06 de Fevereiro / Caetano Veloso e sua “Língua”

fev 6, 2012 | One Comment

Trinta e sete

 

Resta-nos a invenção e uma nova sintaxe! O jeito brasileiro de falar português já nos foi dado, e agora o que faremos nós com esse tamanho de dádiva? A língua africana embrenhada com a fala indígena e a gramática lusitana se misturando, entrelaçadas elas mesmas no encontro dos portos, na visita do estrangeiro. Esse é o tabuleiro. Essa é fôrma onde fizeram a cocada: essa língua deliciosa e totalmente brasileira.  Resta-nos a invenção e uma nova sintaxe!

Enquanto vocês pensam nisso. Vamos ler, assistir e ouvir o professor Caetano Veloso nesta estonteante versão de “Língua” – uma obra prima do seu disco Vêlo de 1984.

 

 Língua
Caetano Veloso

Gosta de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala Mangueira! Fala!

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)

Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem

05 de Fevereiro / Roberto Diamanso

fev 5, 2012 | No Comments

Trinta e seis

Do álbum “Plantas e Habite-se” vem esta belíssima canção que vamos ouvir a seguir. Hoje o Nossa Brasilidade recebe a poesia, a sensibilidade e a economia lírica de Roberto Diamanso, cujos versos se apresentam sem desperdiçar palavras, sem deixar de nos surpreender com os sons dessa riqueza nordestina.

O fraseado modal é fluido e vai se sustentando em harmonia mansa, como um riachinho raso, límpido e largo no meio dessa barulheira semiárida que é a canção industrializada. Vamos respirar e apreciar essa paisagem que Diamanso criou. Aproveitem.

 

Nossos novos atos

(Letra e Música : Roberto Diamanso)

Que bons ventos o trazem amigo,

Que bom te ver por aqui.

Sim. São os bons ventos

O sopro pneuma, o ar.

Olá, com o ar de quem traz

Boas novas chegando por aqui.

Avia vai lá chamar os irmão,

Vamos armar nossa tenda

Na grama do jardim trazer

Nossas riquezas a uma mesma mesa.

E repartir, medir boa medida,

Recalcada, sacudida.

Dá, dá e dar-se-vos-á

Com a mesma medida que medirdes, medi.

(Vozes: Roberto Diamanso,Odilio,Jonathan,Márcia)

 

Para ouvir clique aqui:   02 Nossos Novos Atos

 

04 de Fevereiro / Sábado Sarau

fev 4, 2012 | 2 Comments

Trinta e cinco

 

No Sábado Sarau de hoje temos a expressão sincera de dois leitores assíduos do Blog. O querido Igor Chacon com sua prece poética e a carioca Juliana Rodrigues compartilhando um desenho de três anos atrás, quando ainda era uma criança. Duas belezas! Aproveitem:

 


Oh, Deus das multidões

que ouve preces e orações

na casa dos colonos

ver lhes vir os anos

rasgando suas faces, esperando que Tu laces

dos corações as batidas

dos sertões idas e vindas

traz paz eterna e feliz

do Teu céu, salpicado de branco giz

(Igor Chacon)

"medo? As vezes eu tenho"

(Juliana Rodrigues)

Continuem enviando suas leituras, as poesias próprias, dentro ou fora da métrica, de hoje e da infância. Enviem também um pequeno perfil pra gente se conhecer melhor (nome, cidade, idade, twitter, etc).Envie seu quadros, desenhos, músicas. Afinal, essa Brasilidade é Nossa e aqui é apenas um cantinho pra gente se encontrar.

 

 Carta   

Av. Fortaleza 1500 Ap 203

CEP 29101 575

Bairro Itapoã Vila Velha – ES

A/C Marcos Almeida

 

     E-mail

marcos@palavrantiga.com

03 de Fevereiro / José Albano

fev 3, 2012 | 3 Comments

 Trinta e quatro

Clássico

 

 

Reverenciado por Tristão de Athayde como alguém que “criou uma poesia intemporal, em que o verdadeiro clássico se perpetua em sua perenidade”. Um homem que os historiadores não conseguem catalogar, José Albano declama agora no Nossa Brasilidade o seu Soneto IX. Vamos ouvir:

 

Bom Jesus, amador das almas puras,

Bom Jesus, amador das almas mansas,

De ti vêm as serenas esperanças,

De ti vêm as angélicas doçuras.

Em toda parte vejo que procuras

O pecador ingrato e não descansas,

Para lhe dar as bem-aventuranças

Que os espíritos gozam nas alturas.

A mim, pois, que de mágoa desatino

E, noute e dia, em lágrimas me banho,

Vem abrandar o meu cruel destino.

E, terminado este degredo estranho,

Tem compaixão de mim, Pastor divino,

Que não falte uma ovelha ao teu rebanho!

(Soneto IX – José Albano )

 

 

 

02 de Fevereiro / Tasso da Silveira

fev 2, 2012 | 2 Comments

Trinta e três

 

A chamada ala espiritualista do modernismo é composta de nomes como Cecília Meirelles, Murilo Mendes, Tristão de Ataíde, entre outros que valorizavam a religiosidade dos poetas.  Mas nessa hora, vamos receber no nosso sítio Tasso da Silveira – nome muito respeitado dentro dessa ala.

 

Ele acabou entrando nos noticiários do último ano de forma indireta, por causa da catástrofe de realengo. A escola municipal que recebeu aquele psicopata, para  inimaginável crueldade,  é batizada com seu nome; Tasso da Silveira.

 

Diante das catástrofes qualquer poesia se torna palavra oca. O excesso de realidade absurda, o terror descabido, toda essa loucura, extrapola as tentativas de representação. Fazer poesia depois daquele dia é ainda mais absurdo!
Sim. Porque fica claro a diferença da religiosidade do louco-terrorista e do poeta-espiritualista: para o louco a religião é morte, é guerra, para o poeta é a vida transbordando pois se encontrou com a Esperança! Essa que não nos entorpece para a realidade, mas, pelo contrário, faz em nós lucidez e ajusta em nós o rumo.
Vamos ouvir o poeta em dois trechos preciosos:


Da minha vida ao fim da caminhada

vejo-me agora numa selva escura,

não como a do Alighieri dominada

pelas três feras da hórrida aventura:

 

uma selva que, embora de amargura,

é por sinais de Deus iluminada:

há brancos trêmulos na altura,

leva-me pela mão a muito amada.

A infinita esperança deste instante

(Senhor, Senhor! Bem sei que nunca pude

fazer da clara estrada a via eterna),

 

é que para o meu passo vacilante,

esta selva de aspecto triste e rude

seja o caminho da Mansão Paterna.

 

(Soneto 6, Regresso à origem– Tasso da Silveira)

A ver uma realidade total

                *

Nós temos uma visão clara desta hora.

Sabemos que é de tumulto e de incerteza.
E de confusão de valores.
E de vitória do arrivismo.
E de graves ameaças para o homem.

Mas sabemos, também, que não é esta a primeira
hora de agonia e inquietude que a humanidade vive.

(…)

A arte é sempre a primeira que fala para anunciar
o que virá.
E a arte deste momento é um canto de alegria,
uma reiniciação na esperança,
uma promessa de esplendor.

Passou o profundo desconsolo romântico.
Passou o estéril ceticismo parnasiano.
Passou a angústia das incertezas simbolistas.

O artista canta agora a realidade total:
a do corpo e a do espírito,
a da natureza e a do sonho,
a do homem e a de Deus,

canta-a, porém, porque a percebe e compreende
em toda a sua múltipla beleza,
em sua profundidade e infinitude.

E por isto o seu canto
é feito de inteligência e de instinto
(porque também deve ser total)
e é feito de ritmos livres
elásticos e ágeis como músculos de atletas
velozes e altos como sutilíssimos pensamentos
e sobretudo palpitantes
do triunfo interior
que nasce das adivinhações maravilhosas…

O artista voltou a ter os olhos adolescentes
e encantou-se novamente com a Vida:

todos os homens o acompanharão!

(Intróito-  Definição do Modernismo Brasileiro, 1932 -Tasso da Silveira)