Palavrantiga: uma banda secular que toca no gospel (?)
Quarenta e nove
Um amigo de Palmas, em Tocantins, anunciou nossa chegada na cidade de forma antológica! Ele estava no alto de um trio elétrico animando um show de manobras radicais realizadas por alguns motociclistas malucos. Ao ver a banda, gritou para a plateia (quase 1.000 pessoas em volta da pista) gritou com toda voz, quase em tom de rodeio:
– Essa noite!!!! No nosso congressooo quem vai fazer o show é Palavrantigaaaa, meu povo; uma banda secular que toca no gospel!!! (Palmas)
Não consegui conter o riso. Só depois de alguns segundos percebi que ele, da sua forma, estava tentando traduzir – dentro das categorias que permitia o vocabulário evangélico – todo o movimento que nasce nesse tempo onde simultaneamente vemos a ascensão do movimento gospel e uma geração de artistas cristãos que receberam essa matriz cultural [ou parte dela] e a partir disso estão dando forma a uma música brasileira de raízes cristãs. Uma música que não está interessada em vender religião (fazendo proselitismo), mas apenas em compartilhar a experiência daquele que vive a Boa Nova de forma inteira sem repartir o mundo, sem “esquizofrenizar” a nossa existência.
É uma música cuja identidade não se estabelece sobre demandas mercadológicas, ou de siglas, ou de grifes com agenda panfletária ou midiática, mas sua essência está no discernir espaços e soberanias da nossa realidade (falo agora como devedor dos holandeses). Temos ao menos dois espaços para discernir aqui: 1) o espaço eclesiástico (cujo núcleo de sentido é a FÉ) que se difere do 2) espaço artístico (cujo núcleo de sentido é o ESTÉTICO, ou seu poder de alusividade). É preciso discernir sabendo que elas estão diante da face de Deus.
Não só isso, a identidade desse novo movimento está na capacidade de dialogar com a sua matriz principal; a Igreja, que infelizmente anda sendo confundida com o movimento gospel em si – mas todos nós sabemos que não é a mesma coisa. A Igreja existe há tanto tempo… Ela está nesse diálogo com a cultura há milénios e o movimento gospel é a ponta desse processo histórico (aqui no Brasil) – a cena gospel é UMA das respostas que os cristãos evangélicos deram para a cultura.
É preciso considerar também que o novo tempo que vivemos, de simultaneidades, de nascimentos e coroações, é tempo onde não cabe aquele discurso pseudo-intelectualizado de alguns evangélicos que satanizaram o movimento gospel, tentando leva-lo ao ridículo, para então apresentar uma produção alternativa que acabou encontrando razão de ser no revide, na revolta, na vontade apologética de peneirar o joio. Uma arte cuja identidade se firma na vontade de vingança acaba por ser panfletária, ideologia pela ideologia, quando deveria ser artística, expressiva, sincera, fincada no amor, na paz e na leveza de apenas ser.
Meu amigo estava quase certo, mas sinto informar que não somos uma banda secular (não trabalhamos com essa cosmovisão); ainda falta vocabulário para transpor essas dificuldades dialéticas, mas talvez ele tenha sido o que mais chegou perto. Somos uma banda brasileira de rock que toca na Igreja, que toca no bar, que toca na FNAC, que toca em casa (aliás, hoje às 20h – 25 de fevereiro – tem House Show em L’Abri – mande e-mail para contato@palavrantiga.com e reserve seu lugar).
Ah, a FNAC hoje! Foi histórico. Recorde de publico quebrado [nenhuma banda conseguiu levar tanta gente naquele lugar – informação da gerência], amigos de todas as épocas e geografias da região metropolitana (em BH e Contagem me mudei mais de 20 vezes, muitos amigos) , eles estavam lá, da zona sul e da periferia, tatuados e sem tatuagem, pentecostais e batistas, ali: no café que se tornou uma grande sala onde a diversidade não foi empecilho para a unidade, onde cantamos com força, com alegria e certos de que o Espírito estava enchendo a casa. Emocionante.
Esferas de soberania sendo respeitadas, quatro cristãos compartilhando sua arte, quatro artistas assumindo sua vocação junto aos cúmplices que vivenciaram a confirmação disso tudo que falamos acima e agora repito:
Chegou o tempo onde artistas não precisarão mais justificar sua arte através do argumento religioso, nem serão covardes abrindo mão da sua confissão mais sincera. É tempo onde o mundo dividido entre secular e o gospel vê nascer uma música brasileira tecida na Esperança!
Que bom estar vivo para ver isso!
Hoje, século XXI
Hoje, onde vi na FNAC uma nova épica.
Hoje, feliz por ser roqueiro no Brasil.
Hoje, enxergando uma outra via cada vez mais nítida.
Hoje, crendo que nosso país vai ensinar isso ao resto do mundo.
Hoje, aqui.
Aquele abraço demorado em todos vocês. Até daqui a pouco no House Show.
Belo Horizonte
L’Abri Brasil
24.02.12
22 Comentários
Cláudia
25 de fevereiro de 2012Um dia alguém abriu os meus olhos sobre sobre essa visão de gospel e secular, o Jonathan Foreman da banda norte-americana Switchfoot, e fico muito feliz de ter encontrado você e a banda brasileira de rock Palavrantiga que seguem o mesmo raciocínio. Concordo com tudo o que você disse, e o texto, mais uma vez, sensacional. Aqui tem um texto do Jon defendendo a bandeira de música sem rótulos:
“CS Lewis e Tolkien mencionam Cristo em alguma de suas obras de ficção? Será que a sonata de Bach é cristã? O que é mais semelhante a Cristo, alimentar o pobre, construir móveis, limpar banheiros, ou pintar um pôr-do-sol? Há um cisma entre o sagrado e o secular em nossas mentes modernas. A visão de que um pastor é mais ‘Cristão’ do que um técnico de vôlei feminino é falha e herética. A ideia de que um líder de adoração é mais espiritual do que um zelador é condescendente e falha. Esses diferentes chamados e propósitos facilitam a demonstração da soberania de Deus. Muitas músicas valeram a pena terem sido escritas. O Switchfoot um dia irá escrever algumas. Keith Green, Bach, e talvez você tenha escrito outras. Algumas dessas músicas falam sobre redenção, outras sobre o nascer do sol, outras sobre nada em particular; escritas pelo simples prazer da música. Nenhuma dessas músicas foram nascidas de novo, e para esse fim não existe nada além da música Cristã. Não. Cristo não veio e morreu pelas minhas músicas, Ele veio por mim. Sim. Minhas músicas fazem parte da minha vida. Mas julgando pelas Escrituras eu só posso concluir que nosso Deus está muito mais interessado em como eu trato o pobre, o faminto do que com os pronomes pessoais que eu uso quando canto. Eu sou um crente. Muitas dessas canções falam sobre o que eu acredito. Uma obrigação de dizer isso ou aquilo não parece com a gloriosa libertação que Cristo me deu quando morreu por mim. Eu tenho uma obrigação sim, no entanto, uma dívida que não pode ser paga pelas minhas decisões líricas. Minha vida será julgada pela minha obediência, não na minha habilidade de confinar minhas letras nessa caixa ou naquela. Todos nós temos diferentes chamados; o Switchfoot está tentando ser obediente com aquele que nos chamou. Nós não estamos tentando ser o Audio Adrenaline ou o U2 ou o POD ou Bach, estamos tentando ser o Switchfoot. Veja, uma música que tem as palavras ‘Jesus Cristo’ não é mais ou menos ‘Cristã’ que uma parte instrumental.(Eu já ouvi muitas pessoas dizendo Jesus Cristo e elas não estavam falando de seu redentor. Jesus não morreu por nenhuma das minhas músicas, Então não há hierarquia de vida ou canções ou profissão, apenas obediência. Todos nós temos o chamado de carregar nossa cruz e seguir. Podemos ter certeza de que essas estradas serão diferentes para todos nós. Assim como você tem um corpo e cada parte tem uma função diferente, então em Cristo nós somos membros e formamos um corpo, e cada um de nós pertence a todos os outros. Por favor, vá devagar na hora de julgar ‘irmãos’ que possuem chamados diferentes”.
Marcos
25 de fevereiro de 2012Lindo! Onde você achou isso? Mande pra gente a fonte. Obrigado por compartilhar, Cláudia. Abração.
Cláudia
1 de março de 2012Oi Marcos, desculpe a demora.
O texto é em inglês, eu traduzi há alguns anos e por esses dias encontrei nos meus arquivos. Aproveitei e compartilhei aqui. Eu tentei achar a fonte, mas já foi copiado e colado por tantos blogs que não sei onde foi a entrevista original. Mas esse link aqui tem esse texto e mais outras frases dele, é só descer a barra de rolagem que você encontra (Jonathan Foreman, vocalista da banda Switchfoot) http://landofbrokenhearts.org/switchfoot/quotes/jon-foreman-quotes/ (é o fansite oficial deles)
Se quiser outro texto dele traduzido é só falar. Obrigada pela resposta!
E o blog continua lindo!
Abraço
Henrique Figueira
25 de fevereiro de 2012É totalmente explicito o comentário do amigo da frase antológica. Realmente tentou explicar o que é o palavrantiga. Mas realmente eu penso e imagino que não é por essa cosmovisão “secular”. A banda não ignora o fato de promover a arte, mas também não ignora a palavra de Deus. Acredito que o palavra em si. É uma banda que faz música, e música é para ser ouvida. Independente de religiões.
Eu sou pentecostal e sou aberto a arte, minha amiga não é evangélica, mas ela ouve o palavra, eu indiquei. Nós gostamos da denominação indie rock (rock alternativo).
Eu ouço Los Hermanos, e também ouço Palavra. mas prefiro o palavra é claro.
E minha amiga prefere o Los Hermanos.
Nós humanos estamos abertos a criticas, o problema é que o pessoal gosta de uma certa complexidade nas coisas.
Yanes Maciel
25 de fevereiro de 2012Graça e Paz!
Seu texto foi genial!
Não sou de BH, o(s) conheci através de um amigo de João Pessoa que mostrou (com bastante empolgação) o trabalho poético-musical da banda contido no primeiro demo do “palavra”.
Agradeço a Deus por aquele amigo ter tido a bondade de me apresentar tal banda (embora eu tenha a certeza que eu ainda iria cruzar com seus caminhos, de uma forma ou de outra.. hehe).
Admiro bastante quem “rema na contramaré” por uma boa causa.
Parabéns pelas motivações e pelo dom da escrita e da música.
Ainda nos veremos pessoalmente (se Deus assim o permitir).
MOXE
25 de fevereiro de 2012Rock’n’Roll galera!!
Isso aê! Glória ao Senhor Jesus!
“Vamo que vamo” acabando com essas divisões rotulares (gospel e não-gospel…) até que tudo seja música, melhor, boa música feita em honra ao Deus da música!
“Me amarro” no som do Palavrantiga…
Graça e Paz aê, people.
Marcio Ribeiro
25 de fevereiro de 2012É o Hope Rock trazendo luz em um caminho por vezes conturbado pelas nomenclaturas e semânticas da nossa “ética protestante” …
Juliana Tavares
25 de fevereiro de 2012Fino!
Gerson Freire
25 de fevereiro de 2012palavrantiga é igual motoboy…”chega um pouquinho pra lá….chega um pouquinho pra cá e deixa “nois” passar”……hahahahahha…..bom demais….vcs criaram a terceira via, que at alguns anos atras parecia impossível.
Juliana Rodrigues
25 de fevereiro de 2012Olá Marcos!
Gostei muito deste texto! Muito esclarecedor… Principalmente para aqueles que fazem essa separação na arte… Como se fosse possível!
Sei lá… Tem muito tempo que penso assim, passei um tempo iludida pelas regras da “arte gospel” e esqueci da beleza da “arte simples”, mas “me libertei” (creio que foi Ele quem me libertou).
Hoje só o que me entristece é que tem muita gente que não procura ao menos entender um pouco do que você escreveu aqui, e continuam oprimindo, e debaixo da opressão, numa esquizofrenia (como você bem colocou) até pior que a própria doença.
Até,
Juliana Rodrigues
Maitê também de Palmas! rs
25 de fevereiro de 2012a maior satisfação de ir a um show é conhecer e cantar todas as músicas e saber que cada letra que as compõem são feitas diretamente e unicamente dos céus! o meu coração enche quando canto que sou casa, lugar de Deus..que o Senhor os abençõe mais e mais de forma grandiosa! paz de Cristo!
Haubeki
25 de fevereiro de 2012Palavrantiga é a quebra do conceito esteriotipado de que o gospel sempre é chato de um ponto de vista não cristão. Eu preciso de música boa, idéias revolucionárias, artistas bons e não apenas barurelhentos. Eu preciso ser cristão sendo uma metamorfose ambulante, e assim como o Raul Seixas e Paulo de Tarso, renovar as minha mente e minhas idéias me despindo dos conceitos formados e ultrapassados. Eu preciso acreditar nas promessas e começando pela música, ver que os dons dos santos sobrepõe os dos ímpios.
Geraldo Neto
25 de fevereiro de 2012É tão bom saber que podemos encontrar pessoas interessadas na simplicidade do amor de Deus e ainda melhor q isso, pessoas q são capazes de traduzir essa simplicidade em arte!!!
Geraldo Neto, Palmas-TO
Marcello de Paulo
25 de fevereiro de 2012Não sei se você sabe (ou se já parou pra pensar), mas milhares de pessoas, no Brasil e no mundo, anseiam pelo “Cântico Novo” a que se refere o Salmista. Cansados de clichês, frases feitas e uma repetição sem fim de melodias, nós, por muito tempo esperamos o tempo de HOJE!
A libertação musical, sem rótulos necessários, parte dessa geração para servir de elo entre o homem e o amor; entre o homem e a esperança; entre o homem e a certeza de que sua existência é regida pelo criador de todas as coisas, inclusive desse fenômeno auditivo que chamamos de música.
Lembremos que nos céus, existe uma canção tocando 24 horas.
Nosso PAI nos espera para compormos este coral maravilhoso! Por enquanto, nos conhecemos por aqui e afinamos nossas vozes!
Palavrantiga é um marco pra música brasileira. Mas isto não serviria de nada, se não fosse um marco legítimo para a minha vida. E, de fato, é!
Caminhemos juntos nesta descoberta do novo. O que sacia a nossa sede musical!
Marcos, que a paz invada o teu coração nesse momento, e te inspire cada vez mais!
Quão maravilhoso é o Espírito Santo…
Nathália Galúcio
27 de fevereiro de 2012Olá!
Seu texto apenas reafirma aquilo que já tenho pensado… o que faz uma musica ser “secular” ou não, não é o rotulo, mas sim o conteúdo..
Palagrantiga, p mim, é a banda que ta marcando o coração de nós cristãos ( apesar de não ter esse rotulo) que estamos cansados das mesmas coisas no meio gospel!
Assim como o Palavra, vem outras bandas como alforria, velho irlandês, crombie, que sabe colocar letras inteligentes.. que bota a gente p pensar no simples, de forma extremamente relevante!
Amo a banda, sei que Deus usa muito, e posso ser criticada com oq vou dizer.. mas assim como los hermanos veio com sua riqueza encantar nossos ouvidos, Palavrantiga tem um “a mais” que é inevitável, o Espírito santo como guia nas suas composições.. bom, é isso ai! espero não ter falado bobagem!
Allan
27 de fevereiro de 2012Que riqueza! Esse post representa tudo aquilo que sempre pensei, mas a diferença é que está com os argumentos certos… A gente tenta justificar uma posição baseado no que o Espírito Santo testifica mas as vezes é difícil traduzir em palavras… Os rótulos só afastam, viva a diversidade! Em Cristo somos livres!
A luz da palavra, todos os preconceitos são quebrados!
Humberto
28 de fevereiro de 2012Acho simplesmente desnecessário essa rotulação gospel desmedida e arbitrária sobre os artistas que são cristãos. Será que tudo que cantamos, escrevemos e pensamos deve conter o “rótulo” Cristo para externar a imagem cristã que professamos?. Mais que uma frase de efeito Cristo deve ser a vida do cristão, estar em Cristo e Cristo nele.
Isso pode causar um efeito na forma do cristão fazer política, música, medicina ou engenharia? Claro que sim! Mais o que o define como cristão não é a imagem em construção é o testemunho da vida interior.
Lendo Daniel não vejo referência ao Deus da terra, somente é citado o Deus do céu pois seu testemunho na terra (Jerusalém) estava em ruínas, assim o que pode estar ocorrendo é exatamente o mesmo; sem o testemunho então mistificamos, “sinagogamos”…
Cantar as flores ou mesmo dizer que Cristo é bom pode vir de alguém cheio do Espírito, o qual é livre e constrangido pela oferta de amor do Pai aqueles que o recebem.
Gisele
31 de julho de 2012Muito bom o texto e os comentários associados! Não posso deixar de lembrar, da música Rookmaaker, que define bem a realidade. A cidade foi tomada pelos homens,esta cheia de sons,de tintas, de atores… então veremos realidades distintas-tristes, vergonhosas e que distorcem o verdadeiro evangelho que nós não deduzimos o próprio Espirito Santo que revela. A música gospel teve seu boom, então muitos pularam para esse lado por interesse. Fica então no campo mais uma missão. Continuemos nós renovando a mente, buscando tudo aquilo que é bom e merece elogios pois isso é o que nós foi recomendado. Feliz por saber que Deus tem usado a banda, façam sempre a diferença! Obg
Helton
18 de janeiro de 2013Muito legal esse debate pessoal, me faz lembrar um trecho de uma canção de uma banda gospel de rock, Fruto Sagrado, que vai de encontro ao que o vocalista do Switchfoot escreveu, que é: o que na verdade somos, o que você vê quando me vê, se o mundo ainda é mau, o culpado está diante do espelho…Fé sem obras é morta, e o que mais vemos hoje em dia é isso, muita gente falando e pouca gente agindo…
Álbum: Palavrantiga – Sobre o Mesmo Chão | Fita Bruta
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Leandro
28 de janeiro de 2014Engajamentos aparte, não devemos esquecer que vivemos no mundo!! isso eh um fato! Negar isso eh, tbm, negar algo divino!! tudo eh questão de perspectiva…