Palavrantiga: uma banda secular que toca no gospel (?)

Postado por: em fev 25, 2012 | 22 comentários

Quarenta e nove

Um amigo de Palmas, em Tocantins, anunciou nossa chegada na cidade de forma antológica! Ele estava no alto de um trio elétrico animando um show de manobras radicais realizadas por alguns  motociclistas malucos. Ao ver a banda, gritou para a plateia (quase 1.000 pessoas em volta da pista) gritou com toda voz, quase em tom de rodeio:

–       Essa noite!!!! No nosso congressooo quem vai fazer o show é Palavrantigaaaa, meu povo; uma banda secular que toca no gospel!!! (Palmas)

 

Não consegui conter o riso. Só depois de alguns segundos percebi que ele, da sua forma, estava tentando traduzir – dentro das categorias que permitia o vocabulário evangélico – todo o movimento que nasce nesse tempo onde simultaneamente vemos a ascensão do movimento gospel e uma geração de artistas cristãos que receberam essa matriz cultural [ou parte dela] e a partir disso estão dando forma a uma música brasileira de raízes cristãs.  Uma música que não está interessada em vender religião (fazendo proselitismo), mas apenas em compartilhar a experiência daquele que vive a Boa Nova de forma inteira sem repartir o mundo, sem “esquizofrenizar” a nossa existência.

 

É uma música cuja identidade não se estabelece sobre demandas mercadológicas, ou de siglas, ou de  grifes com agenda panfletária ou midiática, mas sua essência está no discernir espaços e soberanias da nossa realidade (falo agora como devedor dos holandeses). Temos ao menos dois espaços para discernir aqui: 1) o espaço eclesiástico (cujo núcleo de sentido é a FÉ) que se difere do 2) espaço artístico (cujo núcleo de sentido é o ESTÉTICO, ou seu poder de alusividade). É preciso discernir sabendo que elas estão diante da face de Deus.

Não só isso, a identidade desse novo movimento está na capacidade de dialogar com a sua matriz principal; a Igreja, que infelizmente anda sendo confundida com o movimento gospel em si – mas todos nós sabemos que não é a mesma coisa. A Igreja existe há tanto tempo… Ela está nesse diálogo com a cultura há milénios e o movimento gospel  é a ponta desse processo histórico (aqui no Brasil) – a cena gospel é UMA das respostas que os cristãos evangélicos deram para a cultura.

 

É preciso considerar também que o novo tempo que vivemos, de simultaneidades, de nascimentos e coroações, é tempo onde não cabe aquele discurso pseudo-intelectualizado de alguns evangélicos que satanizaram o movimento gospel, tentando leva-lo ao ridículo, para então apresentar uma produção alternativa que acabou encontrando razão de ser no revide, na revolta, na vontade apologética de peneirar o joio. Uma arte cuja identidade se firma na vontade de vingança acaba por ser panfletária, ideologia pela ideologia, quando deveria ser artística, expressiva, sincera, fincada no amor, na paz e na leveza de apenas ser.

 

Meu amigo estava quase certo, mas sinto informar que não somos uma banda secular (não trabalhamos com essa cosmovisão); ainda falta vocabulário para transpor essas dificuldades dialéticas, mas talvez ele tenha sido o que mais chegou perto. Somos uma banda brasileira de rock  que toca na Igreja, que toca no bar, que toca na FNAC, que toca em casa (aliás, hoje às 20h – 25 de fevereiro – tem House Show em L’Abri – mande e-mail para contato@palavrantiga.com e reserve seu lugar).

 

Ah, a FNAC hoje! Foi histórico. Recorde de publico quebrado [nenhuma banda conseguiu levar tanta gente naquele lugar – informação da gerência], amigos de todas as épocas e geografias da região metropolitana (em BH e Contagem me mudei mais de 20 vezes, muitos amigos) , eles estavam lá, da zona sul e da periferia, tatuados e sem tatuagem, pentecostais e batistas, ali: no café que se tornou uma grande sala onde a diversidade não foi empecilho para a unidade, onde cantamos com força, com alegria e certos de que o Espírito estava enchendo a casa. Emocionante.

Esferas de soberania sendo respeitadas, quatro cristãos compartilhando sua arte, quatro artistas assumindo sua vocação junto aos cúmplices que vivenciaram a confirmação disso tudo que falamos acima e agora repito:

Chegou o tempo onde artistas não precisarão mais justificar sua arte através do argumento religioso, nem serão covardes abrindo mão da sua confissão mais sincera. É tempo onde o mundo dividido entre  secular e o gospel vê nascer uma música brasileira tecida na Esperança!

 

Que bom estar vivo para ver isso!

Hoje, século XXI

Hoje, onde vi na FNAC uma nova épica.

Hoje, feliz por ser roqueiro no Brasil.

Hoje, enxergando uma outra via cada vez mais nítida.

Hoje, crendo que nosso país vai ensinar isso ao resto do mundo.

Hoje, aqui.

 

Aquele abraço demorado em todos vocês. Até daqui a pouco no House Show.

 

Belo Horizonte

L’Abri Brasil

24.02.12