11 de Janeiro / Antonio Cicero

Postado por: em jan 11, 2012 | 1 comentário

                                                                                                                          Onze

 

 

Guardar

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.

Em cofre não se guarda coisa alguma.

Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fita-la, mirá-la por

admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por

ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,

isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro

Do que um pássaro sem voos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,

por isso se declara e declama um poema:

Para guarda-lo:

Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:

Guarde o que quer que guarda um poema:

Por isso o lance do poema:

Por guardar-se o que se quer guardar.

 

 

(Antonio Cicero)

Idealizador do “Banco Nacional de Idéias”, Antonio Cicero é poeta e pensador. Palestrante em vários encontros filosóficos pelo mundo a fora, continua trabalhando a palavra entre o lirismo e a razão, testemunhando que poesia e filosofia moram debaixo do mesmo teto.  Sua poética também virou verso de várias canções – mais de 100.

09 de Janeiro/ Carlos Saldanha

Postado por: em jan 9, 2012 | 1 comentário

                                                                                                    Nove

                                          SHEN HSIU

Havia um monje

Que lustrava a careca

Para que sua cabeça

Fosse como se um espelho:

Refletisse tudo

E não guardasse nada.

 

( Carlos Saldanha)

Não. Este aqui não é o produtor do filme a Era do Gelo. O Saldanha dessa brilhante tira poética faz parte da já mencionada Geração Marginal (aqui representada pelo Francisco Alvim – 08 – e Chacal – 05). Apareceu com esses dois senhores na famosa antologia “26 Poetas Hoje” organizada por Heloisa Buarque de Hollanda em 1975 no Rio de Janeiro. (Há muito tempo atrás não é?)

 

 

08 de Janeiro / Francisco Alvim

Postado por: em jan 8, 2012 | 3 comentários

                                                                                                 Oito 

  Em cima da cômoda

  uma lata, dois jarros, alguns objetos

  entre eles três antigas estampas

  Na mesa duas toalhas dobradas

  uma verde, outra azul

  um lençol também dobrado livros chaveiro

  Sob o braço esquerdo

  um caderno de capa preta

  Em frente uma cama

   cuja cabeceira, abriu-se numa grande fenda

   Na parede alguns quadros

 

    Um relógio, um copo.

 

                                            ( Luz – Francisco Alvim)

Prêmio Jabuti

 O cotidiano deste diplomata aparece aqui não como resultado duma alma sem grandes esperanças; o que o levaria, segundo alguns,  a se concentrar em cadernos, camas e cabeceiras. Ele pertence a uma geração de poetas que viu brilhar esse feixe de luz sobre as coisas simples da vida. A leitura que faço passa por esse re-encontro com a experiência pessoal do dia a dia; uma oportunidade de tocar aquilo que está a nossa volta.

 

06 de Janeiro / Guimarães Rosa

Postado por: em jan 6, 2012 | 1 comentário

                                                                                                                            Seis

 

O Sertão de Guimarães Rosa é cheio de variações, de personagens que saltam do texto quase que palpáveis por serem todos soprados pelo próprio povo das Gerais. Povo de poesias… Aqui vai um pequeno trecho onde Riobaldo fala da alma e de ‘muita religião, seu moço!’. Um recorte precioso que exemplifica o sincretismo da nossa gente.

Como bem lembrou Gedeon Alencar, misturado somos todos. O protestantismo brasileiro [ representado a seguir pelo Matias-crente-metodista] também é miscigenado sim senhor; mas beber catolicismo, Cardéque e a religião de John Wesley  no mesmo copo é de um paladar e duma sede que só poderia aparecer em Riobaldo – figura legítima de uma brasilidade que ainda está aí.  Sem mais, com vocês, a lavra de Guimarães Rosa:

 

 

“ Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma… Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável.”

Escritor, Diplomata, Médico e Gênio.

05 de Janeiro / Chacal

Postado por: em jan 5, 2012 | 2 comentários

                                                                                                                                Cinco

Vivo e ativo. Poeta. Marginal – por que o centro velho estava sério demais? Talvez sim. E ele consegue tirar o riso com uma graça incomum. Sua palavra fluente nos aproxima do dia a dia, um cotidiano diverso e cheio de humor. Ele se chama Ricardo, mas, para a literatura e a música: Chacal.

 

Prêmio APCA ( Associação Paulista de Críticos de Artes ) 2008

    Veio uns ômi di saia preta
cheiu di caixinha e pó branco
qui êles disserum qui chamava açucri

             Aí êles falaram e nós fechamu a cara
depois êles arrepitirum e nós fechamu o corpo

           Aí êles insistiram e nós comemu êles.

•••

uma

palavra

escrita é uma

palavra não dita é uma

palavra maldita é uma palavra

gravada como gravata que é uma palavra

                                                             gaiata como goiaba que é uma palavra gostosa

    (Papo de índio – Chacal)