Até a febre passar
Quando nos tornamos refém do “presente absoluto” e ficamos sem memória.
A Giselle Beiguelman escreveu um excelente ensaio na Select de Novembro em cima de uma pergunta: “que memória estamos construindo nas redes?”. “Presente mais que absoluto” é o título do seu texto que termina com o seguinte parágrafo:
“As redes sociais não serão eternas e é possível que não comemoremos os 20 anos do Facebook. Outros dispositivos virão. Mas, no tempo da apropriação corporativa da memória, em que o capital afetivo de nossas relações pessoais fui pelos canais do império de Mark Zuckerberg, parece urgente perguntar: onde ficaram os suspiros, tristezas e felicidades que deixamos nas comunidades do Orkut (a “velha” rede todo-poderosa do Google)? É hora de pensar nisso ou salve-se quem puder” [pág. 47, select, nov/dez 2013]
Nessa hora lembrei que já tive (e ainda tenho) um perfil (?) no Orkut e fiquei curioso pra saber o que tinha acontecido nesse passado tão distante.Uma parte da minha memória estava lá! Acabei encontrando um scrap, ou atualização, que escrevi por lá em janeiro de 2006!!! Dois mil e seis!Você tem noção de quão longe e perto estamos de dois mil e seis?! Compartilho alguns trechos:
“Scraps…..Scraps. Pedaços de alguma coisa. Estou meditando sobre essa febre mais potente que a febre aviária.Como o vírus não me pegou, queira Deus,posso te dizer: Todo lugar que eu vou o povo está falando desse tal de scrap!
…..
Pensei numa figura metafórica para o scrap. Ele é como uma pipoca de microondas, fica pronto rapidinho e você pode saborear vendo um filme e quem sabe oferecer um bocado pra pessoa ao lado. O scrap-pipoca é “para não deixar a amizade esfriar”, como diz uma amiga. Agora, se o que se pretende oferecer ao amigo, for um prato mais sofisticado – tipo aquela sopa da vovó- aí o orkut não serve mais… Sopa é para ser saboreada com tempo, degustar sem pressa…. Aí, que por via das dúvidas mantenho meu Orkut numa boa, participo das comunidades, mando pipocas quentinhas para meus amigos,mas quando o assunto for mais que um “oi, ……” 🙂 prefiro o e-mail. Se for pipoca o orkut é o balde ideal. Se for sopa da vovó sirvo na louça, sirvo num prato melhor, mando um e-mail.
Viva a internet! Viva o Orkut! Viva até a febre passar.” (num lugar chamado Orkut, 08/janeiro/2006)
Em outra parte do texto, A Giselle provoca outra vez: “diante da avalanche midiática que produzimos cotidianamente no Facebook e em outra redes sociais similares, como escolher o que será guardado?”. Estou assustado com tudo isso. Ainda pensando sobre o assunto, divido essa questão com vocês. Quando o Facebook acabar, quando essa outra febre passar, alguém ainda terá interesse pelo dia anterior?
Nomes & Rótulos
Um nome, a primeira vista, tem menos informações que um rótulo. Um nome é, a primeira vista, mais impreciso. Daí vem o rótulo dar à embalagem aquilo que dizem extrapolar o nome do produto. O rótulo parece que é mais.
No rótulo que envolve a embalagem você encontra além do nome, a marca, o fabricante, os componentes, o tempo, a data, a fórmula… Olha o rótulo! Tantas coisas (in)úteis estão ali para classificar certo produto…
Quintana dizia que um nome surge da necessidade de “batizar pessoas e livros”. Inclua aí a música, seu poeta!
Nome é coisa de família. Rótulos são feitos para produtos. E quando seres sem alma pedem às pessoas: por favor, mostrem seu rótulo, não estariam cometendo uma grande ofensa?
Pessoas não são produtos. Nomes são maiores que os rótulos. Livros e músicas não cabem em nenhuma embalagem.
Mas, a música desde o início do século passado é tratada sem cerimônia como item da indústria, não é não? Não seria um produto tudo aquilo que é vendido em prateleiras de supermercados?
A música, não se enganem, não cabe em embalagens. Não cabe não. O que compramos são pedaços de plástico, caixas acrílicas, envelopes de papelão. O que aparece nas lojas de música são discos, estojos, bolachas; é o fruto do trabalho do cortador de acetato.
A música, cuidado, não cabe em embalagens. Aqueles nerds já tentaram encapsular sons e canções em super recipientes digitais de siglas esquisitas: ogg, mp3, wav, flac, aiff, aac… Dizem que a música cabe ali. Não cabe não. O que aparece nos nossos computadores são apenas dados armazenados em blocos, são codecs e ficheiros: é o fruto do trabalho de algum engenheiro obstinado.
Uma música é maior que seu nome! E olha que nome é coisa grande. Mas, se a música tem nome de batismo, fica combinado de agora em diante, que essa música dispensa qualquer rótulo e apelido.
Marcos Almeida
Eles começaram a inventar
O que será que pode acontecer quando alunos da USP, IFRN e UnB começam a pensar numa Música Brasileira de Raiz Cristã ?
Recebi um e-mail muito curioso. Um jovem estudante da USP compartilhava sua vontade de escrever um artigo, onde aplicaria as teorias de comunicação ao analisar a indústria cultural brasileira. Pediu algumas sugestões de temas, o que fiz de imediato. Disse a ele, por que você não escreve sobre essa falácia da indústria cultural brasileira, resumida nesses três pontos:
a) música gospel é todo e qualquer gênero musical de confissão evangélica
b) música religiosa é todo e qualquer gênero musical de confissão católica
c) toda e qualquer confissão religiosa não cristã é “cultura brasileira”.
Bem, o mais curioso ainda é que o rapaz aceitou o desafio e escreveu o tal artigo. A Escola de Comunicação e Artes da USP deve estar lendo agora a tese que foi apresentada pela primeira vez aqui no Blog e que agora começa a fazer sentido para acadêmicos pelo Brasil a fora. A ideia é simples e foi resumida assim pelo rapaz:
“Este artigo proposto na disciplina Teoria da Comunicação se dedica a explanar o mercado musical brasileiro, considerando seu repertório como meio de comunicação que promove integração e desenvolvimento, mas destaca a logomaquia no dualismo gospel/secular que revela as contradições produzidas pela indústria cultural e propõe uma solução na adequação morfológica de gospel para música brasileira de raiz cristã. Para tanto, apresenta breve histórico a respeito da arte e religião, fazendo referência às correntes filosóficas de cada época, expõe a atual situação do mercado musical brasileiro apontando sobre que estruturas e interesses este é condicionado e aponta um pós-movimento-gospel.”
[Victor Gomes Barcellos – A logomaquia do mercado secular/gospel na Música Brasileira, Dezembro de 2013]
Victor na USP, Marina na UnB, Alyne no IFRN (ainda falo delas) e tantos outros espalhados pelo Brasil, começam a produzir conhecimento e levar a sério a nossa tese de que nesse tanto de brasis misturados na amálgama brasileira, existe o Brasil dos que produzem arte, música, cultura, entretenimento, etc…, a partir de uma visão de mundo cristã. Certamente essa produção não cabe no que se convencionou chamar, por diversos interesses extra-artísticos, de mercado religioso.
Recebo essas notícias no mês em que um artigo meu foi parar na coletânea “Formação Sociocultural e Ética” do CESUMAR (Centro Universitário de Maringá). Bons motivos para comemorar! E estamos apenas com dois anos de Blog.
Bons ventos!
Deus nos guie.
Abraço demorado e especial para os leitores que não só curtem a página, mas já partiram para a invenção!
Marcos Almeida
Os Discursos e as Vivências
Até que ponto a fé do compositor afeta sua obra? Vinícius de Moraes e Maria Bethânia num estudo de caso.
Foram muitas as ocorrências de um discurso religioso, ou ao menos de algum tipo alusão a uma espiritualidade nas músicas selecionadas.
Contando Palavras
Se o conceito de secular significa “o lugar onde Deus não é lembrado”, não existe música secular no Brasil.
Registro palavras que ouvi durante a viagem. Uma jornada que me manteve inteiramente atento à paisagem sonora da canção popular.