MPB é de Eros.

Postado por: em fev 3, 2014 | 6 comentários

 

Sensibilidade, doces palavras, interesse na pessoa, não só no corpo; bem vindos ao amor à moda antiga.

 

É bom lembrar quem é Eros. Eros tem sido caluniado, chamado de careta, de piegas e retrógado. Porque ele significa o amor romântico, o sonho da ‘alma gêmea’, é a simbiose, é o sofrimento por amor, é a dor do apego. É a maneira empolada de falar, jamais usa palavras obscenas e pornográficas. É aquele lugar comum da linguagem romântica, vocabulário batido, é o coração, é a trilha sonora de quem quer levar a amada até o altar, é o pra sempre – é o brega!

 

VAMOS AO REPERTÓRIO DE EROS

 

Mundo moderno, alguém me dizia /’Todo mundo come todo mundo’, / Mas eu tô querendo / Querendo trabalhar meu lado sensibilidade /Agora eu quero só você /Pra gostar de verdade

 

– O Novo Namorado (Flávio Basso), 1997

 

Mentira dizer que é só transar / Eu sou mais real com seu calor / Os sonhos de quem ama não cabem só na cama / Ninguém transa só por transar

                                                                        Transas de Amor (Antônio Cícero e Marina Lima), 1979

 

Canção meio controversa na história dos irmãos Antônio e Marina, justamente porque eles sempre foram mais de Vênus que de Eros; essa letra aí seria um deslize na carreira deles.

Talvez foi pensando nesse amor menos animal, mais complexo que hormônios e estímulos, estendido para além do leito, que o escritor americano William Tucker disse:

“é a repressão sexual que nos torna humanos”

O professor Guilherme de Carvalho, mais uma vez, nos ajuda a clarear esse raciocínio:

as pessoas estão no universo do ‘tu’, e não do ‘isso’. Usamos o ‘isso’ para falar dos mundos dos objetos, e o ‘tu’ para o mundo dos sujeitos. E a forma de conhecer cada universo é diferente; o ‘isso’ é conhecido pelo uso; mas o ‘tu’ é conhecido pela comunhão”. (Guilherme de Carvalho)

 

Entende por que dizemos:  “Eros está mais próximo da comunhão e Vênus do uso“?

 

Um amigo mais velho e sabido nesses assuntos, me lembrou que todos nós, brasileiros religiosos, evangélicos ou católicos, quando pensamos em sexualidade, gozo, prazer, desejo e amor erótico, utilizamos um tipo de programa pirata, um programa mental pirata, corrompido. Não é só o falso pudor que surge como vírus infeliz desse programa pirata; toda nossa visão a respeito do amor e do sexo fica estragada se não limparmos a cabeça e eliminarmos esse programa. (Espero que esses artigos ajudem em alguma coisa nesse sentido). Mas, se você se esforçar um pouco vai entender que Eros é tipo isso: quando vejo a mulher que amo, sou despertado no meu corpo para ver a sua pessoa. Eros é intencionalidade interpessoal. É a paixão que passa pela face – e a face é a expressão primária da consciência, de pessoalidade.

 

Eu vi quando você me viu

Seus olhos pousaram nos meus

Num arrepio sutil

Eu vi… pois é, eu reparei

Você me tirou pra dançar

Sem nunca sair do lugar

Sem tirar os pés do chão

Sem música pra acompanhar

Foi só por um segundo

Todo o tempo do mundo

E o mundo todo se perdeu

Eu vi quando você me viu

Seus olhos buscaram nos meus

O mesmo pecado febril

Eu vi… pois é, eu reparei

Você me tirou todo o ar

Pra que eu pudesse respirar

Eu sei que ninguém percebeu

Foi só você e eu

Foi só por um segundo

Todo o tempo do mundo

E o mundo todo se perdeu

Foi só por um segundo

Todo o tempo do mundo

E o mundo todo se perdeu

Ficou só você e eu

Quando você me viu…

 

– Cupido CD  “MARIA RITA”  –  Setembro de 2003

(Claudio Lins)

 

Na quinta-feira que vem, vamos ver outros exemplos de paixão romântica no repertório popular , quando vou tentar propor algumas conclusões. Se preparem para a dor de cotovelo (Eros maltratado) e um outro tipo muito especial que é Eros tentando ser Agápe, Eros antecipando Agápe, ou Eros dizendo que pode fazer aquilo que só Agápe pode fazer.

 

Até lá.

 

Baixaria, Música & Romance – a MPB entre dois amores rivais.

Postado por: em jan 24, 2014 | 5 comentários

Quando a gente canta sobre o amor, de quem estamos falando?

 

A MPB vive, hoje, entre dois amores. Tempos atrás era mais caída por Eros, agora parece ser Vênus quem quer usar o pobre coração da nossa música popular. Mas, quem é Vênus? Vênus não é namoro, não é noivado, nem casamento, ela não quer a posse do outro. É apenas ficar, sem culpas. É o tesão, é o uso, é o provar, é a vontade, é a sacanagem e a sensualidade. É contra o sonho da ‘alma gêmea’, detesta os moralistas, Vênus é inimiga do ideal romântico, de qualquer  sofrimento por amor, de qualquer tipo de dor de cotovelo, é o elogio ao desapego.Vênus não deseja uma pessoa, ela quer o puro prazer. Vênus não deseja uma pessoa, ela quer o corpo. Vênus é sexo. Vênus é liberdade. Essa é a ideia progressista de um tipo de felicidade que se pode dar a si mesmo em tempos hipermodernos.

O escritor Guilherme de Carvalho chama isso de “instrumentalizar o corpo sexual para aumentar a liberdade de escolha”. Como ele já escreveu, “o que está por trás da presente cultura da ‘pegação’, da liberação sexual… : [é] nada menos que o estupro do corpo, perpetrado pelo próprio ‘self’. A negação da subjetividade do corpo sexual, e sua redução ao objeto. A violência do eu externo pelo eu interno.”

Suspeito que Flávio Gikovate, o guru do sexo na CBN, deve achar moralista demais esse pensamento de Carvalho. Veja, agora, o que Gikovate diz sobre Vênus, especialmente sobre a cultura do ficar: “Umas das poucas coisas que evoluíram na sociedade brasileira (nesse plano sexual) é a história do ficar, que não existe em outro lugar do mundo como aqui. Você ver jovens adolescentes com intimidades sexuais sem compromisso, sem namoro e sem grana no meio. É a primeira coisa que acontece em muitos e muitos anos que tem um potencial de melhorar os futuros relacionamentos entre as pessoas. Antigamente, os homens e mulheres chegavam à maioridade sem ser amigos, sem viajar juntos e sem ninguém transar com ninguém”.

O professor Rodolfo Amorim, confirmou isso com dados estatísticos, inclusive entre os cristãos; ficar, pegar e transar sem compromissos não é coisa só de pagão. Seria verdade dizer que quando cantamos músicas de amor que tratam a sexualidade a moda de Vênus, é porque já estamos vivendo dessa forma? A canção seria a expressão de uma realidade social?

Parece, no entanto, que Gikovate e Carvalho não se encontram sobre a razão e o propósito desse avanço de Vênus na nossa cultura.

E quem é Eros? Eros tem sido caluniado, chamado de careta, de piegas e retrógrado. Porque ele significa o amor romântico, o sonho da ‘alma gêmea’, é a simbiose, é o sofrimento por amor, é a dor do apego. É a maneira empolada de falar, jamais usa palavras obscenas e pornográficas. É aquele lugar comum da linguagem romântica, vocabulário batido,  é a trilha sonora de quem quer levar a amada até o altar, é o pra sempre – é o brega! Hoje fazem de tudo para desqualifica-lo, curiosamente, emprestando-o características de Agápe, o carola-mor para a rival Vênus.

Está ficando mais claro que, na cultura brasileira contemporânea,  as coisas estão se modificando, Vênus tem sido elevada ao status de Eros (vênus, a baixaria, é o atual erótico) e, por conseguinte, Eros tem sido promovido à Agápe (o ápice do amor na nossa música não é a caridade é o piegas romântico). No Brasil isso é traduzido pela alteração no significado dos termos ‘amor’ e ‘sexo’. Amor, como cantado hoje, é o que para nós cristãos sempre foi o afeto erótico. Então, o lugar mais alto dos afetos (na música popular) é Eros, o Romântico. E ao falar de sexo tem-se a impressão de que é por Vênus que se canta.

Definidos os termos, vamos ao duelo. Quem ganhará o coração indefeso da MPB? Vênus ou Eros? O selvagem ou o Gentil? A Baixaria ou o Romance? Quem cantará a respeito do sexo na nossa intimidade; Celly Campello, Wanderléa, Marcelo Camelo, Adelino Moreira, Lupcinio Rodrigues, Tom Jobim ou vamos no repertório de Marina Lima, Ângela Ro Ro, Raimundos, Tribalistas, Kelly Key e Tati Quebra-Barraco?  Nos próximos capítulos vamos descobrir quem será o vencedor, enquanto lemos as letras desse nosso vasto cancioneiro popular.