Chove chuva
As imagens dessa água que cai das nuvens segundo os poetas, os artistas e o texto sagrado.
As crianças brincam na rua alagada. Seus pais choram sobre a casa inundada e lamentam a perda dos móveis. O playboy marombado e anestesiado corre sem camisa no calçadão enquanto carros desnorteados entram na contramão da avenida fugindo da água que transformou em rio as ruas paralelas. A cidade está um caos e eu aflito, abandonando o carro na beira-mar, tento proteger a esposa, sua irmã e a cunhada. Moro em Vila Velha e nunca vi tanta água desabando das nuvens.
Conto uma parte das 5 horas de desespero que passamos na quinta-feira dia 19 de Dezembro. Não se parece em nada com o que nos conta o poeta santista Ribeiro Couto.
Chuva
A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo… Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora…
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.
Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta…
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.
Dentro de nós existe uma tarde mais fria…
Ah! Para que falar? Como é suave, branda,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando…
Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.
Chove dentro de nós… Chove melancolia…
Os versos de Ribeiro Couto me levaram ao Lobão e o seu “chove lá fora e aqui faz tanto frio”. Mas, foi o hino “Chuva de bênçãos”, recordado pelo meu sogro na noite do temporal, que me ajudou a tirar da cabeça aquela ideia besta de que o céu estava sacaneando a gente. “Chuvas de bênçãos, chuvas de bênçãos dos céus, gotas somente nós temos; chuvas rogamos a Deus”. Por que, então, não olhar para o temporal de outra forma? Como a água que vem nos limpar e mudar a terra. Mostrando o orgulho das cidades e seus pecados ecológicos.
Acima de tudo, as chuvas do verão são um convite parar nós: ei, o que vocês estão fazendo? Apresentem suas expressões práticas de amor! Lembram o que os “bárbaros” da ilha de Malta fizeram a Paulo, um estrangeiro e missionário cristão? “Os bárbaros trataram-nos com singular humanidade, porque, acendendo uma fogueira, acolheram-nos todos por causa da chuva que caía e por causa do frio”. Que essas chuvas sejam lembradas, sobretudo, pelas simples fogueiras que fizermos. Que essa chama seja mais insistente que a água. Feliz Natal!
Marcos Almeida
3 Comentários
Alessandro Baltieri
29 de dezembro de 2013Cara que profundo! Quão agradável é olhar pra uma paisagem lá fora, algo que nos impulsiona a sair e abraçar toda aquela natureza esplendida! Difícil é olharmos pro temporal e sentir aquela mesma vontade imensurável de sair.
Olhemos as tempestades como um olhar esperançoso.
Um abraço de um admirador.
Alessandro Baltieri
Jamile Soares
26 de abril de 2014Profundo! Difícil olharmos para a chuva em algumas circunstâncias da vida, independente das situações temos que aprender sim a encarar o temporal das nossas vidas, são muitas vezes como a chuva, fina, outras vezes não e assim vai.. devemos aprender a tirar proveito dela independente de sua intensidade.
Jamile Soares
isis
12 de julho de 2014Nossa q legal..q ponte ..nunca havia pensado sobre aquela chuva na ilha de Malta !Deus continue te abençoa ndo