“Perdoa”; “O pouco que sobrou” – Los Hermanos
Manda essa cavalaria! A fé abandonou um certo sujeito, e ele resolveu pedir ajuda a Deus. Não é que ele deixou (quase) tudo registrado num disco?!
Queridos leitores, todos os dias passamos aqui para fazer uma pergunta: existe alguma expressão de espiritualidade na música popular brasileira, ou essas expressões estão confinadas ao canto litúrgico das religiões? Pegamos uma centena de canções da famosa lista que a revista Rolling Stone fez em 2007; a lista dos 100 maiores discos da música brasileira. Esses discos foram sistematicamente ouvidos e catalogados pela pesquisadora, socióloga e mestranda em ciências sociais, Sarah Ferreira de Toledo, a pedido do Nossa Brasilidade. Uma pequena parte do nosso repertório mundano agora pode ser visto a partir de outras janelas. Mesmo que seja uma pequena fresta dentro do edifício de certas composições, é possível ver.
Seguindo o passeio, vamos assistir a banda Los Hermanos com uma canção de Marcelo Camelo, “O pouco que sobrou”. Ela é a faixa 10 do terceiro disco da banda carioca, lançado em 2003. A obra feita em primeira pessoa, pode ser lida como uma confissão de identidade, mas quem sabe seja possível ver nessa letra uma oração a um certo Deus que não sabemos quem é – o autor não descreve quem Ele é. No entanto, esse Deus parece ser capaz de enviar uma cavalaria afim de fazer voltar a fé que abandonou o sujeito desencantado. Então, voltem os olhos para Los Hermanos e tomem nota.
O Pouco que Sobrou
De: Marcelo Camelo
Intérprete: Los Hermanos
Disco: Ventura
Gravadora: BMG
Ano: 2003
Eu cansei de ser assim
Não posso mais levar
Se tudo é tão ruim
por onde eu devo ir?
A vida vai seguir
Ninguém vai reparar
Aqui neste lugar
eu acho que acabou
Mas eu vou cantar pra não cair
fingindo ser alguém
que vive assim de bem
Eu não sei por onde foi
Só resta eu me entregar
Cansei de procurar
o pouco que sobrou
Eu tinha algum amor
Eu era bem melhor
Mas tudo deu um nó
e a vida se perdeu
Se existe Deus em agonia
manda essa cavalaria
que hoje a fé me abandonou
O leitor Matheus Santana enviou nesta madrugada uma primeira versão da canção acima. Os Hermanos deixaram (quase) tudo registrado no disco. Quase… Eu não conhecia a história dessa música e me impressionou o fato de que o “rascunho” certamente tem mais fogo poético, mais sangue circulando que a versão disponibilizada no álbum Ventura. Uma linda oração que não se perdeu e que podemos ouvir aqui graças ao Santana. “O Pouco que Sobrou” antes se chamava “Perdoa”. Ouçam e vejam se não estou certo sobre dois aspectos; (a) a autocensura do artista pode diminuir a força original de sua expressão b) “perdoa” é mais impressionante que “o pouco que sobrou” por que o lirismo não tentou tapar aquilo que da alma se sente vazar.
Perdoa (O Pouco que Sobrou)
De: Marcelo Camelo
Intérprete: Los Hermanos
Disco: Ventura (pré-produção)
Gravadora:
Ano: 2002 (?)
Deus, por onde você foi?
Cansei de procurar.
Não posso mais ficar
com o pouco que sobrou,
carrego o seu amor
até não conseguir,
mas hoje eu me senti
dobrando devagar,
tentei chorar por seu perdão
mas não ouvi sinal,
será que isso é normal?
Deus, proteja o filho teu.
Não deixa o mal ganhar.
Por onde se escondeu
enquanto o céu caiu?
e a chave não abriu
e a estrada se acabou
e a ponte não passou
pra lá desse lugar.
Eu vou tentar
por mais um dia.
Manda essa cavalaria
que hoje a fé me abandonou…
42 Comentários
Matheus Santana
19 de outubro de 2013É interessante ressaltar que a versão pré-produzida dessa musica tinha a letra bem mais direta.
http://www.youtube.com/watch?v=xSatLEq4tXQ
http://letras.mus.br/los-hermanos/779458/
Eu vejo como uma suplica de falta de fé, afinal, na versão rascunho ele estava orando a Deus por falta de fé, como um teísta e na versão final ele fala “Se existe Deus” como um agnóstico. Paradoxalmente no cd 4 ele já canta “Sereno é quem tem, a paz, de estar em paz com Deus”, a espiritualidade dele deve ser bem frágil, tanto que anos depois na carreira solo ele já canta “E lá vai Deus sem sequer saber de nós, saibamos pois, estamos sós”.
Bem, está é minha opinião, mas não entendo muito da vida dele ou coisa parecida.
Abraços.
Lucas Martins
19 de outubro de 2013E depois tem “É Deus, parece que vai ser nós dois até o final”
Matheus Santana
19 de outubro de 2013Bem lembrado… A fé dele é bem abalada.
Leonardo Galdino
19 de outubro de 2013Olá, Marcos!
Apesar de ser muito fã do Los Hermanos eu não conhecia essa outra versão de “O pouco que sobrou”. Mas veja lá a confissão deísta de Camelo em “Passeando”, do primeiro disco solo dele, “Sou”.
“E lá vai Deus sem sequer saber de nós/ saibamos, pois, estamos sós”.
Uma pena!
Abraços e continue a investigação.
Amanda Tintino
19 de outubro de 2013Nunca tinha prestado atenção sobre a letra da música e agora vejo que tanto em ambas versões, demonstram um sujeito realmente na sua fase de lutas em busca de Deus para uma ajuda…
Assim, como o Matheus citou uns trechos acima, tem outras canções que ele expressa também a relação com Deus como na canção “Liberdade” que está incluída num cd solo dele. Pela letra de “Liberdade” interpreto como aceitação a sua relação com Deus. Bom, não sou tão expert pra interpretar canções. Mas, deixo aí uma sugestão para ser analisada.
Marcio Ribeiro
19 de outubro de 2013O Calvani tem o livro “Teologia e MPB” …
Levy Hercules
19 de outubro de 2013Só uma coisa pra dizer pra vocês. Parabéns! Irei ficar acompanhando o vosso trabalho. Abraço
Gustavo Faria
19 de outubro de 2013Nos extras do DVD Cine Íris, no filme mostrando o Making Of do Disco, mostra essa versão e o nome original da música…
Gustavo Faria
19 de outubro de 2013E a música O Vencedor também tem uma história interessante, nesse prisma. Vale uma olhada hein…
Julio Xavier
19 de outubro de 2013Paz e graça, marcos depois de uma de joao gilberto agora los isso e bom de mais vamos achar alguma coisa em cartola? O tim maia tem o “RACIONAL”.
Marcos Almeida
19 de outubro de 2013CALMA que vai chegar a vez deles! rsrs
Gabriel Tarrão
6 de dezembro de 2013Marcos, aguardo ansiosamente pela música do Cartola. Tenho meus palpites! Rs.
Marcos Almeida
6 de dezembro de 2013Ei Gabriel, toquei no assunto da “Preciso me encontrar’ aqui: http://nossabrasilidade.com.br/candeiamanobrowneuevoce/ Você está pensando em qual?
Jonathas Barros
6 de dezembro de 2013Marcos Almeida, particularmente eu acho “O mundo é um moinho” do Cartola, uma forma de aconselhamento a uma mulher, de forma semelhante a “minha menina”. Abraço.
Jonathas Barros
6 de dezembro de 2013Pra quem não conhece vale a pena.
http://letras.mus.br/cartola/392191/
jonatas gomes
19 de outubro de 2013curto muito los hermanos, camelo.. amarante desde longa data… e realmente… nessa letra existe um ser fraquejado q necessita e ora até implora o favor de Deus… daí meu questionamento: porque essa mudança?? porque esta auto censura??? seria pra nao perder a sua máxima como compositor em nao falar claramente de assuntos q envolvem questoes sacras>>?? questoes teocentrícas??
att
jonatas gomes
Hebreu
20 de outubro de 2013Muito lindo ler tudo isso!
Julio Xavier
20 de outubro de 2013Kkkkkk que massa vamos descortinar a aquarela do Brasil valeu rsr
Raphaela
20 de outubro de 2013Na música Morena, lançada no quarto álbum da banda, Camelo escreve que “Sereno é quem tem a paz de estar em par com Deus.”
Alana Freitas
20 de outubro de 2013Eu já tinha interpretado essa letra, e sabia no que dava ao certo, e a primeira nunca tinha lido. Mas enfim, na primeira versão ele ateou o lado poético direto dele pra fora, e na segunda versão foi mais uma indireta de algum músico, mas pessoalmente, eu prefiro a segunda, pois eu acho que um poeta é isso, tem que deixar duvidas nas pessoas, tem que deixar sua poesia trancada e exposta. E já a primeira ele jogou muito de cara. Por fim, essa é a minha opinião.
Alana Freitas
21 de outubro de 2013Muito bacana. 🙂
Rafaela Silva Flor
21 de outubro de 2013Estou encantada *——* ! Esses post’s estão vicianteeeee… Quero ler todos hahaha.
Ótimo trabalho Marcos e Sarah, que Deus continue vos abençoando.
Jorginho Nina
22 de outubro de 2013Lendo o inicio do texto eu ja pensava em sugerir a versão ‘rascunho” dessa música como o Santana rs. O engraçado é que andei ouvindo muito essa versão nos ultimos dias, à ponto de aprender a toca-la e pensar em fazer um video e ainda escrever algo sobre ela. Agora encontro esse artigo. Seria uma confirmação rs? O..o
Um abraço forte Marcos.
Carolina Rosinelli
27 de outubro de 2013Muito legal Marcos!
Existe uma outra música dos Los Hermanos (composição do Marcelo Camelo) também que vale a pena dar uma checada.
Chama-se: De onde vem a calma? (Pelo que eu me lembre também é do cd Ventura)
Para mim ele fala de Jesus Cristo. O tal cara pra mim é Jesus. Bem legal analisar essa canção. Fica aí mais uma dica para esse trabalho que tu estas fazendo. Muito bom mesmo. Descobri hoje e amei de verdade.
God bless us!
Beijos
Fábio Cavalcante
6 de dezembro de 2013Existe até um vídeo no YouTube dessa canção com trechos do filme “Paixão de Cristo” (Mel Gibson).
Hugo L. Ribeiro
6 de dezembro de 2013Los hermanos é muito bom, cheio de detalhes de espiritualidade e da fragilidade do ser humano.
Quando Deus criou o homem fez questão de colocar um desejo por espiritualidade, um desejo por uma proximidade com àquele onde tudo se deu início.
Parabéns pelo trabalho, vc representa uma voz que a muito eu sentia falta….
Cristianismo puro e simples
Mateus Silva
6 de dezembro de 2013Uma ponto bem interessante a respeito dos LH é que as composições de Camelo e Amarante possuem perfis bem diferentes. É nítido saber quem escreveu a música só ouvindo…
Sergio
6 de dezembro de 2013Na primeira música vemos o autor como alguém sem direção, imaginando que tudo se acabou e que lhe resta apenas fingir que está bem. É alguém que se encontra cansado à ponto de desistir de procurar por Deus e por sua própria identidade. Ele confessa que antes desta crise ele era melhor, quando diz: “Eu tinha algum amor”. Por fim, ele clama a Deus por ajuda, pedindo proteção e força com o envio de “Cavalos e seus cavaleiros” dos céus.
Já na segunda letra o autor se sente abandonado por Deus, mas, em momento algum duvida de Sua existência, antes demonstra sua fraqueza e falta de fé, o que é natural do ser humano. Até Jesus no momento crucial exclamou o abandono do Pai celestial, embora por razão muito mais sublime. Ele se diz filho de Deus e clama pela ajuda do Bem. A situação estava periclitante, mas, mesmo assim ele iria tentar, com ajuda de Deus. Enfim, ambas as letras são um pedido de socorro divino.
Thiago Ferrer
6 de dezembro de 2013Confesso que essa é a primeira vez que leio o seu blog e já estou viciado… Esse “trem” é “baum” demais!! Parabéns pelo excelente trabalho…
Deus abençoe
Abraço
Leveny Carvajal
6 de dezembro de 2013Acho que devemos entender que não dá pra se “julgar” ou caracterizar uma opinião ou fé de um artista pelo que ele escreve em suas músicas.
No gospel(como alguns gostam de falar) isso PODE ocorrer, mas não necessariamente.
Thaynara Luzo
6 de dezembro de 2013Los Hermanos é uma das minha bandas preferidas, sempre consigo ver a fé expressada nas canções deles…
Isso me faz lembrar uma conversa que tive com uma grande amigo, Edson Jr, estávamos analisando “Quando o sol bater na janela do teu quarto” – Legião Urbana.
Interpretando o sol da canção como Deus, vemos que Ele é a esperança de um mundo melhor,
“A humanidade é desumana, Mas ainda temos chance, O sol nasce pra todos, Só não sabe quem não quer.”
As entrelhinhas do amor de Deus na expressividade musical sempre será linda de qualquer forma.
“Quando o sol bater
Na janela do teu quarto,
Lembra e vê
Que o caminho é um só…”
Adorei o blog.
Abraços.
Emanuelle
6 de dezembro de 2013Uau.. que postagem!
Isaque Oliveira
6 de dezembro de 2013Muito massa!
Edson Freitas
6 de dezembro de 2013Leonardo Galdino citou uma música do CD solo do Marcelo Camelo, no qual conheço a pouco tempo, e lembrei de uma outra canção em que também há uma confissão deista do compositor, chamada “Liberdade”.
Nesta há uma oração, se posso assim dizer, que mais me chamou atenção:
“Eh, Deus,
Parece que vai ser nós dois
Até o final
Eu vou ver o jogo se realizar
De um lugar seguro”
É a certeza de segurança em um evento futuro…
Me parece que a cavalaria solicitada chegou e a fé retornou.
Parabéns pelo blog, Marcos.
Boa noite e fique na Paz.
Joelson Miller
23 de dezembro de 2013Como a Carolina falou, a música “De onde vem a calma”, da banda Los Hermanos, parece se encaixar nessa lista que você está preparando. Acho que o tal “cara” é na verdade Jesus. A letra começa com comentários de um “descrente” a respeito de Jesus, e depois a pessoa muda, passando agora para o cara (Jesus), e assim ele começa a falar sobre os seus tormentos na hora da morte. Acho que esse texto explica melhor o que quero dizer:
http://www.juvemetodista.com.br/2012/04/de-onde-vem-calma.html
Jorginho
12 de março de 2014Marcão. Entrevista interessantíssima com o Rodrigo Amarante sobre o seu novo trabalho, Cavalo. Penso que caberia muito bem no assunto Espiritualidade/Mpb. Dá uma olhada. https://www.youtube.com/watch?v=WG2kw17QjhA
Laio Araújo
30 de maio de 2014Eu creio que a música “De Onde Vem a Calma” do Los deixa clara a posição da banda em relação às suas crenças cristãs. Ou pelo menos deixam a entender que acreditam que Jesus realmente veio ao mundo e viveu como homem; Já que a música mostra os possíveis pensamentos e idéias que as pessoas tinham a respeito dEle. Sem falar nos trechos finais, que dizem:
“Eu não vou mudar não.
Eu vou ficar são, mesmo se for só.
Não vou ceder
Deus vai dar aval,sim.
O mal vai ter fim.
E no final,assim calado, eu sei, que vou ser coroado rei de mim.”
Ou seja, mostra que também acreditam que Jesus sofreu sozinho ( “Não vão embora daqui” ,”Não solta da minha mão” ,”…Mesmo se for só.” ), sem pecado ( “Eu não vou mudar,não. Eu vou ficar são…”), encarou a morte e a dor sem reclamar ( “Não vou ceder”, “E no final, assim calado…”) e que Ele morreu com um objetivo ( “O mal vai ter fim. E no final,assim calado, eu sei, que vou ser coroado rei de mim.” ).
Foram,sem dúvida, usadas bases bíblicas e cristãs para os versos finais (e não só esses) dessa música que fala tão claramente sobre Jesus. :))
Tércia Paula - PE
10 de julho de 2014Amando cada dia mais conhecer a nossa Brasilidade! beijo Marquinhos.. vc é super pra cima!
Referências cristãs na música secular | Som do Peregrino
24 de agosto de 2014[…] uma vida sem fé e sem amor. Marcus Almeida do blog Nossa Brasilidade destrinchou essa música neste post, mas você pode conferir também no vídeo […]
mateus rodrigues
9 de outubro de 2014Eu já vou um pouco a quem na música de onde vem a calma do los, eu acho que o Marcelo camelo fez um alto retrato de si mesmo e do seus sentimentos em alguma época da sua vida. um cara calmo e tranquilo, muito introspectivo que reflete muito sobre o mundo que o cerca “e o mundo que anda hostil”que se encontra muitas vezes solitario pela sua grande sensibilidade e reflexao diante da vida acabando por se sentir estranho é e diferente das pessoas alienadas, mas que pauta suas escolhas querendo ser bom, que no fundo sabe que está fazendo a coisa certa e que por mais solitario que fique as vezes “não solta da minha mão”não vai mudar pq no fundo sabe que será coroado rei de si mesmo com isso. E Deus sabe de suas boas intenções e por mais que outra pessoa não reconheça a o conflito internos vivido por ele deus sabe e dara o aval pra tudo dar certo
Haila
25 de março de 2016Bom, por mais que ele cite “Deus” em suas musicas isso não quer dizer que ele esteja falando do Deus da bíblia. Mas deixando isto de lado, a primeira versão de “O pouco que sobrou” é sim uma oração sincera, Bem mais do que muito “sabor de mel” que tem por ai.
Espiritualidade no Hermano – Pensamento Viajante
6 de maio de 2016[…] Almeida, escrevendo em seu blog pessoal Nossa Brasilidade sobre a expressão de espiritualidade na música popular brasileira, pautou a canção […]