De volta para o cotidiano!
Para Rodolfo Amorim
Todos que acompanham a vida deste simples sitiozinho, há seis meses aberto para visitação, sabem disso: vira e mexe voltamos ao tema que virou refrão entre poesias, reportagens e músicas. Sem que a gente perceba, logo estamos falando de novo sobre identidade.
Não apenas a respeito do que nos identifica e nos singulariza como pessoas, mas como um grupo de crentes. A credulidade tem rosto e tem pensamento! Enquanto meu vizinho arruma a torneira barulhenta dele, a moça perdida em suas angústias se encontra com Deus numa pequena reunião da Igreja, um bebê é abandonado pela mãe, um homem de cinquenta anos baila em frente a praia ao som do brega, o calouro de advocacia levanta peso na academia, sua namorada procura o conselho da amiga sobre como terminar o namoro, meu primo faz aniversário, a lua se levanta entre as estrelas enquanto os gatos observam quem passa na rua e eu continuo tossindo depois da gripe… Enquanto tudo isso acontece pergunto a Rodolfo o que a tradição cristã reformada pode acrescentar à proposta de redenção das artes apresentada pelos irmãos católicos no século passado. Murilo Mendes, Tasso da Silveira, Jorge de Lima, Cecília Meireles e outros deram fôlego novo, modernista, às aspirações religiosas da nossa poesia e deixaram um legado importante para nós. Resta saber o que pode ser acrescentado principalmente pelos evangélicos hoje mais perto dos livros, do conhecimento, das artes, cada vez mais animados com a faculdade e cursos diversos que necessariamente não obedecem o famoso “espírito do capitalismo” tão aliado à proposta reformada de serviço e dinheiro – progresso, lucro e vocês sabem do que eu estou falando… Bem, o que os artistas evangélicos podem construir em cima dessa plataforma deixada pelos católicos?
Começo este parágrafo citando o que pensa Rodolfo Amorim, meu amigo e mentor, a respeito da proposta evangélica. Ela “ tem um lugar para os temas existenciais sob a categoria do tempo, mas não se priva de declarar como em muitos salmos as glórias da realidade criada e da abundância de vida do Criador. A tendência em se fixar sob a categoria do tempo pode tornar nossa percepção da vida um tanto sombria [tema recorrente em alguns católicos], sem um chão ou um cenário de localização de Deus além de nossa condição subjetiva universal. Assim, existe uma abertura para o entendimento da realidade lá fora, na multiplicidade de tons, cores e texturas e nas nuances de uma criação cheia de glória e de revelação, mas que já não conseguimos captar. A vida que estamos perdendo está por aí, e não se encerra em nossa subjetividade e anseios individuais e esperanças. Um exemplo interessante que sempre cito é o quadro de Jan Steen, Celebration of a Birth” [veja a seguir].
Posso dizer que diante de tudo que já li sobre a riqueza do ambiente protestante no ramo das artes, o cotidiano é sim o grande objeto pintado e representado pelos gênios daquela época; a “cena principal” da nossa história acontece não nos abismos da abistração, mas em comunidade. As nossas subjetividades são ampliadas quando voltamos a enxergar a beleza que existe no mundo. Imagine, seria esse o caminho: voltar à torneira do vizinho, falar da moça perdida em suas angústias que se encontra com Deus numa pequena reunião da Igreja, o bebê que foi abandonado pela mãe, aquele cinquentão dançando ao som do brega em frente a praia, o calouro de advocacia levantando peso na academia igual um idiota enquanto sua namorada procura conselhos pra terminar o namoro, o meu primo que fez aniversário, a lua se levantando entre as estrelas enquanto os gatos observam quem passa na rua e a tosse que não passa mesmo depois de tantas palavras? Seria tudo isso transparência para aquela inconfundível Graça de um Deus bondoso e presente?
Marcos Almeida
6 Comentários
Igor José
31 de março de 2012Aplausos!!!!!
O véu da ignorância está sendo arrancado calmamente e de pouco em pouco estamos conseguindo enxergar o horizonte claro e alcançável a nossa frente.
A arte (poesia) está em todos os lugares, atos e fatos, a começar na criação do mundo quando Deus fez surgir tudo do nada e modelou com a sua palavra tudo o que conhecemos hoje e principalmente o que somos.
Deus é arquiteto, é escultor, é poeta, é estilista, é chef de cozinha ( lembra do maná que desceu do céu?) e por aí vai.
O anseio pelo belo passou de Deus para nós e mesmo com a deformidade causada pelo pecado no ser humano, ainda é possível enxergar as belezas da vida através da fé, um importante combustível para a arte e pelo meio do qual nos valemos para expressá-las.
Fé, esperança e poesia sempre.
Deus abençoe Marcos!
Juliana Rodrigues
31 de março de 2012Na minha opinião, não há nada mais rico do que o cotidiano, a vida do ‘ser social’ – que ainda se encanta com essa vida – para fazer valer e mostrar a arte que está nela. Por outro lado, há uma arte que parte daquela experiência que só pode acontecer de dentro pra fora, e é subjetiva, é individual. E quando é expressa, alcança (e pode até mudar) a sociedade por sua beleza, seu espanto, sua transcendência…
Eu sei… Há uma luta entre Durkheim e Weber neste comentário… É a busca por este equilíbrio que tanto precisamos.
Enfim…
Mais uma vez, obrigado por me fazer refletir…
Sempre muito bom!
Paz,
Juliana Rodrigues
Vanessa Santos
31 de março de 2012Uma arte que mostra o Emanuel, o Deus conosco, aqui, no meio do trivial… Parece que o caminho é mesmo por aí.
Abraço!
Fernanda Macedo.
31 de março de 2012êita!!!!
E Viva o existencialismo…enfim algo que saia de denúncias do meio cristão ou dos tantos blogs sem função…
Vida Longa!!!!
^^
Tiago Balbino
19 de abril de 2013o Eterno nos criou para o cotidiano e nada podo negar isso, a doce amizade dEle é a essência de existir e prosseguir em uma vida plena.
Nossa Brasilidade » Adélia Prado / Aula Magna: o poder humanizador da poesia.
23 de abril de 2013[…] a pessoa se dar conta de que todos nós, artistas ou não, pobres ou ricos, só temos o cotidiano, o cotidiano de todo mundo é absolutamente ordinário. A cada um de nós, cabe a vida comum, o cotidiano. E eu […]