Rascunho de uma Genealogia

Postado por: em maio 18, 2014 | 26 comentários

O que, onde e como penso a minha relação com a cultura brasileira.

 

O multifacetado povo cristão que habita nas terras continentais do Brasil é constituído por incontáveis grupos religiosos – estimados em 20 grandes denominações e diversas outras placas diluídas entre os pentecostais. No momento, parece predominar as correntes teológicas reformada (calvinista e arminiana), da prosperidade (especialmente entre os neopentecostais) e a teologia da missão integral, além, é claro, da teologia católica romana e sua versão popular. Cada um desses grupos tem uma forma de se relacionar com a esfera das artes, com seu próprio acervo de obras litúrgicas, de propaganda e de entretenimento.

Em 2004 comecei a viajar como músico remunerado pelo Brasil a fora. Eu e outros amigos formávamos a banda de apoio da cantora evangélica Heloísa Rosa. Enquanto me esforçava para ser um mediano tecladista, estava sem saber, ampliando meus horizontes espirituais a medida que conhecia diferentes comunidades de fé reunidas em diferentes igrejas, de todos os tamanhos e tipos, espalhados pelo país. Logo percebi que cada um desses grupos não era um mundo em si mesmo. De uma forma ou de outra estavam na cidade vivendo suas vidas e convivendo entre crentes e descrentes, numa sociedade plural onde cerca de 90% dos cidadãos se dizem cristãos. Fui gradualmente me aproximando da tradição reformada calvinista e encontrei nela as categorias para explicar minhas inclinações intramundanas, proféticas e não panfletárias.

Quando criamos a banda Palavrantiga no final de 2007, lançando nosso primeiro trabalho em Junho de 2008, eu já estava – nesse tempo – bem mais íntimo do pensamento neo-calvinista holandês. Tendo sido apresentado a ele pelos amigos Rodolfo Amorim e Guilherme de Carvalho. É nesse momento que fica mais patente a vocação para a cultura – entendendo a nossa comunidade de fé local como ponto de partida para uma arte brasileira tecida na Esperança. Encontrava o chão de uma tradição cristã milenar, mas ainda não sabia como traduzir isso para o português cantado nas ruas. Os holandeses eram legais mas não falavam da realidade do meu povo. Descobri uma mata virgem, fechada, difícil, insegura, perigosa. No entanto, tive certeza que deveria entrar, abrir caminho, me reencontrar por inteiro com a cultura popular depois de anos caminhando entre teólogos e pastores, nos templos em companhia de liturgistas e avivalistas.

Antes disso, havia reconhecido a necessidade de superarmos o dualismo gospel/secular, como é entendido nessas terras. Isso me ajudou a construir novas categorias de pensamento para relacionar fé cristã e cultura brasileira. Encontrei na linguagem poética uma porta de acesso entre espiritualidade e beleza. Descobri Adélia Prado numa revista de avião dizendo que arte e religião são braços de um mesmo rio. Rubem Alves chegou pra me conduzir à Guimarães Rosa, Kazantzákis, Nietzsche, Hermann Hesse… e àquelas suas próprias e boas palavras de mineiro. Então, anos depois ao ler Schaeffer, Dooyweerd e Rookmaaker, o que fiz foi categorizar o anteriormente lido, cantado, viajado e vivenciado pela minha alma.

O conceito arte brasileira de raiz cristã emergiu desse reencontro entre um cristão reformado e o repertório popular experimentado desde o berço familiar, que agora ganhava novo interesse a medida que eu descobria as confissões e as analogias tão próximas das narrativas bíblicas. Púlpito e palco continuavam bem distintos, o que mudava era a distância. Templo e rua permaneciam diferentes enquanto deixavam de ser opostos. A mensagem que saia do altar da minha igreja encontrava uma relação simbólica com as maneiras de cantar o cotidiano da vida.

Tentei copiar o antropólogo e linguista Don Richardson naquele percurso narrado em o Totem da Paz, dividido em três partes: “O mundo dos Sawis”, “Dois Mundos se Encontram” e “Um mundo transformado”. Mas vi que não podia fazer isso. Esbarrei num problema: a cultura brasileira não se mostra como um mundo isolado do Evangelho, nem mesmo o Evangelho foi confinado em templos nesses 500 anos de presença cristã nas terras tupiniquins. Diferente dos Sawis de 1962 que nunca haviam visto um homem branco e sua religião cristã, os brasileiros dos anos 2000 foram formados nela! Estava diante de uma sociedade filha do cristianismo! Ou melhor: o brasileiro é filho dos cristianismos, dos diferentes cristos, feito de cristãos de todos os tipos.

O que não deixei de copiar do meu herói canadense foi a ideia de analogia da redenção, quando costumes locais apontam verdades espirituais, ou quando verdades espirituais são aplicadas aos costumes locais. É por isso que consigo cantar Xodó de Dominguinhos e All We Need Is Love dos Beatles depois de ler Eclesiastes, Drummond e Gabriel Garcia Márquez sem nunca me esquecer que faço isso diante da face de Deus tocando a verdade da solidão tal como ela é.

 

Marcos Almeida
em Belém do Pará

18 de Maio 2014

Chove chuva

Chove chuva

Postado por: em dez 21, 2013 | 3 comentários

 

As imagens dessa água que cai das nuvens segundo os poetas, os artistas e o texto sagrado.

 

As crianças brincam na rua alagada. Seus pais choram sobre a casa inundada e lamentam a perda dos móveis. O playboy marombado e anestesiado corre sem camisa no calçadão enquanto carros desnorteados entram na contramão da avenida fugindo da água que transformou em rio as ruas paralelas. A cidade está um caos e eu aflito, abandonando o carro na beira-mar, tento proteger a esposa, sua irmã e a cunhada. Moro em Vila Velha e nunca vi tanta água desabando das nuvens.

 

Chuva Belém PA 1985, Luiz Braga

Chuva Belém PA 1985, Luiz Braga

 

 

Conto uma parte das 5 horas de desespero que passamos na quinta-feira dia 19 de Dezembro. Não se parece em nada com o que nos conta o poeta santista Ribeiro Couto.

 

Chuva

A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo… Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora…
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.

Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta…
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.

Dentro de nós existe uma tarde mais fria…

Ah! Para que falar? Como é suave, branda,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando…

Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.

Chove dentro de nós… Chove melancolia…

 

 

Paisagem interior com chuva, 1993, Leopoldo Plentz

Paisagem interior com chuva, 1993, Leopoldo Plentz

 

Os versos de Ribeiro Couto me levaram ao Lobão e o seu “chove lá fora e aqui faz tanto frio”. Mas, foi o hino “Chuva de bênçãos”, recordado pelo meu sogro na noite do temporal, que me ajudou a tirar da cabeça aquela ideia besta de que o céu estava sacaneando a gente. “Chuvas de bênçãos, chuvas de bênçãos dos céus, gotas somente nós temos; chuvas rogamos a Deus”.  Por que, então, não olhar para o temporal de outra forma? Como a água que vem nos limpar e mudar a terra. Mostrando o orgulho das cidades e seus pecados ecológicos.

Acima de tudo, as chuvas do verão são um convite parar nós: ei, o que vocês estão fazendo? Apresentem suas expressões práticas de amor! Lembram o que os “bárbaros” da ilha de Malta fizeram a Paulo, um estrangeiro e missionário cristão?  Os bárbaros trataram-nos com singular humanidade, porque, acendendo uma fogueira, acolheram-nos todos por causa da chuva que caía e por causa do frio”. Que essas chuvas sejam lembradas, sobretudo, pelas simples fogueiras que fizermos. Que essa chama seja mais insistente que a água. Feliz Natal! 

 

Marcos Almeida

 

 

De volta para o cotidiano!

De volta para o cotidiano!

Postado por: em mar 31, 2012 | 6 comentários

 Para Rodolfo Amorim

Todos que acompanham a vida deste simples sitiozinho, há seis meses aberto para visitação, sabem disso: vira e mexe voltamos ao tema que virou refrão entre poesias, reportagens e músicas. Sem que a gente perceba, logo estamos falando de novo sobre identidade.

Qual a marca dos cristãos dentro da história da arte no Brasil?

Postado por: em fev 15, 2012 | 16 comentários

Quarenta e três

Fernando, leitor do Blog, enviou ontem a tarde  um  comentário muito oportuno sobre o post ópera Magdalena de Villa Lobos:

Semana de Arte Moderna, foi o grande evento que marcou a história da Arte no Brasil.

E no cristianismo, qual seria o grande evento que marcou a história do cristianismo no Brasil?

A primeira consideração que faço é esta: o seu comentário fala de duas histórias neste nosso horizonte temporal, aqui nas fronteiras do Brasil. História da Arte e História do Cristianismo. A Arte é um aspecto da realidade cujo núcleo de sentido é a Estética (norma da alusividade) e Cristianismo pertence à esfera Pística (norma da fé). Sabendo disso, seria inconsistente qualquer história que não diferencia as particularidades dessas modalidades que experimentamos no dia a dia – de forma inteira.  O que podemos perguntar, sem achatar as estruturas soberanas de cada esfera, é o seguinte: qual a marca dos cristãos dentro da história da arte no Brasil?

Se você ler com carinho este Blog vai ver que tento responder essa pergunta diariamente. Provocando os visitantes, ensaiando opiniões e dando vários exemplos de autores e músicos que imbuíram na cultura marcas da sua  criatividade sem perder a fé, nem a Esperança, nem o amor. Aproveito a deixa, Fernando, e compartilho outro grande nome do modernismo brasileiro, pertencente ao grupo Festa.  Mário de Andrade fez o seguinte comentário a respeito dele:

Eu não sei nem me interessa saber a posição que assumirá futuramente na poesia contemporânea do Brasil, o canto claro e belo do poeta de O canto absoluto. Sei que, no momento, representa um fantasma quase insuportável, apavorando, castigando a maioria de nossas consciências individuais.

 Seu misticismo incomoda muito poeta de grande porte até hoje!

 

O texto a seguir cita outros companheiros desse movimento que desejava mais que estética, queria o total e quem deseja o total não pode abrir mão da Fé. Aproveite a folia, Fernando! Tasso da Silveira de volta ao Nossa Brasilidade:

 

 

Defin de Modernismo Cap. 8 _ Tasso Da Silveira

28 de Janeiro / Sábado Sarau

Postado por: em jan 28, 2012 | 1 comentário

Vinte e oito

 Hoje é dia de ouvirmos os nossos leitores. O Sábado Sarau acontece toda semana e no final do texto você descobre como participar.

 

Quem dá o ar de sua graça agora é a leitora Ly Barros. Estudante de Produção Cultural  e muito simpática, enviou uma linda mensagem falando de como o Nossa Brasilidade tem inspirado seu ofício. Muito obrigado Ly!

 

Pois bem, o que ela trouxe é um livro muito comentado nesses últimos anos; O Evangelho Maltrapilho, de Brennan Manning.

A nossa dieta da imaginação está cada vez mais saborosa! Vamos degustar, com muito prazer, este trecho que ela mesma escolheu. Respire fundo e aproveite:

 

“A graça abunda em filmes, livros, romances e música contemporâneos. Se Deus não está no redemoinho, talvez esteja num filme de Woody Allen ou num show de Bruce Springsteen. A maior parte das pessoas compreende representações visuais e símbolos com mais facilidade do que a doutrina e o dogma. Certo teólogo opinou que o álbum Tunnel of Love, de Springsteen, no qual ele canta simbolicamente a respeito do pecado, da morte, do desespero e da redenção, é mais importante para os católicos do que a última visita do papa, que falou de moralidade apenas com base em proposições doutrinárias. Poetas foram sempre mais importantes e influentes que teólogos e bispos.”

   (pág. 52 e 53 do Evangelho Maltrapilho – Brennan Manning)

Leia e releia, mas não saia tirando onda com  o padre da sua paróquia. Esse ponto de vista só aumenta a responsabilidade do artista. Pense nisso…

Para enviar alguma poesia, livro que leu e gostou, discos, músicas, peças, textos, desenhos, quadros, ou qualquer artesanato que seja tecido na Esperança no meio do mundo, escolha o caminho:

 

Carta           

Av. Fortaleza 1500 Ap 203

CEP 29101 575

Bairro Itapoã Vila Velha – ES

A/C Marcos Almeida

 

 E-mail

marcos@palavrantiga.com

 

Até amanhã.