22 de Janeiro / “eu sou brasileiro”
Vinte e dois
O ‘desbocado’ Antonio Carlos de Brito aparece aqui mais comportado do que nunca. Nos versos a seguir, ele toma emprestado o principal tema deste Blog – IDENTIDADE – e em 10 linhas ilustra a afirmação que nos inquieta: “sou brasileiro”. Vamos ouvir:
HÁ UMA GOTA DE SANGUE NO CARTÃO-POSTAL
Eu sou manhoso eu sou brasileiro
Finjo que vou mas não vou minha janela é
A moldura do luar do sertão
A verde mata nos olhos verdes da mulata
sou brasileiro e manhoso por isso dentro
da noite e de meu quarto fico cismando na beira
[de um rio
na imensa solidão de latidos e araras
lívido
de medo e de amor
(HÁ UMA GOTA DE SANGUE NO CARTÃO-POSTAL – Antonio Carlos de Brito )
13 de Janeiro / Carlos Drummond de Andrade
Treze
Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.
Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.
Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.
Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mãos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que é dele
e que nunca será alma.
Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros sequestros
(o olhar obsceno e a mão idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.
(Convite Triste Carlos Drummond de Andrade)
O que a poesia brasileira já disse sobre a amizade? Bem, imagine que são tantos textos sobre essa benção relacional que precisamos fazer uma série sobre o assunto. Começamos bem! Nessa fase irônica do mineiro de Itabira, o genial Carlos Drummond de Andrade aparece no nosso sítio brigando com o mundo! É verdade, Convite Triste como esse, seu Drummond, não deixou de estar impresso em centenas de mensagens trocadas numa sexta-feira durante o expediente de trabalho. Diluídos na embriaguez de novos contatos, daqueles amigos aparentes, que teimam em surgir por aí celebrando o desespero, o desencanto…
09 de Janeiro/ Carlos Saldanha
Nove
SHEN HSIU
Havia um monje
Que lustrava a careca
Para que sua cabeça
Fosse como se um espelho:
Refletisse tudo
E não guardasse nada.
( Carlos Saldanha)
Não. Este aqui não é o produtor do filme a Era do Gelo. O Saldanha dessa brilhante tira poética faz parte da já mencionada Geração Marginal (aqui representada pelo Francisco Alvim – 08 – e Chacal – 05). Apareceu com esses dois senhores na famosa antologia “26 Poetas Hoje” organizada por Heloisa Buarque de Hollanda em 1975 no Rio de Janeiro. (Há muito tempo atrás não é?)