Moacyr Felix – Ladainha

Postado por: em mar 13, 2012 | Um comentário

1962. O Violão de Rua incomoda. Cinquenta anos depois estou aqui. 2012. Lendo o seguinte poema, consigo sentir a dor da repressão, a angústia de um irmão revoltado com a religiosidade infértil de sua época e enojado com o capitalismo imperialista e feroz. Posso ver a reprodução de um Nietzsche em tom dramático e panfletário, um som áspero, uma grande dor, um retrato das vísceras de um cara como eu e você no meio de um vendaval. Lá no meio dele, o poeta faz sua confissão de fé. A sua dor profunda o impediu de ver a Vida no meio do redemoinho? Cadê a Esperança? Que oração é essa?

 

 

LADAINHA

 Elisabeth é puta

Madeleine é puta

Maria dos Anjos é puta

O verbo ter é o verme do mundo

Van Gogh ficou louco

Hoelderlin ficou louco

Zé da Silva ficou louco

O verbo ter é a prisão do homem

Maiakovski se matou

Garcia Lorca foi assassinado

Cristo morreu na cruz

Antônio morreu na guerra

Tião Pedreira, na polícia

O verbo ter é a morte de Deus

O Mundo está podre

O verbo ter é o verme do mundo

O Homem está prêso

O verbo ter é a prisão do homem

Deus está morto

O verbo ter é a morte de Deus

Tem gente com fome

Deus está morto

Tem gente com frio

Deus está morto

Tem gente com sede

Deus está morto

A noite é longa como um grito

O Homem está prêso

A noite é longa como o desespero

O Homem está prêso

A noite é longa como o ódio

O Homem está prêso

O dia é deserto como o lobo na estepe

O Mundo está podre

O dia é pesado como um túmulo antigo

O Mundo está podre

O dia é alegre como um copo que quebra

O Mundo está podre

Alugam-se! médicos

advogados

e arquitetos

Tem gente com fome

Tem gente com frio

Tem gente com sede

 

Alugam-se! poetas

e bênçãos sacerdotais

A noite é longa

A noite é longa

A noite é longa

Alugam-se! môças para casar

amizades

e boas maneiras

O dia é deserto como o lobo na estepe

pesado como um túmulo antigo

alegre como um copo que quebra

 

ORAÇÃO

 

O Mundo está podre

O Homem está prêso

Deus está morto

O Mundo é eterno

e as manhãs do mundo vencerão a treva

O Homem é eterno

e a liberdade será o coração dos homens

O Amor é eterno

e a orquestração da vida pairará sobre as águas

per omnia secula sculorum Amém.

 

 

( Ladainha – Moacyr Felix in Violão de Rua Vol.II )

 

 

Moacyr Felix

[ Moacyr Felix, poeta carioca, marxista, escritor, editor, diretor de importantes coleções de poesia pela Civilização Brasileira, sonhava com a liberdade,  contribuiu direta e indiretamente em movimentos importantes como os da Teologia da Libertação, leu, ele próprio, para os tripulantes da espaçonave Myr, na órbita da  Terra, um de seus poemas, transmitido em russo para toda a União Soviética, apoiou o impeachment do presidente Collor, ganhou o prêmio Jabuti em 2000 pelo livro “Introdução a Escombros”, morreu em 2005 aos 79 anos de idade]

1 Comentário

  1. Valder Damasceno
    13 de março de 2012

    O poema chega a ser sufocante… Com um ar tão rarefeito e poluído quanto o da atual sociedade.

    Reply

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