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Não toco Cartola mas sou brasileiro!
Você não precisa saber quem é Cartola para ter certeza da sua brasilidade. O grande nome da Mangueira talvez nunca ouviu falar de VPC, por exemplo, do disco “De Vento em Popa” – gravado em 1977 – na mesma época em que estava deixando o morro para morar em Jacarepaguá.
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A desaguar depois do movimento gospel: Mahmundi.
Ela está promovendo o reencontro do som com a dança. Atualizando os anos 80 pra nossa geração – que igual a ela – viveu a infância em década tão famosa pelos sintetizadores, danceterias e roupas bregas.
Antes da indústria já existia a fé, a religião, a igreja e a música.
Isso que vamos ler agora é a descrição de um hábito familiar. Estabelecido no período colonial (sec. XVI a XVIII), principalmente nos tempos onde se formou o sistema econômico em volta da casa-grande, com seus senhores de engenho polígamos e católicos. O que Gilberto Freyre – insubstituível mestre – nos informa aqui, faz a gente voltar às raízes da nossa cultura e constatar que a temática religiosa não era coisa só da missa ou dos poetas eclesiásticos: a fé chegou na casa dos brasileiros, virou letra para o som das cantigas e antes do que a gente imaginava já se cantava pra Deus, pra Jesus, para os santos e pra Maria. Olha, bem antes dos hinos protestantes desembarcarem nos portos. Bem antes da vitrola, bem antes da indústria – que indústria!? – não havia nada disso. Mas já existia a fé, a religião, a igreja e a música.
Quem sabe isso ajuda a clarear o que já falei por aqui: a fé não é invenção de um movimento industrial [gospel, carismático, auto-ajuda, místico, etc]. Se antes da industrialização já se cantava assim, depois dela como será? Bem, isso é coisa que temos proseado neste quintal …
Enquanto isso, vamos ler, este que dispensa apresentações, Gilberto Freyre:
“Nas cantigas de acalanto portuguesas e brasileiras as mães não hesitaram nunca em fazer dos seus filhinhos uns irmãos mais moços de Jesus, com os mesmos direitos aos cuidados de Maria, às vigílias de José, às patetices de vovó de Sant’Ana. A São José encarrega-se com a maior sem-cerimônia de embalar o berço ou a rede da criança:
Embala, José, embala,
que a Senhora logo vem:
foi lavar seu cueirinho
no riacho de Belém.
E a Sant’Ana de ninar os meninozinhos no Colo:
Senhora Sant’Ana,
ninai minha filha;
vede que lindeza
e que maravilha.
Esta menina
não dorme na cama,
dorme no regaço
da Senhora Sant’Ana.
E tinha-se tanta liberdade com os santos que era a eles que se confiava a guarda das terrinas de doce e de melado contra as formigas:
Em louvor de São Bento
que não venham as formigas
cá dentro.
escrevia-se num papel que se deixava à porta do guarda-comida. E em papéis que se grudavam às janelas e às portas:
Jesus, Maria, José,
rogai por nós que recorremos a vós.
Quando se perdia dedal, uma tesoura, uma moedinha, Santo Antônio que desse conta do objeto perdido. Nunca deixou de haver no patriarcalismo brasileiro, ainda mais que no português, perfeita intimidade com os santos. O Menino Jesus só faltava engatinhar com os meninos da casa; lambuzar-se na geleia de araçá ou goiaba; brincar com os moleques. As freiras portuguesas, nos seus êxtases, sentiam-no muitas vezes no colo brincando com as costuras ou provando dos doces.
Simonami / Jóia pra Alegria
Eu sou fã. Já disse outras vezes: eles conseguiram falar com doçura e espontaneidade do nosso cotidiano sem cair naquele fantástico mundo de Bobby. Estão aí cantando a Graça. Sim meu amigo, aí estão: Liu, Nane, Shandelle, Fernanda e Jean Costa dando um jóia pra Alegria.
Gravado no Asilo São Vicente de Paula, Curitiba – PR
Quer + , entre aqui.
A Tirania Clerical não quer saber de Poesia; séc. XXI.
A tirania é estabelecida pela força. Autoridade imposta arbitrariamente por uma facção social. Alguns poucos dominando e censurando o ofício alheio. No Brasil colônia isso se dava não apenas na esfera do governo com seus reis católicos e malucos, vice-reis, rainhas e príncipes, mas no campo das ideias os temíveis franciscanos (no século XVIII) colocavam para correr qualquer um que tentasse formar academias e grêmios literários ou científicos; tinham medo da sátira, tinham medo do conhecimento; tinham medo e por isso usavam a força…
Mas estamos no século XXI, e hoje é um dia estranho: o pessoal comemora o dia nacional da poesia. 14 de Março. E eu aqui lhe perguntando: como anda a relação entre os clérigos e poetas… Quantos pastores, bispos, padres, arcebispos e apóstolos já tentaram convencer poetas e escritores que esse negócio de letras, de beleza, de pensamento e invenção é uma grande frescura. Coisa de veado. Coisa de vagabundo. Coisas que não ganham almas, na maioria das vezes as perdem. O que o poder eclesiástico acha desse tempo que se inicia depois do movimento gospel, depois do movimento carismático, onde cristãos artistas se mobilizam em torno de outra agenda não religiosa? Será que vão continuar achando que isso é uma competição ao invés de olhar para a multiplicidade de formas e maneiras onde a Graça se manifesta?
Fiquem com essas perguntas.
Eu vejo um novo começo de era…
Feliz dia da Poesia.