
Não toco Cartola mas sou brasileiro!
Você não precisa saber quem é Cartola para ter certeza da sua brasilidade. O grande nome da Mangueira talvez nunca ouviu falar de VPC, por exemplo, do disco “De Vento em Popa” – gravado em 1977 – na mesma época em que estava deixando o morro para morar em Jacarepaguá.
Jorge de Lima / Tempo e eternidade
Alta noite, quando escreveis um poema qualquer
sem sentirdes o que escreveis,
olhai vossa mão – que vossa mão não vos pertence mais;
olhai como parece uma asa que viesse de longe.
Olhai a luz que de momento a momento
sai entre os seu dedos recursos.
Olhai a Grande Mão que sobre ela se abate
e a faz deslizar sobre o papel estreito […]
Esse é o inventor que desejava redimir a poesia em Cristo. Acabamos de ler Jorge de Lima. Daqui a pouco eu volto.

“Enquanto isso Dr. Vitor está na Europa”
Já disse aqui que meu capital intelectual está muito bem investido em amigos espalhados por este Brasil. Mas, para a nossa alegria [ sem nenhuma referência ao novo memo da internet, hahaha] o Dr. Vitor foi para a Europa “estudar”. Inesperadamente se tornou , também, o correspondente internacional deste curioso Blog.
Ontem ele enviou uma foto muito especial. Diretamente da National Gallery: Anna and the Blind Tobit – uma obra de arte do mestre Rembrandt.
Seja bem vindo Dr. Vitor!

A desaguar depois do movimento gospel: Mahmundi.
Ela está promovendo o reencontro do som com a dança. Atualizando os anos 80 pra nossa geração – que igual a ela – viveu a infância em década tão famosa pelos sintetizadores, danceterias e roupas bregas.
Antes da indústria já existia a fé, a religião, a igreja e a música.
Isso que vamos ler agora é a descrição de um hábito familiar. Estabelecido no período colonial (sec. XVI a XVIII), principalmente nos tempos onde se formou o sistema econômico em volta da casa-grande, com seus senhores de engenho polígamos e católicos. O que Gilberto Freyre – insubstituível mestre – nos informa aqui, faz a gente voltar às raízes da nossa cultura e constatar que a temática religiosa não era coisa só da missa ou dos poetas eclesiásticos: a fé chegou na casa dos brasileiros, virou letra para o som das cantigas e antes do que a gente imaginava já se cantava pra Deus, pra Jesus, para os santos e pra Maria. Olha, bem antes dos hinos protestantes desembarcarem nos portos. Bem antes da vitrola, bem antes da indústria – que indústria!? – não havia nada disso. Mas já existia a fé, a religião, a igreja e a música.
Quem sabe isso ajuda a clarear o que já falei por aqui: a fé não é invenção de um movimento industrial [gospel, carismático, auto-ajuda, místico, etc]. Se antes da industrialização já se cantava assim, depois dela como será? Bem, isso é coisa que temos proseado neste quintal …
Enquanto isso, vamos ler, este que dispensa apresentações, Gilberto Freyre:
“Nas cantigas de acalanto portuguesas e brasileiras as mães não hesitaram nunca em fazer dos seus filhinhos uns irmãos mais moços de Jesus, com os mesmos direitos aos cuidados de Maria, às vigílias de José, às patetices de vovó de Sant’Ana. A São José encarrega-se com a maior sem-cerimônia de embalar o berço ou a rede da criança:
Embala, José, embala,
que a Senhora logo vem:
foi lavar seu cueirinho
no riacho de Belém.
E a Sant’Ana de ninar os meninozinhos no Colo:
Senhora Sant’Ana,
ninai minha filha;
vede que lindeza
e que maravilha.
Esta menina
não dorme na cama,
dorme no regaço
da Senhora Sant’Ana.
E tinha-se tanta liberdade com os santos que era a eles que se confiava a guarda das terrinas de doce e de melado contra as formigas:
Em louvor de São Bento
que não venham as formigas
cá dentro.
escrevia-se num papel que se deixava à porta do guarda-comida. E em papéis que se grudavam às janelas e às portas:
Jesus, Maria, José,
rogai por nós que recorremos a vós.
Quando se perdia dedal, uma tesoura, uma moedinha, Santo Antônio que desse conta do objeto perdido. Nunca deixou de haver no patriarcalismo brasileiro, ainda mais que no português, perfeita intimidade com os santos. O Menino Jesus só faltava engatinhar com os meninos da casa; lambuzar-se na geleia de araçá ou goiaba; brincar com os moleques. As freiras portuguesas, nos seus êxtases, sentiam-no muitas vezes no colo brincando com as costuras ou provando dos doces.