O que os artistas brasileiros andam lendo?

fev 29, 2012 | 3 Comments

Cinquenta e um


Mário de Andrade no século passado, 1942, fez o balanço geral da Semana de 22 dizendo que  ela deixou “o direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência artística brasileira; e a estabilização de uma consciência criadora nacional” Naquela época os melhores artistas modernistas cultuavam nomes como Spengler (historiador e filósofo alemão), Freud (Inventor da Psicanálise), Bergson  (filósofo francês) e Sorel (teórico francês).

Diga-me o que lês que te direi que és.

 Liberdade, cultura, futuro, inconsciente, intuição, duração, mito político, são expressões correntes na fala dos intelectuais daquela época; conceitos e esquemas importados da Europa. Mas, hoje, como estamos? Em que pé anda a produção intelectual do nosso povo? Principalmente no campo legislativo do pensamento que é a filosofia e a teologia, quem são os principais nomes que nós artistas temos lido na segunda década do século XXI ?

Vejamos a lista dos mais vendidos de 2011. Objetivo: encontrar algum teórico, teólogo, filósofo ou psicólogo que anda orientando o pensamento da moçada. Aí está:

Eike Batista (campeão de vendas e bilionário), Padre Marcelo Rossi (Padre e cantor pop), William P. Young ( o cara da Cabana) , Walter Isaacson (escreveu a biografia de Steve Jobs) Antoine Saint-Exupéry (O Pequeno Príncipe) , James Hunter ( O monge e o executivo).

Buscar na prateleira dos mais vendidos talvez não seja o melhor caminho: é certo  que os mencionados autores influentes na vida dos artistas brasileiros da Semana de 22 não eram tão populares assim à epoca… Mas, onde estão os teóricos, pensadores e formadores de categorias estéticas da nossa época. Tem algum marasmo no ar? Não sei, parece que sim!

Preciso de ajuda. Vou chamar aqui: Guilherme de Carvalho que fala diretamente sobre a relação entre teologia ruim e arte ruim. Para os desavisados e apressados, digo mais uma vez: sim, teologia e filosofia são estruturais na vida de qualquer sujeito, pois esses campos do conhecimento definem a forma que a gente vê o mundo e consequentemente o jeito que expressamos este olhar.

Chega mais Guilherme de Carvalho:

Palavras-chave:

Palavras mágicas, vazio semântico, conteúdos sem vínculos com a vida, salto, universo opaco e sem sentido, Logos como princípio de unidade, natureza, graça, Schaeffer, Paul Tillich, senhorio de Cristo sobre tudo, universais e particulares, cosmovisão, hipermodernidade, cultura da sensação, Gilles Lipovetsky, sociedade cujo eixo central é estético, experiência epidérmica, Kierkegaard, sem comprometimento ético, adolescência estendida, polarização, percepção do mundo indireta, integrar o mundo, a beleza da ortodoxia, bondade, verdade, Alister Mcgrath, Terrence Malick, nova estética, encantar o mundo, Jesus presente, sem salto irracional, Stenio Marcius, tarefa apologética do músico,

 

Baby do Brasil. O que ela quer?

fev 27, 2012 | One Comment

Cinquenta

Baby poderia trabalhar a matriz cristã como um novo a partir para sustentar sua criação artística? Poderia… Mas por que ela parece trabalhar no processo de assimilação iniciado pelo movimento gospel, tentando enfeitar o carnaval com os adereços da fé quando essa fé poderia surgir na intimidade, na feitura de um novo carnaval?

Quando eu estiver com ela pergunto pessoalmente. Por enquanto, deixo uma  entrevista recente, bem ligeira, que talvez não foi feita para responder as perguntas acima, mas não deixa de revelar um certo ar de dualismo entrelinhas. Leia.

 

Entrevista concedida ao site da Veja 

 

Baby: "Tem evangélico que vai para o Carnaval escondido"

‘Só apareceu um fã’, diz Baby do Brasil sobre trio elétrico gospel

Cantora explica por que sambou sozinha pelas avenidas de Salvador

 

Por que ninguém foi atrás do seu trio? Acho que faltou divulgação. Nem eu sabia direito o horário que iria sair. Só apareceu um fã, que foi comigo em cima do carro. Ele só chegou porque tinha o telefone da nossa produção. Esse cara segue a gente há quinze anos.

Você acha que o show foi um fracasso? De maneira nenhuma. Você não acredita o que é estar em cima do caminhão e cantar “eu quero é Deus, não importa o que vão pensar de mim”. Nos anos anteriores foi massa e no ano que vem vai ser melhor.

Você vai insistir no trio gospel? Depois que eu me converti, tive a necessidade de cantar louvores. Eu sabia que ninguém que fizesse isso no Carnaval seria bem-aceito. A não ser que fosse alguém como eu, com a minha cabeça, história e qualidade musical. Essa é a minha crença, e foi assim que eu encontrei uma forma de louvar a Deus naquela festa louca.

Como foi a sua conversão? Foi há treze anos. Igual no filme Matrix.

Como assim? Foi como entrar em uma realidade paralela. Como no filme.

Como os evangélicos veem esse seu jeito? Foi um susto para muitos deles. Muitas igrejas acham que o meu trio não combina muito com a religião. Mas é a festa o que me agrada.

E você sabe que tem evangélico que vai para o Carnaval escondido? Eu não vou escondida. Eu assumi para todo mundo a minha vontade

Palavrantiga: uma banda secular que toca no gospel (?)

fev 25, 2012 | 22 Comments

Quarenta e nove

Um amigo de Palmas, em Tocantins, anunciou nossa chegada na cidade de forma antológica! Ele estava no alto de um trio elétrico animando um show de manobras radicais realizadas por alguns  motociclistas malucos. Ao ver a banda, gritou para a plateia (quase 1.000 pessoas em volta da pista) gritou com toda voz, quase em tom de rodeio:

–       Essa noite!!!! No nosso congressooo quem vai fazer o show é Palavrantigaaaa, meu povo; uma banda secular que toca no gospel!!! (Palmas)

 

Não consegui conter o riso. Só depois de alguns segundos percebi que ele, da sua forma, estava tentando traduzir – dentro das categorias que permitia o vocabulário evangélico – todo o movimento que nasce nesse tempo onde simultaneamente vemos a ascensão do movimento gospel e uma geração de artistas cristãos que receberam essa matriz cultural [ou parte dela] e a partir disso estão dando forma a uma música brasileira de raízes cristãs.  Uma música que não está interessada em vender religião (fazendo proselitismo), mas apenas em compartilhar a experiência daquele que vive a Boa Nova de forma inteira sem repartir o mundo, sem “esquizofrenizar” a nossa existência.

 

É uma música cuja identidade não se estabelece sobre demandas mercadológicas, ou de siglas, ou de  grifes com agenda panfletária ou midiática, mas sua essência está no discernir espaços e soberanias da nossa realidade (falo agora como devedor dos holandeses). Temos ao menos dois espaços para discernir aqui: 1) o espaço eclesiástico (cujo núcleo de sentido é a FÉ) que se difere do 2) espaço artístico (cujo núcleo de sentido é o ESTÉTICO, ou seu poder de alusividade). É preciso discernir sabendo que elas estão diante da face de Deus.

Não só isso, a identidade desse novo movimento está na capacidade de dialogar com a sua matriz principal; a Igreja, que infelizmente anda sendo confundida com o movimento gospel em si – mas todos nós sabemos que não é a mesma coisa. A Igreja existe há tanto tempo… Ela está nesse diálogo com a cultura há milénios e o movimento gospel  é a ponta desse processo histórico (aqui no Brasil) – a cena gospel é UMA das respostas que os cristãos evangélicos deram para a cultura.

 

É preciso considerar também que o novo tempo que vivemos, de simultaneidades, de nascimentos e coroações, é tempo onde não cabe aquele discurso pseudo-intelectualizado de alguns evangélicos que satanizaram o movimento gospel, tentando leva-lo ao ridículo, para então apresentar uma produção alternativa que acabou encontrando razão de ser no revide, na revolta, na vontade apologética de peneirar o joio. Uma arte cuja identidade se firma na vontade de vingança acaba por ser panfletária, ideologia pela ideologia, quando deveria ser artística, expressiva, sincera, fincada no amor, na paz e na leveza de apenas ser.

 

Meu amigo estava quase certo, mas sinto informar que não somos uma banda secular (não trabalhamos com essa cosmovisão); ainda falta vocabulário para transpor essas dificuldades dialéticas, mas talvez ele tenha sido o que mais chegou perto. Somos uma banda brasileira de rock  que toca na Igreja, que toca no bar, que toca na FNAC, que toca em casa (aliás, hoje às 20h – 25 de fevereiro – tem House Show em L’Abri – mande e-mail para contato@palavrantiga.com e reserve seu lugar).

 

Ah, a FNAC hoje! Foi histórico. Recorde de publico quebrado [nenhuma banda conseguiu levar tanta gente naquele lugar – informação da gerência], amigos de todas as épocas e geografias da região metropolitana (em BH e Contagem me mudei mais de 20 vezes, muitos amigos) , eles estavam lá, da zona sul e da periferia, tatuados e sem tatuagem, pentecostais e batistas, ali: no café que se tornou uma grande sala onde a diversidade não foi empecilho para a unidade, onde cantamos com força, com alegria e certos de que o Espírito estava enchendo a casa. Emocionante.

Esferas de soberania sendo respeitadas, quatro cristãos compartilhando sua arte, quatro artistas assumindo sua vocação junto aos cúmplices que vivenciaram a confirmação disso tudo que falamos acima e agora repito:

Chegou o tempo onde artistas não precisarão mais justificar sua arte através do argumento religioso, nem serão covardes abrindo mão da sua confissão mais sincera. É tempo onde o mundo dividido entre  secular e o gospel vê nascer uma música brasileira tecida na Esperança!

 

Que bom estar vivo para ver isso!

Hoje, século XXI

Hoje, onde vi na FNAC uma nova épica.

Hoje, feliz por ser roqueiro no Brasil.

Hoje, enxergando uma outra via cada vez mais nítida.

Hoje, crendo que nosso país vai ensinar isso ao resto do mundo.

Hoje, aqui.

 

Aquele abraço demorado em todos vocês. Até daqui a pouco no House Show.

 

Belo Horizonte

L’Abri Brasil

24.02.12

Augusto de Campos / LUXO

fev 23, 2012 | No Comments

 

 Quarenta e oito

 

Augusto

O movimento de poesia concreta é inarredável na história das artes no Brasil. Se você gosta de poesia, logo acaba esbarrando no concretismo inaugurado pelo trio Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos.

O que vamos apreciar agora é um tipo de poesia “não-verbal”. É a poesia que se utiliza do espaço; aqui a gente vê a palavra e seus múltiplos sentidos. É isso mesmo; poesia concreta é abstrata pra caramba!

 

 

 

 

 

 

Veja em detalhe:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O luxo só é luxo de perto, quando se está preso em suas paredes, em suas leituras em distúbio (é miopia) porque de longe todo aquele luxo é lixo? Estou aqui a lhe perguntar…
Deixa o Augusto de Campos responder:

 

A Linguagem Poética / Décio Pignatari

fev 21, 2012 | 3 Comments

Quarenta e sete

 

A poesia parece estar mais do lado da música e das artes plásticas e visuais do que da literatura. Ezra Pound acha que ela não pertence à literatura e Paulo Prado vai mais longe: declara que a literatura e a filosofia são as duas maiores inimigas da poesia.

De fato, a poesia é um corpo estranho nas artes da palavra. É a menos consumida de todas as artes, embora pareça ser a mais praticada (muitas vezes, às escondidas). Uma das maiores raridades do mundo é o poeta que consegue viver só de sua arte. Há dois mil anos, o poeta latino Ovídio dizia que as folhas de louro (com as quais se faziam coroas para poetas e heróis) só serviam mesmo para temperar o assado. E como poderia ser diferente? Como encontrar um modo de remunerar o trabalho e o ofício de um poeta? Rilke ficou treze anos sem fazer um único poema; Valéry, vinte e cinco anos! Outros consumiram boa parte da vida escrevendo uma obra (sem exclusão de outras): Dante, vinte anos, para a Divina Comédia; Joyce, dezessete, para a “proesia” do Finnegans Wake; Pound, quarenta para Os Cantos; Goethe, cinquenta e cinco, para o Fausto; Mallarmé, trinta, para o Lance de Dados. Mas não é porque houve um Pelé que você vai deixar de jogar futebol; não é porque há uma Gal que você vai deixar de cantar.

 

Pignatari, amigo dos Campos

O poeta é aquele artista que não está no gibi. E é aquele que ajuda a fundar culturas inteiras. Não dá pra entender a cultura portuguesa sem Camões; a inglesa sem Shakespeare; a italiana sem Dante; a alemã sem Goethe; a grega sem Homero; a irlandesa sem Joyce.

 

Poesia é a arte do anticonsumo. A palavra “poeta” vem do grego “poietes= aquele que faz”. Faz o quê? Faz linguagem. E aqui está a fonte principal do mistério. O signo verbal forma um sistema dominante de comunicação… E aí é que está: o poeta não trabalha com o signo, o poeta trabalha o signo verbal.

Uma estorinha: O grande pintor impressionista Degas vivia querendo fazer um poema — sem conseguir. Um dia, chegou-se para o seu amigo Mallarmé e disse: “Stéphane, idéias maravilhosas não me faltam — mas eu não consigo fazer um poema”. Respondeu o Mestre: “Meu caro Edgar, poemas não se fazem com ideias — mas com palavras”.

O poeta faz linguagem para generalizar e regenerar sentimentos, diz Charles Peirce.

Uma adivinha: Mallarmé falava de uma flor que está “ausente de todos os buquês”. Que flor é esta?

Charles Morris faz uma esclarecedora distinção entre os signos. Diz ele que há signos-para e signos-de. Um signo-para conduz a alguma coisa, a uma ação, a um objetivo transverbal ou extraverbal, que está fora dele. É o signo da prosa, moeda corrente que usamos automaticamente todos os dias. Mas quando você foge desse automatismo, quando você começa a ver, sentir, ouvir, pesar, apalpar as palavras, então as palavras começam a se transformar em signos-de. Fazendo um trocadilho, o signo-de pára em si mesmo, é signo de alguma coisa — quer ser essa coisa sem poder sê-lo. Ele tende a ser um ícone, uma figura. É o signo da poesia. Você vai ver, mais adiante, que o signo-para é um signo por contigüidade, enquanto o signo-de é um signo por similaridade.

Para o poeta, mergulhar na vida e mergulhar na linguagem é (quase) a mesma coisa. Ele vive o conflito signo vs. coisa. Sabe (isto é, sente o sabor)que a palavra “amor” não é o amor — e não se conforma…

A resposta para adivinha mallarmaica: a flor que está ausente de todos osbuquês é a palavra flor.

O poema é um ser de linguagem. O poeta faz linguagem, fazendo poema. Está sempre criando e recriando a linguagem. Vale dizer: está sempre criando o mundo. Para ele, a linguagem é um ser vivo, O poeta é radical (do latim, radix, radicis = raiz): ele trabalha as raízes da linguagem. Com isso, o mundo da linguagem e a linguagem do mundo ganham troncos, ramos, flores e frutos.

É por isso que um poema parece falar de tudo e de nada ao mesmo tempo. É por isso que um (bom) poema não se esgota: ele cria modelos de sensibilidade. É por isso que um poema, sendo um ser concreto de linguagem, parece o mais abstrato dos seres. É por isso que um poema é criação pura — por mais impura que seja. É como uma pessoa, ou como a vida: por melhor que você a explique, a explicação nunca pode substituí-la. É como uma pessoa que diz sempre que quer ser compreendida. Mas o que ela quer mesmo é ser amada.

competência e desempenho

O lingüista Chomsky distingue dois níveis no fato lingüístico: o nível de competência e o nível de desempenho. O nível de competência refere-se ao nível de domínio técnico da linguagem (aos três anos de idade, uma criança já domina as estruturas básicas de seu idioma materno). O nível de desempenho é aquele em que o falante cria em cima do nível de competência. É claro que esses níveis não são separados: a criança aprende criando. Todos nós criamos, mas a (des)educação que recebemos nos orienta no sentido da descriação, no sentido de permanecermos apenas ao nível de competência.

 

Muita inibição ao nível do desempenho é provocada pela insegurança ao nível da competência. É nisto que se apoia a censura, de fora e de dentro (autocensura), para impedir que você crie.

( no livro: “O que é comunicação poética” do professor Décio Pignatari )