Sábado Sarau: Indústria da Música e o Projeto “Uma Noite em Recife”
Quarenta e cinco
No século passado, a indústria da música funcionava basicamente em cima dos seguintes elementos. Listo os essenciais:
– A Gravadora.
– O Diretor Artístico.
– Seu Estúdio de Gravação.
– O Artista.
– O Produto.
– A Distribuidora.
– A Propaganda.
– As Prateleiras.
– O Empresário do Artista.
– O Promotor de Eventos.
– O Público Consumidor.
Podemos dizer que, antes disso, quem viabilizava economicamente o ofício do artista era o mecenas (aristocracia, empresariado) ou a Igreja (protestante ou católica). Mas com a implantação da lógica industrial na esfera das artes e do entretenimento, a relação do artista com a obra de arte e seu público tomou outros contornos, mais parecidos com uma linha de montagem. Digamos que essa estrutura mencionada já enferrujou e em muitos aspectos já não funciona mais, principalmente depois da revolução da informação chamada Internet.
Pois bem, já estamos no século XXI há mais de doze anos! O Palavrantiga – banda que faço parte como vocalista, compositor e guitarrista – nasce nessa época, onde já se pode fazer música, empreender artisticamente algum produto e viabilizar financeiramente uma carreira, utilizando formas mais alternativas de sustentação. Redesenhando aquela estrutura, podemos pensar assim:
– O Artista
– A Arte
– O Público Interativo [Redes Sociais]
– O Mecenato Coletivo [individuos e empresas]
– As Diversas Formas de Gravação [Home Studio, Locação]
– A Distribuição Independente
– A Propaganda nas Redes Sociais [Radios sem jabá também entram aqui]
– O Produto sem Prateleira
– O Comércio Criativo
– O Promotor de Eventos.
– O Público Consumidor [Offline]
Sai dessa história os personagens: Gravadora, Diretor Artístico, Estúdio de Gravação da Empresa, Distribuidora e o sujeito chamado Empresário.
O público passa a formar par com o artista, participando inclusive do patrocínio de sua arte. É o que chamamos de mecenato coletivo; quando os seguidores do artista investem na confecção independente em troca de alguns benefícios exclusivos; deixam de estar na ponta extrema da indústria e são convidados a percorrer o ofício artístico desde o início da criação até o final, naquele momento comum da apreciação.
Sabendo assim que a gente decidiu chamar o público para sair da margem e entrar no rio. Deixar o lugar de apreciador para ser também patrocinador da arte que admira, se tornando assim cúmplice de um projeto, de uma profissão. Mas ,além disso, investindo em conteúdos e formas que abrem janelas para a nossa alma respirar outros ares, nessa nova época, nesse novo século.
O Sábado Sarau de hoje é Palavrantiga, “Uma Noite em Recife”. Conheça e participe desse sonho fora de linha!
Freyre se esqueceu da Festa? Mas não só ele.
Quarenta e quatro
A resposta de Gilberto Freyre no suposto documento citado nos comentários do último post não menciona o movimento modernista do grupo Festa (1927), dirigido por Tasso da Silveira, onde reuniam-se católicos engajados com as modernas fórmulas artísticas, bebendo da fonte viva da tradição simbolista, afim de expressar um misticismo luminoso e profundo.
“A resposta que ele chegou naquela época foi muito dramática; não, os cristãos brasileiros até então [1960] não haviam deixado um legado cultural” (Gerson)
O ‘Imperador das Ideias’ – como era conhecido Freyre – não ter considerado esse movimento digno da sua citação dentro do que chamamos “contribuição cristã na história da arte no Brasil” é por certo intrigante, já que quase todos os grandes livros sobre a história da literatura nacional (Bosi, Nejar, Massaud) reverenciam esse grupo como força importante dentro do modernismo brasileiro.
Não foi apenas Freyre quem se esqueceu da Festa. Essa ala de grandes estandartes como Cecília Meireles, Andrade Muricy, Tristão de Athayde, Henrique Abílio, Adelino Magalhães e Adonias Filho nunca foi mencionada em nenhum encontro de arte e espiritualidade que participei nesses últimos anos, onde tenta-se catar alguma referencia de engajamento na cultura como se estivéssemos órfãos de qualquer inteligência antecessora, como se estivéssemos sempre que começar do zero, inventando e reinventando a roda.
Nem precisa lembrar de Murilo Mendes, aquele que “jamais caiu em formas antiquadas de apologética”. Não precisa mencionar a contemporânea de Divinópolis, da cidade de Deus, lá das Minas, nossa Adélia Prado. Vamos ficar, por enquanto, apenas na década de 1930 tentando ouvir – como se fosse a primeira vez – esse canto místico de poetas cheios de fé!
Vamos pelos caminhos deste mundo.
Há visões de beleza imemoriais.
Das estrelas ao ritmo profundo,
Repetiremos passos ancestrais.
Vamos pelos caminhos deste mundo.
Há pratas ouros, sândalos, rosais.
Marcharemos ao ritmo profundo
Dos nossos pobres sonhos desiguais.
Do coração, ao ritmo profundo,
Seguiremos, serenos, sem alarde:
Nalgum porto remoto haverá paz.
Vamos pelos caminhos deste mundo.
Esquecerei que vieste muito tarde;
Esquecerás que vim cedo demais…
(Soneto XIII, Puro Canto, Tasso da Silveira)
Qual a marca dos cristãos dentro da história da arte no Brasil?
Quarenta e três
Fernando, leitor do Blog, enviou ontem a tarde um comentário muito oportuno sobre o post ópera Magdalena de Villa Lobos:
Semana de Arte Moderna, foi o grande evento que marcou a história da Arte no Brasil.
E no cristianismo, qual seria o grande evento que marcou a história do cristianismo no Brasil?
A primeira consideração que faço é esta: o seu comentário fala de duas histórias neste nosso horizonte temporal, aqui nas fronteiras do Brasil. História da Arte e História do Cristianismo. A Arte é um aspecto da realidade cujo núcleo de sentido é a Estética (norma da alusividade) e Cristianismo pertence à esfera Pística (norma da fé). Sabendo disso, seria inconsistente qualquer história que não diferencia as particularidades dessas modalidades que experimentamos no dia a dia – de forma inteira. O que podemos perguntar, sem achatar as estruturas soberanas de cada esfera, é o seguinte: qual a marca dos cristãos dentro da história da arte no Brasil?
Se você ler com carinho este Blog vai ver que tento responder essa pergunta diariamente. Provocando os visitantes, ensaiando opiniões e dando vários exemplos de autores e músicos que imbuíram na cultura marcas da sua criatividade sem perder a fé, nem a Esperança, nem o amor. Aproveito a deixa, Fernando, e compartilho outro grande nome do modernismo brasileiro, pertencente ao grupo Festa. Mário de Andrade fez o seguinte comentário a respeito dele:
Eu não sei nem me interessa saber a posição que assumirá futuramente na poesia contemporânea do Brasil, o canto claro e belo do poeta de O canto absoluto. Sei que, no momento, representa um fantasma quase insuportável, apavorando, castigando a maioria de nossas consciências individuais.
Seu misticismo incomoda muito poeta de grande porte até hoje!
O texto a seguir cita outros companheiros desse movimento que desejava mais que estética, queria o total e quem deseja o total não pode abrir mão da Fé. Aproveite a folia, Fernando! Tasso da Silveira de volta ao Nossa Brasilidade:
13 de Fevereiro / O Evangeliquês e o Português do Brasil: uma tradução possível.
Quarenta e dois
Graça e paz, tá amarrado, no óleo, fogo, na benção, xurias, unção, levita, Jesus Cristo tem poder, ministério de tempo integral, varão, misericórdia, vitória, promessas, manto, cajado, atribulado, reino, aleluia irmão (!), sapatinho de fogo, amado, amada, querido, querida, reconciliação,filho, filha, amor, força, cruz, vaso, gazofilácio , labasurianderá, glórias, shuu, ooww, uuuuhh, queima ele…
A variação linguística encontrada dentro das igrejas evangélicas atende às necessidades de comunicação específicas da comunidade protestante tupiniquim. Talvez o que você acabou de ler soe como uma língua estranha demais, por se tratar de realidades não experimentadas na sua existência, isso quer dizer que soar estranho nem sempre está relacionado ao vocabulário ou ao sotaque apenas, mas à origem, à necessidade e à experiência daquele que se utiliza da língua. Uma coisa sabemos, embora seja uma variação social do português, restrita a esse grupo, não deixamos de incluir essas expressões dentro do português brasileiro – elas fazem parte da nossa língua. Mas, seria possível falar em português-comum o que essa variação evangélica tão especificamente verbalizou? Esse é o nosso assunto de hoje.
Alguns já apelidaram o pequeno léxico evangélico de evangeliquês. Mas, o que importa neste momento é frisar que existe sim um pequeno vocabulário dentro do português brasileiro que atende prioritariamente à comunidade evangélica. Em segundo lugar é preciso discutir a possibilidade de tradução. Terceiro: para quê traduzir? Quarto: quem vai ser o tradutor?
Vamos direto ao segundo ponto porque o primeiro já está claro. Imagine; é bem provável que o sujeito que comeu macaxeira frita jamais saberá o que é aipim frito se alguém não o informar que aquela raiz é a mesma Manihot utilissima batizada com nome diferente. O sabor está na sua memória alimentar embora lhe falte qualquer necessidade de inventar novo nome para o sensacional tira-gosto. Pra que, gente? Macaxeira frita é o melhor nome que o sujeito encontrou, principalmente se ele for pernambucano! O mesmo vale para a pessoa que cresceu ouvindo que Manihot utilissima é aipim (caso dos capixabas). No entanto, não sei se você percebeu, se trata da mesma raiz, do mesmo prato, da mesma fritura. Existe o fenômeno igual com nome diferente. Eis aí a possibilidade da tradução: o fenômeno, a coisa, o objeto, a pessoa, a experiência comum!
Além disso, acreditar que o evangeliquês é superior ao português para expressar a espiritualidade do brasileiro é preconceito. Sim, preconceito diante da história da nossa língua comum e das outras variações linguísticas que nós temos. É acreditar que a língua do outro tem alguma deficiência, é viver pensando que as especificidades da nossa cultura não encontrará de forma alguma um vocabulário equivalente em outra tribo. Também implica em colocar a experiência comum da espitirualidade dentro das fronteiras do nosso gueto.
Agora, para que traduzir? Quando um alemão deseja se comunicar com um brasileiro, porque tem vontade de ouvir sobre o samba ou porque necessita filosofar, eles precisam escolher uma língua. Se de fato existe um desejo do crente evangélico se comunicar com as outras tribos da república é preciso encontrar um léxico comum e por que não o português comum? Por que não cantar música evangélica em português? Tradução só faz sentido para quem deseja aproximação, encontro e diálogo. Aquilo que lemos no início desse texto pode soar Deutsch para muitos brasileiros, mas, também sabemos que o nosso país mestiço, sincrético e híbrido é caso único no planeta, sem exagero, poderíamos chamá-lo de País do Encontro. Essa tradução, portanto, é possível justamente porque estamos no Brasil!
Quem será o tradutor?
A gente continua amanhã.
Marcos Almeida
09 de Fevereiro / Vinte e dois anos depois
Pra quem leu o post de ontem, está aqui a confirmação do que acabei de dizer:
O BRASIL AOS OLHOS DO MUNDO Veja – 02/01/2012
Pesquisa CNT/Sensus encomendada por VEJA em dezoito países mostra que os estrangeiros começam a vislumbrar novos contornos no país
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texto: Laura Diniz e Kalleo Coura
Alguns estereótipos resistiram bravamente ao tempo, mas o mundo já começa a ver o Brasil com outros olhos: ele está mais rico, mais influente e muito mais famoso. Continua simpático também. Aliás, simpaticíssimo, como mostram os resultados da pesquisa internacional CNT/Sensus , encomendada por VEJA. O trabalho contou com a participação de treze empresas de pesquisa internacionais. Lideradas pelo instituto, elas entrevistaram 7200 pessoas em dezoito países. Além do Brasil, os escolhidos foram: Argentina. Chile. Colômbia, México, Estados Unidos, Portugal, Espanha, França, Itália, Inglaterra. Alemanha, Rússia. China, Japão, Índia. Líbano e África do Sul. Com exceção da Índia (ver abaixo :visitar, sim. Já morar), todos veem o Brasil sob a mais favorável das luzes. Sobre os seus habitantes, a avaliação dominante é que são alegres, festeiros. Populares, agradáveis como turistas e queridos como vizinhos. Bons de bola, também, claro – na verdade, os melhores de todos os tempos no futebol (aqui, a afirmação teve uma única discordância: da Alemanha). Enfim, se o Brasil fosse um colega de trabalho, seria daqueles que todos querem chamar para tomar cerveja. E até, quem sabe, para falar de coisas mais sérias.
Metade do mundo já sabe que o Brasil é uma economia relevante e com viés de alta. E quase 60% acreditam que ele nunca foi tão influente na política nem tão ouvido nas mesas de negociação internacionais – ainda que, nesses campos, tenha colecionado bem menos vitórias do que derrotas, sem falar em um ou outro vexame (alô, Irã!). Boas impressões, no entanto, mesmo que não estejam lastreadas na realidade, são um ativo importante para qualquer país. Elas o tornam mais atraente, inclusive do ponto de vista econômico. “A boa imagem abre portas”, afirma o sociólogo Demétrio Magnoli. O filósofo Denis Rosenfield concorda com ele: “Ainda que, em alguns aspectos, a percepção positiva do exterior sobre o Brasil seja inexata, ela é boa porque dá ao país a oportunidade de se transformar naquilo que o mundo pensa que ele é”.
Nesse sentido, as expectativas dos estrangeiros em relação à capacidade nacional de organizar a Copa do Mundo de 2014 soam como um alento e uma esperança. Metade dos entrevistados sabe que o campeonato será sediado no Brasil (um porcentual bem menor sabe que o país receberá os Jogos Olímpicos em 2016, apenas 22%) e 73% confiam que o país está preparado para recebê-lo e fazer dele um belo espetáculo. Esse é o único item da pesquisa em que o Brasil foi mais bem avaliado pelos estrangeiros do que pelos brasileiros – apenas 49% destes dizem acreditar que o país está preparado para organizar a Copa. Em todas as demais questões da pesquisa, o proverbial otimismo dos brasileiros – tricampeões mundiais, por exemplo, no índice de felicidade futura, pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas para medir as expectativas de satisfação nos países – fez com que eles tivessem uma opinião mais favorável do Brasil do que quem olha o país de fora.
Passando para o capítulo das más notícias, das nem tão boas assim e das (apenas) relativamente positivas, o destaque fica por conta da assombrosa revelação de que, sim, a balela da “internacionalização” da Amazônia encontra eco no exterior. E ele não é fraco: 40% dos entrevistados declaram ser da opinião de que a região, por sua importância ambiental e pela riqueza de sua biodiversidade, deveria ser “preservada de acordo com regras internacionais” – e não segundo as leis brasileiras. Outros 12% afirmam ser favoráveis à internacionalização pura e simples, seja lá o que isso signifique. Assustador.
Fora isso, o Brasil é bonito e hospitaleiro, seu povo é um concentrado de virtudes hedonistas e todo mundo sonha em nos visitar um dia. Mas … nem todos, ou melhor, apenas 36% dos entrevistados gostariam de viver aqui – ao menos essa é a porcentagem dos que disseram considerar o país um lugar “bom” ou “muito bom” para viver. Para 40%, ele é apenas “razoável” (afirmação da qual, obviamente, discorda a maior parte dos brasileiros: 57% acham bom ou muito bom morar aqui).
Isso é sinal de que, mesmo encantados pela nossa simpatia e cordialidade, os estrangeiros não deixam de perceber as imensas lacunas da nação – aquelas que fazem da política externa nacional um exemplo de imprevisibilidade, reduzem a produtividade dos trabalhadores, travam o fluxo do progresso e impedem que o futuro do Brasil seja tão claro e luminoso quanto uma praia ensolarada. Não é de estranhar, tampouco, que a primeira coisa que vem à cabeça dos estrangeiros quando o assumo é Brasil não seja o etanol nem os jatos da Embraer, mas o futebol e o Carnaval- e aqui se chega à parte dos clichês resilientes (que incluem a massiva referência a Pelé como “o brasileiro mais famoso do mundo”). O cientista político americano Ronald Inglehart, professor da Universidade de Michigan, atuou como consultor da pesquisa encomendada por VEJA ao instituto Sensus. Sua conclusão: “O Brasil continua a ser conhecido muito mais, pela sua riqueza cultural e por suas proezas esportivas do que por seu dinamismo econômico e sua influência política”. Para mudar esse quadro, afirma, é preciso que ele convença o mundo de que não é apenas um país simpático, mas sério também.
CONHECIMENTO DO PAÍS
BRAZIL? OH, YES
Há dez anos, uma pesquisa do Sensus revelou que 85% da população mundial sabia da existência do “Brasil”. No ano passado, esse índice saltou para 94%. Isso equivale a dizer que, em uma década, cerca de 1 bilhão de pessoas foram apresentadas ao país. O número é igual à população da China.
Essa explosão de popularidade se deve, sobretudo, ao crescimento da economia. Quando um país conquista uma moeda forte e passa a ter uma economia previsível, ele exerce sobre o mundo uma atração quase gravitacional. Entre os países pesquisados, um dos que mostraram maior desconhecimento em relação ao Brasil foi a Índia – 8% dos entrevistados disseram nunca ter ouvido falar dele. Em compensação, foi também lá que a popularidade do Brasil deu seu maior salto nos últimos dez anos – passou de 55% para 80%. Para isso, pesou o fato de a Índia ser a terceira letra da sigla que virou sinônimo de investimento auspicioso no mercado externo – e que começa com “b” de Brasil. No caso dos donos das duas outras iniciais, o país já era bem conhecido. Em 2001, 90% dos chineses e igual porcentagem de russos diziam ter, ao menos, ouvido falar do Brasil. Hoje, nos dois lugares, o índice de conhecimento está em 95%.
A melhora da imagem do Brasil também foi realçada pela piora do cartaz da vizinhança. “O Chile era tido como o exemplo na América Latina, mas explodiu com a questão da educação. A Argentina continua sendo um grande ponto de interrogação. O México está mergulhado na guerra do narcotráfico”, diz Roberto Teixeira da Costa, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. “Com isso, o Brasil ganhou ainda mais importância no continente e passou a ser mais comentado no mundo””
ECONOMIA
LÁ VEM O BRASIL SUBINDO A LADEIRA
Praticamente metade do mundo (49%) hoje classifica o Brasil como é uma economia emergente. O resto erra para cima ou para baixo. Entre os entrevistados na pesquisa Sensus, 27% superestimaram a economia do país, ao classificá-lo de “desenvolvido”, e 15% disseram que ele é “subdesenvolvido” (o índice salta para tonitruantes 39% no Japão e 32% no Líbano).
Os termos “desenvolvido” e “subdesenvolvido” começaram a cair em desuso na década de 70. Desde os anos 80, o Banco Mundial passou a dividir os países em quatro categorias, de acordo com sua renda per capita: baixa renda (renda per capita anual de 1900 reais ou menos), renda média baixa (de 1 900 a 7400 reais), renda média alta (de 7400 a 22 800 reais) e alta renda (acima de 22800 reais).
O termo “emergente”, embora não exista oficialmente, pegou. É uma criação do mercado financeiro para designar países pertencentes à categoria “renda média alta”, e que, além disso, exibem boas condições macroeconômicas e indicadores sociais razoáveis – ou seja, prometem. Os europeus são os que mais conhecimento demonstraram sobre o status econômico do Brasil. Os que mais erraram (para cima) foram os nossos vizinhos da América Latina – 44% dos entrevistados acham que o país é desenvolvido. Para entrar para o clube dos ricos, no entanto, o Brasil precisa dobrar sua renda per capita – o que, em menos de duas décadas, não deve acontecer (leia a reportagem sobre o Brasil como a sexta economia do mundo na pág. 76).
AMAZÔNIA
UM EQUIVOCO TAMANHO GIGANTE
A “internacionalização” da Amazônia é uma falácia antiga. Começou em 1 850, quando o tenente da Marinha americana Matthew Maury reivindicou o livre acesso de embarcações estrangeiras ao Rio Amazonas. Na ocasião, o pretexto era geográfico – para o tenente, as dimensões oceânicas do rio eram suficientes para justificar a sua “desbrasileirização”. No século passado, nos anos 80, o discurso tomou outro rumo. Diante da crescente preocupação mundial com a degradação do meio ambiente, grupos com graus variados de má-fé passaram a defender a tese de que a Amazônia, por sua relevância para a manutenção do clima global e pela riqueza de sua biodiversidade, não poderia ser “deixada” sob os cuidados do país a que pertence (ou dos países, já que ela se estende por oito nações além do Brasil, que concentra 60% da sua área).
A pesquisa do Sensus mostra que, lamentavelmente, muita gente lá fora vem levando esse delírio a sério – 40% dos entrevistados afirmam que a Amazônia deveria ser administrada “de acordo com regras internacionais” e não em conformidade com as leis brasileiras. Mais do que isso, 65% se dispõem até a pingar um dinheirinho para ajudar no financiamento dessa administração exógena, cuja intenção elevada é “preservar a floresta”. Sobre isso, diz o cientista paraense José Matia Cardoso da Silva, vice-presidente executivo da Conservação Internacional, com sede em Washington: “Para além da questão óbvia da soberania, existe o fato de que o Brasil já adota muitos dos melhores padrões internacionais para a conservação da Amazônia. Ele hoje pode ser classificado como uma superpotência ambiental que ajudou a criar muitas das regras de conservação de florestas adotadas em diversos países”. O Brasil tem, por· exemplo, o maior conjunto de unidades de preservação e também de reservas indígenas do planeta. Até o desmatamento, que chegou a varrer em um só ano uma área de floresta maior do que a do estado de Sergipe, foi domado. Em 2011, ele chegou ao seu menor patamar desde o início das medições em 1988.
A floresta da mãe joana
Mais da metade dos estrangeiros acha que a importância ambiental da Amazônia é suficiente para que ela seja administrada de acordo com regras internacionais – e não brasileiras; 12% defendem a “internacionalização” da floresta .
COPA DO MUNDO
VAI QUE DÁ
Eis o único momento da pesquisa em que os estrangeiros demonstram ter mais confiança no Brasil do que os próprios brasileiros: 73% dizem acreditar que o país está pronto e apto para organizar e sediar a Copa do Mundo de 2014, contra 49% de nativos que têm a mesma opinião.
O país que mais confia na capacidade do Brasil é o Chile – 94% dos entrevistados de lá não têm dúvidas de que vai dar tudo certo. Para Roberto Piscitelli, professor da Universidade de Brasília, a confiança dos estrangeiros se baseia menos em uma avaliação propriamente objetiva do que numa associação inconsciente com o reconhecido talento brasileiro nos gramados. Para 46% dos entrevistados ao redor do mundo, os brasileiros são os melhores jogadores de todos os tempos. A Alemanha foi a única a declarar que os seus times são melhores do que os nossos. Mesmo assim, a opinião não prima pela convicção: o país apontou a superioridade da sua própria seleção por uma diferença de apenas 1,8 ponto porcentual em relação à brasileira.
Gol de placa
À exceção da índia, a maior parte dos países estrangeiros está convencida de que a Copa do Mundo no Brasil, em 2014, será um sucesso – 73% dos entrevistados acreditam que o país está preparado para receber o evento. Aqui, só metade da população acha que daremos conta .
INFLUÊNCIA MUNDIAL
A IMAGEM IMPRESSIONA
Fora das nossas fronteiras, o porcentual dos que creem que o Brasil nunca teve tanta influência nas relações internacionais e na política mundial é de 57%. É um índice inferior ao apontado na pesquisa pelos otimistas brasileiros (78% acreditam na afirmativa), mas ainda assim é alvo. O problema é o pouco eco que ele encontra na realidade. Do ponto de vista da diplomacia, por exemplo, o Brasil colecionou mais derrotas do que vitórias nos últimos anos. Das seis disputas por cargos internacionais relevantes em que entrou, saiu-se vitorioso em apenas uma, a que definiu o chefe da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, hoje o petista José Graziano. A lista de derrotas inclui os pleitos pela direção da Organização Mundial de Comércio (vencido pela França), presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimemo (Colômbia), chefia da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Austrália), secretaria executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Argentina) e diretoria de radiodifusão da União Internacional de Telecomunicações.
No capítulo dos acordos internacionais, nenhum vexame superou a tentativa protagonizada pelo ex-chanceler Celso Amorim de intermediar um acordo nuclear entre o Irã e o resto do mundo. O trato foi anunciado com foguetório e autolouvação, mas ruiu 24 horas depois, quando o Irã esclareceu que não havia recuado um centímetro em seus planos de enriquecer urânio. Mas nem esse episódio foi capaz de revender a impressão de que o Brasil está cada vez mais poderoso – o que não é necessariamente ruim. Como disse Thomas Hobbes, tem poder aquele que aparenta ter poder. Ainda que as aparências enganem.
Poderoso
57% dos estrangeiros e 78% dos brasileiros ouvidos acham que o Brasil aumentou sua influência no mundo.
AMÉRICA DO SUL
UM BOM VIZINHO
Para a maioria dos argentinos, chilenos e colombianos, o Brasil é um tremendo vizinho: além de não incomodar, contribui para o crescimento dos países da região. Trata-se de uma avaliação bastante positiva para uma potência regional cujas empresas estatais e privadas avançam desde os anos 70 para além de suas fronteiras – e que na última década expandiu fortemente seus investimentos na região. Dos três países incluídos na pesquisa, a Argentina é o que recebe o maior volume de investimentos brasileiros. Só nos últimos cinco anos, as empresas daqui injetaram mais de 5 bilhões de dólares na economia daquele país. Esse capital foi basicamente investido na instalação de fábricas que fortaleceram a indústria argentina e criaram empregos. Não por coincidência, é também a Argentina o lugar com o maior porcentual de entrevistados que dizem reconhecer os efeitos benéficos do Brasil na sua economia. O Chile e a Colômbia receberam investimentos bem menores: somados, eles equivalem a 16% do que levaram os vizinhos do Sul. Mas, nos dois casos, a boa percepção em relação ao vizinho brasileiro é reforçada pela tradição liberal dos países e pelo fato de eles serem menos protecionistas e fechados do que os argentinos.
Se, porém, a pesquisa tivesse incluído os andinos Peru, Bolívia e Equador, é provável que os resultados não fossem tão favoráveis ao Brasil. Nesses países, as empresas brasileiras estão envolvidas na exploração de petróleo, mineração e obras de infraestrutura, atividades politicamente sensíveis aos olhos daqueles governos, bafejados por ventos bolivarianos. Mas, por enquanto, o Brasil está longe de ser visto como expoente de uma espécie de imperialismo moreno. É, para todos os efeitos, um bom país para ter ao lado.
Imperialista, não
Diante do aumento da importância do Brasil na América Latina e no mundo, os nossos vizinhos nos veem mais como mola propulsora do desenvolvimento regional do que como exploradores potenciais.
TRABALHO
MUITO SUOR, POUCA PRODUÇAO
O brasileiro gosta de trabalhar? É confiável? A resposta nacional a essa questão da pesquisa foi um peremptório “sim”: 80% dos brasileiros acham que a população do país é “muito trabalhadora” e “confiável”. Ao redor do globo, no entanto, a opinião é um pouco diferente – apenas 59% das pessoas concordam com a afirmação. Outros 22% acham que o brasileiro não é muito chegado ao batente. Isso significa que ele tem de si próprio uma imagem muito melhorada e superior à realidade? Não nesse caso. Para especialistas, a discrepância entre as avaliações se explica por uma razão cultural e outra econômica. “Para o brasileiro, a virtude sempre esteve associada mais ao tempo e esforço despendidos no trabalho do que ao desempenho alcançado. Em países como os Estados Unidos, por exemplo, os fatores que contam são a produtividade e o cumprimento de metas”, diz Jorge Arbache, professor de economia da Universidade de Brasília. A cada hora trabalhada no Brasil, um funcionário produz, em média, 7 dólares. No mesmo período, um chileno produz l4 dólares e um americano, 37 dólares. Quando comparado a trabalhadores de outros países, portanto, o brasileiro é pouco produtivo – e isso não tem a ver com maior ou menor esforço braçal nem com os baixos níveis de educação dos trabalhadores, que resultam em produtos menos sofisticados e de menor valor agregado. A desvantagem brasileira é consequência também, e sobretudo, das amarras que travam o desenvolvimento do país, onde a logística ruim e a carga tributária elevada aumentam desproporcionalmente o custo final a de um bem – e isso afeta muito mais a produtividade do que um intervalo de uma hora para o almoço.
TURISMO E QUALIDADE DE VIDA
VISITAR, SIM. JÁ MORAR …
É mais ou menos como achar que existem mulheres para namorar e mulheres para casar. Embora 82% dos entrevistados considerem o brasileiro “alegre e hospitaleiro” e 49% afirmem que “certamente” visitariam o Brasil (como já fizeram 8% dos estrangeiros ouvidos na pesquisa), apenas 36% acham que ele é um país bom para viver. Entre os argentinos, a situação atinge o paroxismo: 67% declaram que adorariam visitar o Brasil, mas quase a metade (44%) acha que ele é um país apenas “razoável” para morar. Pior, questionados se recomendariam a um parente que trabalhasse ou estudasse aqui (a pergunta foi feita só nos países da América do Sul), 42% responderam que não. Sobre a imagem que têm do Brasil, 40% dos estrangeiros disseram que as primeiras coisas que Ihes vêm à cabeça quando pensam no país são ora, veja – Carnaval e praia. Ou, então – ora. ora, veja -, futebol. Outros assuntos lembrados, como “pobreza”, “Floresta Amazônica” e “desenvolvimento econômico”, tiveram empate técnico – nenhum ultrapassou a marca dos 5%. Isoladamente, o povo que mais associa o Brasil a “desenvolvimento econômico” é o francês: 16% dos entrevistados disseram ser essa a primeira coisa que lembram quando se fala no país. Ainda na Europa, os maiores entusiastas do Brasil são Portugal e Itália. Da Índia vem a mais incisiva mensagem de antipatia pelo Brasil: 24% dos indianos disseram considerá-Ia “muito ruim para viver”, 18% discordam que sejamos um povo “alegre e hospitaleiro” e 40% não querem nos visitar. Mas o que parece desamor é só desconhecimento. Hoje. 80% dos indianos declaram saber alguma coisa sobre o Brasil. Há dez anos, eram apenas 55%. No resto do mundo, o índice já alcançava 85%.
Melhor para passear
Embora metade dos entrevistados diga que adoraria visitar o Brasil, apenas 36% consideram que ele é um bom país para viver. Na América do Sul, 22% disseram que não recomendariam a parentes e amigos que viessem trabalhar ou estudar no país.