

Pra quem vale mais um gosto do que cem mil réis

Eu sou, eu sou

Eu sou amor da cabeça aos pés

Eu sou, eu sou

Eu sou amor da cabeça aos pés.

 

Dê um Rolê (Moraes Moreira e Galvão)

 

Algumas décadas atrás, um sambista carioca chamado Nelson Cavaquinho cantou assim:

 

 O sol há de brilhar mais uma vez

A luz há de chegar aos corações

Do mal será queimada a semente

O amor será eterno novamente

É o Juízo Final, a história do bem e do mal

Quero ter olhos pra ver, a maldade desaparecer

Juízo Final – Nelson Cavaquinho

Na terça que vem quero apresentar algumas ideias finais sobre essa pequena série. Nos vemos!

Até lá.

“Chorou, Chorou” e “Pelo amor de Deus” – João Donato & Milton Nascimento

“Chorou, Chorou” e “Pelo amor de Deus” – João Donato & Milton Nascimento

Postado por: em out 20, 2013 | 1 comentário

É possível perceber o sagrado dentro das tensões do cotidiano? João Donato e Milton Nascimento, em duas canções, dizem sim.

 

 

Tenho perguntado aqui se existe alguma expressão de espiritualidade na música popular brasileira ou se essas expressões estão confinadas ao canto litúrgico das religiões.

SOBRE COMO OUVIR MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

Postado por: em abr 16, 2013 | 23 comentários

Quando Milton Hatoum disse para José Castello, “materialmente, não quero muito, espiritualmente, quero tudo”, estava confessando o desejo de muitos artistas; a transcendência. Só a literatura contemporânea interessada na superfície da realidade, no papo chatíssimo da desconstrução autoral, num tipo não-conceitual de arte sem artista, tem deixando escapar outros objetivos. Talvez o próprio desaparecimento da literatura. Um tipo de vingança inconsciente desses novos escritores sem fogo, nem brasa.

 

Mas, o ponto de apoio daquilo que convencionamos chamar de cultura sempre foi uma sensibilidade espiritual que orienta e direciona a criação artística. Pensando agora na música brasileira,