José Lins do Rego: O último contador de histórias.

Postado por: em mar 1, 2012 | Um comentário

Lins do Rego

Uma de suas obras já foi adaptada para a TV pelo bam-bam-bam Agnaldo Silva ( o saltitante escritor de Fina Estampa) junto com Ana Maria Moretzsohn no ano de 1990; Riacho Doce – que não é a principal obra do paraibano – serviu à época como inspiração ao núcleo de teledramaturgia da Globo, uma turma que passava apertado diante do sucesso de Pantanal (rede Manchete).

Ele é conhecido pela narrativa memorialista; “o dizer as coisas como elas surgem na memória”. Buscando lá da infância os temas, os personagens, a paisagem e o sentimento, José Lins do Rego chega a “apontar os cantadores de feira como fonte de sua arte narrativa”. Conforme nos informa Alfredo Bosi:

Os cegos cantadores, amados e ouvidos pelo povo, porque tinham o que dizer, tinham o que contar. Dizia-lhes então: quando imagino meus romances tomo sempre como modo de orientação o dizer as coisas como elas surgem na memoria, com o jeito e as maneiras simples dos cegos poetas.

            Por conseguinte, o romance brasileiro não terá em absoluto que vir procurar os Charles Morgan ou os Joyce para ter existência real. Os cegos da feira lhe servirão muito mais como a Rabelais serviram os menestréis vagabundos da França.

            Gosto que me chamem telúrico e muito me alegra que descubram em todas as minhas atividades literárias forças que dizem de puro instinto.  (Em Poesia e Vida, 1945)

 

Cangaceiros, senhores de engenho, os coronéis do nordeste, o engenho de açúcar, o moinho parado, O Fogo Morto, patriarcas, bacharéis, o fanatismo religioso, santos e beatas, brotam na linguagem fértil de José Lins do Rego.  Leia um trecho e aproveite a genialidade deste nosso “último contador de histórias”:

Seu Lula quase não ouvia o que o homem falava. D. Amélia apareceu, então, para conversar. Não havia engenho nenhum à venda. Fo quando o marido perguntou, como se estivesse acordado:

–       Como? O que foi, hum, Amélia?

–       Este senhor está aí porque soube que Santa Fé estava à venda.

–       Como! Quem lhe disse isto? O homem desculpou-se, e continuou a falar. Tinha vontade de comprar terra na várzea. Aquilo é que era terra! E havia sabido que a Santa Fé estava quase sem safrejar e por isto se botara para afalar no assinto. Pedia desculpa, e ia se retirar, quando Seu Lula lhe falou em voz alta:

–       Sim senhor, vou sair daqui para o cemitério, hem, pode dizer por toda a parte.

–       Não estou aqui, Coronel, para aborrecer.

–       Hem, Amélia, veio aqui comprar o engenho do teu pai. Lá dentro D. Olívia gritava:

–       Velho estou cosendo a tua mortalha. O homem parecia assustado. Levantou-se. Seu Lula trêmulo:

–       Pode dizer ao José Paulinho que não vendo coisa nenhuma.

–       Coronel, não estou aqui para levar recado. D. Amélia conciliava:

–       É verdade. O senhor não leve a mal.

–       Hem, Amélia, quer comprar o engenho do teu pai. O Homem já estava na calçada, e seu Lula ainda falava aos berros:

–       Estão enganados. Fico no engenho. Não é, Amélia?

–       Cala a boca, velho – gritava D. Olívia – cala a boca, velho.

                                                                                  (Fogo Morto – José Lins do Rego)

1 Comentário

  1. nossabrasilidade » Literatura Brasileira
    9 de maio de 2012

    […] – José Lins do Rego […]

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