UMA OUTRA BRASILIDADE

mar 24, 2014 | 24 Comments

Do que estou falando esse tempo todo, mas você ainda não entendeu!

 

A preguiça intelectual prefere chamar de gospel tudo aquilo que é confissão evangélica na cultura brasileira, sem se dar conta de que bem antes da grife existir já havia uma Igreja. Certamente, quando falo “Igreja” não penso em templos e capelas apenas, mas, sobretudo em pessoas que experimentam o Evangelho na vida.

Os preguiçosos ignoram: a tal categoria de mercado ainda não chegou aos trinta. Fazem pouco caso da comunidade de fé da qual pertencemos. Nossos pais nos legaram uma família de dois milênios. Eles atravessaram gerações, errando e acertando, e chegaram ao Brasil há mais de quinhentos anos! Então, que influência é essa, de fato, na formação do nosso país? É preciso ver essa herança sem as lentes embaçadas da indústria do entretenimento, para além dos limites religiosos e acadêmicos, aproveitando as diversas cores e linhas denominacionais que de fato ajudaram a formar essa grande e singular obra de tapeçaria que hoje é pisoteada pela idealização de um Brasil sensualizado, trapaceiro, exótico, aristocrático, místico, racista, bêbado e baderneiro. A preguiça os impede de ver além do clichê. Estamos puxando esse tapete…

Eu chamo você para ver de outro ponto. Te convido a abrir outras janelas. A duvidar do que lê nos jornais. A duvidar dos livros de sociologia. Proponho aqui uma mudança na abordagem do que é identidade brasileira.

Nos últimos cem anos e, principalmente, depois da semana de arte moderna (1922) essa abordagem é dada por uma elite não cristã e anticristã, que olha para os crentes como “os outros”. E se pedíssemos agora para “os outros”, nós, os crentes, que construam essa abordagem; qual brasilidade será contada por esses que creem? Como será o Brasil de dentro “dos outros”?

Vejo os crentes sendo violentados covardemente pela lógica de entretenimento religioso, por um lado, e pela censura aristocrática e hipster no front oposto.  É pela liberdade deles que grito. Grito por mim, em nome dos nossos pais, em respeito a sua herança e investimento. Grito inspirado em Cristo, instigado por Cristo, que não se dobrou nem diante da fúria dos sacerdotes cegos e corruptos, nem muito menos diante do governo tirânico e opressor daquela elite romana. Nem preciso falar de como Ele tratou os gregos… Grito a brasilidade de quem segue o Cristo, de quem voluntariamente se doa, de forma autêntica, sendo coautor desse movimento de fé, esperança e amor no meio do mundo. Movimento que alcançará os nossos filhos – se Ele antes não voltar – os brasileiros dos outros.  Os outros brasileiros de nós mesmos!

 

Marcos Almeida

O Liturgista e o Trovador

O Liturgista e o Trovador

fev 24, 2014 | 12 Comments

 

“Isso e aquilo” não é o mesmo que “isso ou aquilo”. A segunda ideia é oposição, uma múltipla escolha, a primeira é somatória, é ampliação: “isso e aquilo” revela a capacidade que temos para distinguir as coisas e mesmo assim mantê-las integradas.

Gosto de distinguir as coisas no sentido de discernir, não de isolar. Porque, embora distintas, todas as coisas estarão sempre conectadas. Isso com aquilo e aquilo com isso.Todos objetos que vemos de alguma forma tocam o mesmo chão da vida, se encontrando em algum ponto: a unidade só é possível por que existe comunhão: isso e aquilo, aquilo com isso, a diversidade se abraçando.

Mas, pode um trovador, cancionista e poeta abraçar um liturgista, pastor e conselheiro? O primeiro é da rua, dos palcos e janelas. O segundo ama as capelas, o púlpito e os vitrais. Um pensa a música como vértice poético comunitário, o outro horizontaliza os versos para tocar pessoas. O Trovador é só e o Liturgista… também é. Um se realiza no festejo da rua, o outro na confraria do templo. Deixam de ser sós quando alguém os ouve. Deixam de ser repartidos quando a rua recebe os irmãos do templo e quando o templo recebe os foliões da rua. Quando o Trovador descobre os vitrais e o Liturgista escancara as suas próprias janelas.

 

Marcos Almeida

Troubadour - George Stefanescu (1914 -2007 )

Troubadour – George Stefanescu (1914 -2007 )

A DELICIOSA ANTÍTESE APOCALÍPTICA DE TOM ZÉ

fev 12, 2014 | 2 Comments

 

Na herança cristã, o livro do Apocalipse é bastante controvertido. Desde as discussões iniciais sobre se deveria ou não ser incluído no cânon do Novo Testamento, até sua comparação com os outros textos de literatura apocalíptica, através de vinte séculos de história ele tem tido as mais diversas interpretações. Nas idades moderna e contemporânea, no entanto, as conclusões sobre ele têm sido as mais mirabolantes. De um livro escrito para encorajar os cristãos sob intensa perseguição romana, um texto cujo tema central era a esperança, o Apocalipse passou a ser sinônimo de catástrofe e de destruição, de escapismo e de alienação.

Aí vêm os nossos amigos poetas da MPB, pra nos ajudar a resgatar valores que nos são tão caros e que incluem a felicidade vindoura e a esperança escatológica, como no caso da linda canção do Tom Zé, Menina Amanhã de Manhã, que afirma categoricamente que a felicidade irá desabar sobre os homens, em contraste agudo com a morte e a destruição prenunciadas pelo texto sagrado e que desabam sobre a humanidade. E mais, a felicidade como um bem inexorável, inevitável, quase que imposto à vida, do qual ninguém pode (nem gostaria de) escapar. E terminando com um convite sutil: “não queira dormir no ponto”. A felicidade está à mão. Não deixe que ela vá embora, menina.

Pra não terminar sem fazer justiça ao Apocalipse, o contraste entre a canção e o livro não é tão gritante assim: apesar de falar sobre destruição e morte, o livro termina falando de vida, de paz duradoura, de cura para as nações, de felicidade enfim.

 

 

Menina amanhã de manhã
Quando a gente acordar
Quero te dizer que a felicidade vai
Desabar sobre os homens, vai
Desabar sobre os homens, vai
Desabar sobre os homens

Na hora ninguém escapa
Debaixo da cama, ninguém se esconde
A felicidade vai
Desabar sobre os homens, vai
Desabar sobre os homens, vai
Desabar sobre os homens

Menina, ela mete medo
Menina ela fecha a roda
Menina não tem saída
De cima, de banda ou de lado
Menina olhe pra frente
Oh! Menina, tome cuidado
Não queira dormir no ponto
Segure o jogo, atenção
De manhã…

por Jorge Camargo

Ouça abaixo a gravação original feita por Tom Zé no genial “Estudando o Samba” de 1976.

Jorge Camargo é músico, professor, tradutor (juramentado, em inglês), intérprete de conferências e escritor. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo. É também sócio-proprietário da empresa Quase a Mesma Coisa, dedicada a tradução e interpretação, em diversos idiomas.

Tem mais de 30 anos de experiência musical, como compositor e intérprete. Pesquisa a presença, a influência e a importância do sagrado na música popular brasileira e as interfaces entre a arte, a cultura, a filosofia e a religião.

Quando me descobri artista brasileiro

fev 8, 2014 | 33 Comments

 

Quando me descobri um artista brasileiro e que a fé cristã, como os nossos pais me ensinaram, é começo e não adereço, as outras expressões de identidade artística tornaram-se mais irreais ainda para mim. Qual modelo de artista temos para imitar no Brasil? Ao menos para nos inspirar?

Eu escrevo música como um artista brasileiro, mas não quero fazer isso seguindo as trilhas espirituais e ideológicas que temos hoje. E nesse espaço que abri na internet, o Blog Nossa Brasilidade, é como se eu tivesse investigando um caminho de mentores – uma tradição espiritual pra me filiar. Estou o tempo inteiro procurando um mestre, um maestro, um modelo imaginário que seja!

Mas ainda não encontrei quem eu gostaria de imitar quando descobri que sou um artista brasileiro e não um artista da religião evangélica. Eu admiro muito o Bob Marley (Jamaica) , o Bono (Irlanda), Stevie Wonder (USA), Johnny Cash (USA), mas olhando pra cá, me faltam esses mentores/modelos. Sim! Temos o Roberto Carlos, Nelson Cavaquinho, Elomar Figueira de Mello e milhares de canções que tocam aquilo que vejo neste mundo – e são essas canções a comprovação de tanta coisa falada aqui. Mas esses artistas não são exatamente aquilo que eu gostaria de ser. Sim! Temos Tasso da Silveira, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Quintana, Adélia! Ah, temos Adélia! Mas, onde está a trilha da música pop que nos deu uma música brasileira realista, ungida, generosa, exuberante e aberta para o Total?

Aqui escrevo tentando formar esse modelo imaginário… Escrevo como que construindo categorias para a confecção de uma plataforma que sustente uma nova canção. Estou procurando respostas…

 

 

Marcos Almeida

Vila Velha, ES.

 

In MPB, SEXO

Quatro vezes Eros

fev 6, 2014 | One Comment

 

A dor de cotovelo, a idealização do amor sem pecado e sem juízo, o Agape refletido em Eros e Eros tentando ser Agape. É muito amor!

 

Antes de apresentar minhas conclusões sobre o assunto, gosto de lembrar uma imagem que Guilherme de Carvalho exibiu na conferência L’Abri 2013 – quando fui convidado para compartilhar essa série. Ele chamou Vênus de terra, Eros de planta e Agape de Sol. Usou um exemplo simples da natureza para mostrar que se a planta fica sem o sol ela definha aos pouco e vai desfalecendo, morrendo. Eros sem sol morre e se mistura na terra – resta apenas terra. Quando o assunto é Amor, tudo começa a se desestruturar quando abrimos mão de Agape. Daí que Eros perde a força e tudo que sobra é o solo de Vênus.

Vejam agora os quatro tipos de Eros que identifiquei no nosso repertório popular, com alguns poucos exemplos, pra não tomar o tempo de vocês. Existem muitos outros na MPB – faço apenas uma amostragem. Vejam.

1. Eros maltratado (dor de cotovelo)

 

Quem te vê passar assim por mim

Não sabe o que é sofrer.

Ter que ver você assim sempre tão linda.

Contemplar o sol do teu olhar, perder você no ar

Na certeza de um amor

me achar um nada,

Pois sem ter teu carinho

eu me sinto sozinho

eu me afogo em solidão…

 

Oh Anna Julia

 

Nunca acreditei na ilusão de ter você pra mim.

Me atormenta a previsão do nosso destino.

Eu passando o dia a te esperar,

você sem me notar.

Quando tudo tiver fim, você vai estar com um cara,

Um alguém sem carinho.

Será sempre um espinho

dentro do meu coração.

 

Oh Anna Julia

 

Sei que você já não quer o meu amor,

Sei que você já não gosta de mim,

Eu sei que eu não sou quem você sempre sonhou,

Mas vou reconquistar o seu amor todo pra mim.

 

Anna Júlia  (Los Hermanos), 1999

 

2. Eros idealizado

Tem um ditado húngaro que diz assim: “Adão comeu a maça de Eva e nós é que, ainda hoje, estamos com dor de barriga” . E se a gente pudesse voltar antes da Queda. Como seria? Baby e Pepeu respondem.

 

 Dia após dia começo a encontrar /Mais de mil maneiras de amar

Aqui nessa cidade / O pôr do sol e a paisagem

 

Vem beijar luar

Doar felicidade

 

Tudo azul

Adão e eva

E o paraíso

 

Tudo azul

Sem pecado

E sem juízo

 

Tudo azul

Adão e eva

E o paraíso

 

Tudo azul

Sem pecado

E sem juízo

 

E todo dia livre

Dois passarinhos

Cantar

 

Pra esse amor

Super star

Sempre com

 

Tudo azul

Adão e eva

E o paraíso

 

Tudo azul

Sem pecado

E sem juízo

 

E todo dia livre

Dois passarinhos

Cantar

 

Pra esse amor

Super star

Sempre feliz

 

 

 

Sem pecado/Sem Juízo Tudo Azul (Baby do Brasil / Pepeu Gomes )

 3. Eros tentando ser Agape [o Amor que redime]. Ou Eros antecipando Agape, ou Eros dizendo que pode fazer aquilo que é coisa de Agape.

 

 Que falta eu sinto de um bem

Que falta me faz um xodó

Mas como eu não tenho ninguém

Eu levo a vida assim tão só

Eu só quero um amor

Que acabe o meu sofrer

Um xodó prá mim do meu jeito assim

Que alegre o meu viver

 

Eu só Quero um Xodó (Dominguinhos)

 

Ouvi dizer que são milagres

Noites com sol

Mas hoje eu sei não são miragens

Noites com sol

Posso entender o que diz a rosa

Ao rouxinol

Peço um amor que me conceda

Noites com sol

 

Onde só tem o breu

Vem me trazer o sol

Vem me trazer amor

Pode abrir a janela

Noites com sol e neblina

Deixa rolar nas retinas

Deixa entrar o sol

 

Livre será se não te prendem

Constelações

Então verás que não se vendem

Ilusões

Vem que eu estou tão só

Vamos fazer amor

Vem me trazer o sol

Vem me livrar do abandono

Meu coração não tem dono

Vem me aquecer nesse outono

Deixa o sol entrar

 

Pode abrir a janela

Noites com sol são mais belas

Certas canções são eternas

Deixa o sol entrar

 Noites com Sol (Flávio Venturini/ Ronaldo Bastos)

 

4. Eros refletindo Agape [ espiritualidade]

 

 Não se assuste pessoa

Se eu lhe disser que a vida é boa

Não se assuste pessoa

Se eu lhe disser que a vida é boa

Enquanto eles se batem dê um rolê

E você vai ouvir

Apenas quem já dizia

Eu não tenho nada

Antes de você ser

Eu sou, eu sou, eu sou

Eu sou amor da cabeça aos pés

Eu sou, eu sou

Eu sou amor da cabeça aos pés

E só to beijando o rosto de quem dá valor

Pra quem vale mais um gosto do que cem mil réis

Eu sou, eu sou

Eu sou amor da cabeça aos pés

Eu sou, eu sou

Eu sou amor da cabeça aos pés.

 

Dê um Rolê (Moraes Moreira e Galvão)

 

Algumas décadas atrás, um sambista carioca chamado Nelson Cavaquinho cantou assim:

 

 O sol há de brilhar mais uma vez

A luz há de chegar aos corações

Do mal será queimada a semente

O amor será eterno novamente

É o Juízo Final, a história do bem e do mal

Quero ter olhos pra ver, a maldade desaparecer

Juízo Final – Nelson Cavaquinho

Na terça que vem quero apresentar algumas ideias finais sobre essa pequena série. Nos vemos!

Até lá.