Nomes & Rótulos

Nomes & Rótulos

Postado por: em dez 18, 2013 | 9 comentários

Um nome, a primeira vista, tem menos informações que um rótulo. Um nome é, a primeira vista, mais impreciso. Daí vem o rótulo dar à embalagem aquilo que dizem extrapolar o nome do produto. O rótulo parece que é mais.

No rótulo que envolve a embalagem você encontra além do nome, a marca, o fabricante, os componentes, o tempo, a data, a fórmula… Olha o rótulo! Tantas coisas (in)úteis estão ali para classificar certo produto…

Quintana dizia que um nome surge da necessidade de “batizar pessoas e livros”. Inclua aí a música, seu poeta!

Nome é coisa de família. Rótulos são feitos para produtos. E quando seres sem alma pedem às pessoas: por favor, mostrem seu rótulo, não estariam cometendo uma grande ofensa?

Pessoas não são produtos. Nomes são maiores que os rótulos. Livros e músicas não cabem em nenhuma embalagem.

lulubiscoitosMas, a música desde o início do século passado é tratada sem cerimônia como item da indústria, não é não? Não seria um produto tudo aquilo que é vendido em prateleiras de supermercados?

A música, não se enganem, não cabe em embalagens. Não cabe não. O que compramos são pedaços de plástico, caixas acrílicas, envelopes de papelão. O que aparece nas lojas de música são discos, estojos, bolachas; é o fruto do trabalho do cortador de acetato.

A música, cuidado, não cabe em embalagens. Aqueles nerds já tentaram encapsular sons e canções em super recipientes digitais de siglas esquisitas: ogg, mp3, wav, flac, aiff, aac… Dizem que a música cabe ali. Não cabe não. O que aparece nos nossos computadores são apenas dados armazenados em blocos, são codecs e ficheiros: é o fruto do trabalho de algum engenheiro obstinado.

Uma música é maior que seu nome! E olha que nome é coisa grande. Mas, se a música tem nome de batismo, fica combinado de agora em diante, que essa música dispensa qualquer rótulo e apelido.

 

Marcos Almeida

 

13 de Fevereiro / O Evangeliquês e o Português do Brasil: uma tradução possível.

Postado por: em fev 13, 2012 | 5 comentários

Quarenta e dois 

 

Graça e paz, tá amarrado, no óleo, fogo, na benção, xurias, unção, levita, Jesus Cristo tem poder, ministério de tempo integral, varão, misericórdia, vitória, promessas, manto, cajado, atribulado, reino, aleluia irmão (!), sapatinho de fogo, amado, amada, querido, querida, reconciliação,filho, filha, amor, força, cruz, vaso, gazofilácio , labasurianderá, glórias, shuu, ooww, uuuuhh, queima ele

 

A variação linguística encontrada dentro das igrejas evangélicas atende às necessidades de comunicação específicas da comunidade protestante tupiniquim. Talvez o que você acabou de ler soe como uma língua estranha demais, por se tratar de realidades não experimentadas na sua existência, isso quer dizer que soar estranho nem sempre está relacionado ao vocabulário  ou ao sotaque apenas, mas à origem, à necessidade e à experiência daquele que se utiliza da língua. Uma coisa sabemos, embora seja uma variação social do português, restrita a esse grupo, não deixamos de incluir essas expressões dentro do português brasileiro – elas fazem parte da nossa língua. Mas, seria possível falar em português-comum o que essa variação evangélica tão especificamente verbalizou? Esse é o nosso assunto de hoje.

 

Alguns já apelidaram o pequeno léxico evangélico de evangeliquês.  Mas, o que importa  neste momento é frisar que existe sim um pequeno vocabulário dentro do português brasileiro que atende prioritariamente à comunidade evangélica. Em segundo lugar é preciso discutir a possibilidade de tradução. Terceiro: para quê traduzir? Quarto: quem vai ser o tradutor?

 

Vamos direto ao segundo ponto porque o primeiro já está claro. Imagine; é bem provável que o sujeito que comeu macaxeira frita jamais saberá o que é aipim frito se alguém não o informar que aquela raiz é a mesma Manihot utilissima batizada com nome diferente. O sabor está na sua memória alimentar embora lhe falte qualquer necessidade de inventar novo nome para o sensacional tira-gosto. Pra que, gente? Macaxeira frita é o melhor nome que o sujeito encontrou, principalmente se ele for pernambucano! O mesmo vale para a pessoa que cresceu ouvindo que Manihot utilissima é aipim (caso dos capixabas). No entanto, não sei se você percebeu, se trata da mesma raiz, do mesmo prato, da mesma fritura. Existe o fenômeno  igual com nome diferente. Eis aí a possibilidade da tradução: o fenômeno, a coisa, o objeto, a pessoa, a experiência comum!

Além disso, acreditar que o evangeliquês é superior ao português para expressar a espiritualidade do brasileiro é preconceito. Sim, preconceito diante da história da nossa língua comum e das outras variações linguísticas que nós temos. É acreditar que  a língua do outro tem alguma deficiência, é viver pensando que as especificidades da nossa cultura não encontrará de forma alguma um vocabulário equivalente em outra tribo. Também implica em colocar a experiência  comum da espitirualidade dentro das fronteiras do nosso gueto.

 

Agora, para que traduzir? Quando um alemão deseja se comunicar com um brasileiro, porque tem  vontade de ouvir sobre o samba ou porque necessita filosofar, eles precisam escolher uma língua. Se de fato existe um desejo do crente evangélico se comunicar com as outras tribos da república é preciso encontrar um léxico comum e por que não o português comum? Por que não cantar música evangélica em português?  Tradução só faz sentido para quem deseja aproximação, encontro e diálogo. Aquilo que lemos no início desse texto pode soar Deutsch para muitos brasileiros, mas, também sabemos que o nosso país mestiço, sincrético e híbrido é caso único no planeta, sem exagero, poderíamos chamá-lo de País do Encontro.  Essa tradução, portanto, é possível justamente porque estamos no Brasil!

 

Quem será o tradutor?

 

A gente continua amanhã.

Marcos Almeida