07 de Janeiro / Gregório de Matos

jan 7, 2012 | One Comment

                                                                                             Sete

 

A cada canto um grande conselheiro,

Que nos quer governar cabana, e vinha,

Não sabem governar sua cozinha,

E podem governar o mundo inteiro.

 

Em cada porta um frequentado olheiro,

Que a vida do vizinho, e da vizinha

Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,

Para a levar à Praça, e ao Terreiro.

 

Muitos Mulatos desavergonhados,

Trazidos pelos pés os homens nobres,

Posta nas palmas toda a picardia.

 

Estupendas usuras nos mercados,

Todos, os que não furtam, muito pobres,

E eis aqui a cidade da Bahia.

 

 

( Gregório de Matos, descreve o que era realmente naquele tempo a cidade da Bahia de mais enredada por menos confusa)

 

O Poeta fora de Hábito!

 Um exemplo de como algumas paisagens demoram a mudar. Decassílabos do século XVII podem resistir ao tempo demonstrando que conselheiros sem testemunho, vigias, escravos, ladrões e fuxiqueiros atentos, acompanham a jornada de todos nós em todas as épocas. Uma única diferença entre a longínqua Bahia seiscentista e o mundo de hoje: Gregório de Matos sabia fazer o que a maioria dos blogueiros e twitteiros nunca aprendeu na vida: satirizar tocando lira. Valeu seu Gregório!

06 de Janeiro / Guimarães Rosa

jan 6, 2012 | One Comment

                                                                                                                            Seis

 

O Sertão de Guimarães Rosa é cheio de variações, de personagens que saltam do texto quase que palpáveis por serem todos soprados pelo próprio povo das Gerais. Povo de poesias… Aqui vai um pequeno trecho onde Riobaldo fala da alma e de ‘muita religião, seu moço!’. Um recorte precioso que exemplifica o sincretismo da nossa gente.

Como bem lembrou Gedeon Alencar, misturado somos todos. O protestantismo brasileiro [ representado a seguir pelo Matias-crente-metodista] também é miscigenado sim senhor; mas beber catolicismo, Cardéque e a religião de John Wesley  no mesmo copo é de um paladar e duma sede que só poderia aparecer em Riobaldo – figura legítima de uma brasilidade que ainda está aí.  Sem mais, com vocês, a lavra de Guimarães Rosa:

 

 

“ Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma… Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio… Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável.”

Escritor, Diplomata, Médico e Gênio.

05 de Janeiro / Chacal

jan 5, 2012 | 2 Comments

                                                                                                                                Cinco

Vivo e ativo. Poeta. Marginal – por que o centro velho estava sério demais? Talvez sim. E ele consegue tirar o riso com uma graça incomum. Sua palavra fluente nos aproxima do dia a dia, um cotidiano diverso e cheio de humor. Ele se chama Ricardo, mas, para a literatura e a música: Chacal.

 

Prêmio APCA ( Associação Paulista de Críticos de Artes ) 2008

    Veio uns ômi di saia preta
cheiu di caixinha e pó branco
qui êles disserum qui chamava açucri

             Aí êles falaram e nós fechamu a cara
depois êles arrepitirum e nós fechamu o corpo

           Aí êles insistiram e nós comemu êles.

•••

uma

palavra

escrita é uma

palavra não dita é uma

palavra maldita é uma palavra

gravada como gravata que é uma palavra

                                                             gaiata como goiaba que é uma palavra gostosa

    (Papo de índio – Chacal)

04 de Janeiro / Cecília Meireles

jan 4, 2012 | No Comments

                                                                                                                             Quatro

                      Palavras de Carlos Nejar: “[Ela] esqueceu as fronteiras da Modernidade, para o Eterno, o Intemporal…sua poesia é de transcendência… Raríssimos poetas da língua comum chegaram à [sua] altura órfica. Ou a tamanha serenidade. Por ter ela logrado: ‘Dizer com claridade o que existe em segredo’. E murmurar, como em segredo, o que existe de claridade.” Com vocês Cecília Meireles:

Premio de Poesia Olavo Bilac 1939

Aqui sobre a noite,
na cinza das pálpebras,
no meio das rosas,
no sono das aves,
nas franjas da lua,
nas imóveis águas,

aqui, sobre a tênue
seda da saudade,
a perpétua face.

Sozinha contemplo
o ardente milagre.
Ninguém mais te avista,
Verônica suave!
-Desenho do sonho
que a noite reparte.

Por que me apareces
igual à verdade,
ilusória imagem?

Na minha alegria,
corre um mar de lágrimas.
Tudo se repete,
na terra e nos ares,
e os meus pensamentos
são só teu retrato.

Em puro silêncio,
luminosa jazes:
tão doce e tão grave!

Fita bem meu rosto,
guarda os olhos pálidos
com rios antigos
por onde viajaste.
Lembra-te da minha
sombra humana, diáfana,

-pode ser que um dia
todos nós passemos
pela Eternidade.

(in Obra Poética 1958 Cecília Meireles)

 

Guia de Leitura Poética

jan 3, 2012 | 4 Comments

Dez dias de férias no Rio de Janeiro me trouxeram boas ideias e excelentes leituras. Poesia; quis só ela e nada mais! Abrir as páginas de Adélia Prado, reler Mário Quintana, Cecília Meireles, Manoel Bandeira, Drummond, Antonio Cícero… Sim, comprei muitos livros com palavras loucas, imagens únicas – escuridão e clareza numa mistura misteriosa – , confissões escancaradas, sons improváveis e algo que sempre me atraiu para a poesia; sua proximidade com a espiritualidade, aquela vontade de se religar com o Eterno. Daí pensei: por que não ir conhecendo mais desse universo de palavras mágicas? Por que não retomar aquelas antigas leituras que me acompanham desde a adolescência? Por que não ler todo dia uma poesia? Que tal fazer um “Guia de Leitura Poética 2012” ? Um motivo estampado na minha testa: para que a gente se aproxime do  poeta, cujo olhar observa o mundo a partir de outras janelas, as janelas da alma, abertas por outras razões que nenhuma outra literatura sabe explicar porque – nem mesmo a dona teologia, parente bem próximo da linguagem poética, pode tocar onde a poesia toca. Aliás, quando isso acontece, quase sempre o teólogo vira um esteta onde a salvação se torna a beleza e a beleza vira sua religião.

 

Pois bem, resolvi sugerir uma leitura por dia. Uma dieta para a nossa criatividade. Todo dia vou postar aqui no Nossa Brasilidade um poeta do nosso povo. Como já estamos no dia 03 (ãh? acredite) deixarei logo três brilhantes poemas para ficarmos em dia com este delicioso regime de boas surpresas. Alimentação balanceada para a nossa imaginação!

 

Você pode ir recortando e colando no seu caderno de poesia e no final do ano teremos 366 obras de profunda humanidade e honestidade, típicas do lirismo dos verdadeiros poetas.

 

Então, abram as janelas, respirem fundo, tomem seus sustos e deleitem-se a vontade!

 

JANEIRO

                                                           Um

Quem faz um poema abre uma janela.

Respira, tu que estás numa cela

abafada,

esse ar que entra por ela.

Por isso é que os poemas têm ritmo

– para que possas profundamente respirar.

Quem faz um poema salva um afogado.

(Emergência / Mario Quintana)

 

Prêmio Machado de Assis 1980

 

                                                            

                                                        Dois

Me escondo no porão

Para melhor aproveitar o dia

E seu plantel de cigarras.

Entrei aqui para rezar,

Agradecer a Deus este conforto gigante.

Meu corpo velho descansa regalado,

Tenho sono e posso dormir,

Tendo comido e bebido sem pagar.

O dia lá fora é quente,

a água na bilha é fresca,

acredito que sugestiono elétrons.

Eu só quero saber do microcosmo,

O de tanta realidade que nem há.

Na partícula visível de poeira

Em onda invisível dança a luz.

Ao cheiro de café minhas narinas vibram,

Alguém vai me chamar.

Responderei amorosa,

refeita de sono bom.

Fora que alguém me ama,

eu nada sei de mim.

(Tão bom aqui / Adélia Prado)

 

Prêmio Jabuti 1978

 

                                                             Três

Em sua essência, a poesia é algo horrível:

nasce de nós uma coisa que não sabíamos

[que está dentro de nós,

e piscamos os olhos como se atrás de nós

[tivesse saltado um tigre,

e tivesse parado na luz, batendo a cauda

[sobre os quadris.

(Czeslaw Milosz, tradução: Aleksandar Jovanovic)

 

Prêmio Nobel de Literatura 1980