08 de Fevereiro / Manoel de Mello
Trinta e nove
O que um grande missionário do movimento pentecostal, no final da década de 80, pensava a respeito do Brasil?
Leiam:
“Em julho de 1989, um mês antes de completar 60 anos e dez meses antes de morrer, o chamado missionário Manoel de Mello, em uma grande concentração em praça na cidade de Tatuí, São Paulo, lançou farpas para todos os lados:
O Brasil é conhecido lá fora como o país do Carnaval, o país do futebol, o país da feitiçaria, o pais dos governos larápios e ineptos, o pais mau pagador, o pais de mau caráter e caloteiro…
Roma está entregue à idolatria, o prefeito de Roma é comunista, o parlamento de Roma aprovou o aborto e o chefe de Roma ficou de boca aberta sem poder fazer nada…
A solução do Brasil não vem de Roma, não vem da Itália, não vem dos Estados Unidos, não vem da Rússia, nem da Alemanha nem do Japão. A solução do Brasil só pode vir das mãos de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo!”
(pág. 135 , História da Evangelização do Brasil, Elben César)
Carnaval, futebol, feitiçaria, corrupção, calote, idolatria, aborto… o que mudou, o que ainda não mudou [ou] o que deveria ficar do jeito que está? As últimas pesquisas revelam que muito dessa imagem já foi transformada nestes 21 anos – obviamente isso não se deve só à política e a economia . No entanto, Manoel de Mello está certo, essa nossa brasilidade só será inteiramente elevada quando assumirmos que o centro da nossa experiência está no coração, esse lugar onde o Eterno e o humano se encontram, e ninguém nunca poderá conhecer mais a respeito do coração que Ele, o Deus encarnado.
Já imaginou se a gente desse razão a Ele!? Isso mata qualquer racionalista radical. Fica a provocação. Fica aliás uma “coincidência” para os pessimistas: essas mudanças na imagem do Brasil se dá num tempo onde toda uma geração sincera se voltou pra Ele sem medo de ser feliz!
Pensem nisso.
Até amanhã!
06 de Fevereiro / Caetano Veloso e sua “Língua”
Trinta e sete
Resta-nos a invenção e uma nova sintaxe! O jeito brasileiro de falar português já nos foi dado, e agora o que faremos nós com esse tamanho de dádiva? A língua africana embrenhada com a fala indígena e a gramática lusitana se misturando, entrelaçadas elas mesmas no encontro dos portos, na visita do estrangeiro. Esse é o tabuleiro. Essa é fôrma onde fizeram a cocada: essa língua deliciosa e totalmente brasileira. Resta-nos a invenção e uma nova sintaxe!
Enquanto vocês pensam nisso. Vamos ler, assistir e ouvir o professor Caetano Veloso nesta estonteante versão de “Língua” – uma obra prima do seu disco Vêlo de 1984.
Língua
Caetano Veloso
Gosta de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala Mangueira! Fala!
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem
05 de Fevereiro / Roberto Diamanso
Trinta e seis
Do álbum “Plantas e Habite-se” vem esta belíssima canção que vamos ouvir a seguir. Hoje o Nossa Brasilidade recebe a poesia, a sensibilidade e a economia lírica de Roberto Diamanso, cujos versos se apresentam sem desperdiçar palavras, sem deixar de nos surpreender com os sons dessa riqueza nordestina.
O fraseado modal é fluido e vai se sustentando em harmonia mansa, como um riachinho raso, límpido e largo no meio dessa barulheira semiárida que é a canção industrializada. Vamos respirar e apreciar essa paisagem que Diamanso criou. Aproveitem.
Nossos novos atos
(Letra e Música : Roberto Diamanso)
Que bons ventos o trazem amigo,
Que bom te ver por aqui.
Sim. São os bons ventos
O sopro pneuma, o ar.
Olá, com o ar de quem traz
Boas novas chegando por aqui.
Avia vai lá chamar os irmão,
Vamos armar nossa tenda
Na grama do jardim trazer
Nossas riquezas a uma mesma mesa.
E repartir, medir boa medida,
Recalcada, sacudida.
Dá, dá e dar-se-vos-á
Com a mesma medida que medirdes, medi.
(Vozes: Roberto Diamanso,Odilio,Jonathan,Márcia)
Para ouvir clique aqui: 02 Nossos Novos Atos
01 de Fevereiro / Mais perto do Infinito
Trinta e dois
Meu capital intelectual está muito bem investido em amigos como Guilherme de Carvalho, Rodolfo Amorim, Simonton Araújo e Raquel Araújo – para citar os mais próximos. É que sempre que deposito uma fração irrisória de alguma ideia em suas ações, eles me devolvem quantias substanciais de saberes valiosos!
Este texto é inspirado numa referência que Raquel me trouxe ontem a noite. Enquanto lia certa coletânea de artigos, ela percebeu num texto de Márcio Seligmann-Silva algo relacionado ao Nossa Brasilidade. Como é generosa, não demorou a twittar a frase, e como é minha vizinha (e cunhada) resolveu visitar a irmã mais linda que tem e não veio de mãos vazias; trouxe o livro para eu folhear. Claro, fiz mais que isso, tirei uma cópia e li o artigo todo – uma maravilha.
Entre outros insights, esse artigo expos a já conhecida fragilidade da linguagem objetiva quando ela tenta traduzir o mundo dos fatos. A realidade, a experiência e principalmente o exagero de certos objetos transbordam este copo raso da representação. É maior que ele. Daí nasce a necessidade do simbólico e da metáfora.
Para reforçar essa constatação, o escritor cita, nesse momento, Schlegel:
“A necessidade da poesia nasce da impossibilidade da filosofia em expor o infinito”
Já estamos no primeiro dia de Fevereiro e há 31 dias assistimos essa vontade de tocar o Infinito sendo estampada nos recortes da nossa literatura. Para não perder o costume, e certo de que a aventura só está começando, aqui vai mais um:
CENA 32
BASTIDORES DO PALQUINHO / INTERIOR / TARDE
Ainda no mesmo povoado, Quirino representa sobre o palquinho um de seus costumeiros números de plateia. Parte de sua cena é vista dos bastidores, onde Maria e Rosa se despedem.
ROSA
Espera o espetáculo acabá…
MARIA
Meior, não.
ROSA e MARIA olham-se e se abraçam. ROSA começa a chorar.
MARIA
Chora, não Rosa!
E também desaba no choro.
ROSA
Choro , sim, Maria, purque é duro chega no fim das coisa.
MARIA
Depois do fim tem sempre mais caminhá! E amizade é riqueza que num se perde.
As duas se abraçam com força.
ROSA
Que o bom caminho se abra pr’ocê pelo mundo!
MARIA
Pra ocê tomém. E que a gente mereça trilhá até o fim do que nunca termina.
Maria enxuga as lágrimas e sorri para Rosa. Pega um embornal com uns poucos pertences e se afasta. Rosa enxuga as lágrimas.
(Hoje é dia de Maria – Da obra de Carlos Alberto Soffredini / escrito por Luís Alberto de Abreu e Luiz Fernando Carvalho)
29 de Janeiro/ Carlinhos Veiga
Vinte e nove
Uma amiga do Palavrantiga brincou com a sincronicidade de fatos desses últimos meses: lançamos a música “Sobre o mesmo chão”, Lenine chega com o álbum minimalista “Chão”, e o nosso caipira presbiteriano Carlinhos Veiga finalmente compartilha seu dvd, cujo título é “Chão”.
O paralelo com o universo sacana do funk carioca foi logo colocado por ela mais como uma brincadeira (Chão, chão, chão, chão, chão, chão), no entanto, não deixa de ser verdade que todos nós estamos apresentando aí nas canções o que de fato sustenta os nossos pés, a poeira da nossa estrada, o chão de cada um, o caminho que cada artista tem trilhando nessa vida.
Ontem a noite, tive a oportunidade de assistir o show de lançamento do dvd “Chão” aqui em Vitória. Uma noite calma, silenciosa, onde o Teatro Carlos Gomes se transformara numa varanda típica das casas de Goiás. Me senti um legítimo caipirão da roça. Coisa boa!
A música que me trouxe para o Blog, afim de escrever esse tópico, não fala de poeira ou de asfalto – a primeira vista (!) – mas, remete a uma tônica desse movimento de identidade que estamos vendo passar por aqui: de que não existe um tipo de Brasil apenas, mas centenas de brasis dentro do Brasil. Diversas experiências sobre este mesmo chão. O que vamos ler e ouvir a seguir é a versão de Carlinhos Veiga para essa certeza. Aproveitem:
Andando por essas terras
Conheci tantos brasis
Brasis diferentes
Brasis do Brasil
Brasil do Maranhão, Paraná e de Goiás,
de São Paulo, do Rio e de Minas Gerais
Ê! Meu Brasil…
Mas em todo canto
Brasil de canções
De alma, de vida,
De gosto, emoções.
Brasil de riquezas
Minerais, vegetais
De tremendas belezas
De culturas gerais
Ê! meu Brasil…
Um Brasil que luta
Apesar do não
De homens que insistem
Em pensar só em si
Brasil de justiça
Com jeito de ladrão
E terríveis farsantes
Que ganham eleição
Ê! Meu Brasil…
Brasil, até quando
Seus Brasis explorados serão
Brasil, até quando
As mentiras prevalecerão
É hora e tempo
De voltar-se prá Deus
Para que seus brasis
Se orgulhem de ser
Brasis do Brasil
(Brasis do Brasil, Carlinhos Veiga)