“Uma conversa noturna com Tolkien: setembro de 1931”. Por Alister McGrath

Postado por: em jan 9, 2014 | 5 comentários

 

Alister McGrath

Alister McGrath

 ALISTER McGRATH

 O capítulo final de Surpreendido pela alegria fala de forma breve e atormentadora sobre a transição de Lewis do teísmo “puro e simples” para o cristianismo. Lewis se esforça para deixar claro que essa conversão não teve nada a ver com desejo ou anseio…

A retórica de Lewis nesse ponto parece sobrepujar uma antiga caricatura ateísta da fé, entendida como “realização de um desejo”. Essa ideia, classicamente formulada por Sigmund Freud (1856-1939), procede de uma linhagem intelectual que tem suas raízes nas brumas do tempo. Segundo essa visão, Deus é um sonho consolador dos frustrados, uma muleta espiritual para os inadequados e carentes.  Lewis se distancia de qualquer ideia dessa natureza. A existência de Deus, insiste ele, não era algo que desejava ser verdadeiro. Ele apreciava demais sua independência para isso. “Eu sempre quis, acima de tudo, não ‘sofrer nenhuma interferência’.” Com efeito, Lewis se viu confrontado por algo que ele não desejava que fosse verdadeiro, mas foi forçado a aceitar que era verdadeiro.

[Nas correspondências para seu amigo Greeves] Lewis explicou que sua dificuldade [de passar da crença em Deus para a crença definitiva em Cristo, no cristianismo] tinha sido não conseguir ver “como a morte de Outra Pessoa (quem quer que fosse) dois mil anos antes poderia nos ajudar aqui e agora”. Uma incapacidade de ver sentido nisso o impedira de avançar “durante o último ano ou mais ou menos isso”. Ele podia admitir que Cristo pudesse ser um bom exemplo, mas nada além disso. Lewis percebia que o Novo Testamento tinha uma visão muito diferente, usando termos como propiciação  ou  sacrifício para referir-se ao significado desse evento. Mas essas expressões, declarava Lewis, lhe pareciam “bobas ou chocantes”.

foi a abordagem de Tolkien que parece ter aberto as portas para Lewis, mostrando-lhe uma nova maneira de ver a fé cristã… Tolkien ajudou Lewis a perceber que o problema estava não em sua incapacidade racional  de entender a teoria, mas em sua incapacidade imaginativa de captar o significado dela. A questão não dizia respeito primariamente à verdade, mas ao significado. Quando lidava com a narrativa cristã, Lewis se limitava à sua razão pessoal quando deveria abrir-se para as intuições mais profundas de sua imaginação.

 

tolkien_lewis

Tolkien argumentou que Lewis deveria abordar o Novo Testamento com o mesmo senso de abertura e expectativa imaginativa que, em seus estudos profissionais, o levaram à leitura de mitos pagãos. Mas como Tolkien argumentou, havia uma diferença decisiva. Conforme Lewis se expressou na sua segunda carta a Greeves: “A história de Cristo é simplesmente um mito verdadeiro: um mito que atua em nós da mesma forma que os outros mitos, mas com essa tremenda diferença de que isso realmente aconteceu”.

O leitor deve avaliar que a palavra mito não está sendo aqui empregada no sentido amplo de um “conto de fadas” ou no sentido pejorativo de uma deliberada mentira com o intuito de enganar”. Essa é a maneira como Lewis entendia outrora os mitos – como “mentiras sussurradas através da prata”. Como foi empregado na conversa entre Lewis e Tolkien, o termo mito deve ser entendido em seus sentido literário técnico, se se quiser avaliar a importância dessa troca de ideias.

Para Tolkien, um mito é uma história que transmite “coisas fundamentais”; em outras palavras, que tenta nos falar sobre a estrutura mais profunda das coisas. Os melhores mitos, argumenta ele, não são falsidades construídas deliberadamente, mas são contos criados pelas pessoas para captar os ecos de verdades mais profundas. Os mitos nos apresentam um fragmento dessa verdade, não sua totalidade. Eles são como fragmentos estilhaçados da verdadeira luz. Para Tolkien, entender o significado do cristianismo era mais importante do que entender sua verdade. Esse entendimento proporcionava um quadro total, unificando e transcendendo percepções fragmentadas e imperfeitas.

Não é difícil ver como a maneira de pensar de Tolkien trouxe clareza e coerência para a confusão de ideias que tanto agitavam a mente de Lewis nessa época. Para Tolkien, um mito desperta em seus leitores o desejo por algo situado além de seu alcance. Os mitos têm uma capacidade inata de expandir a consciência dos leitores, permitindo-lhes ir além de si mesmos. Na melhor das hipóteses, eles oferecem o que Lewis mais tarde denominou “um real embora desfocado vislumbre da verdade divina incidindo sobre a imaginação humana”. O cristianismo, em vez de ser um mito entre muitos outros, é assim a realização de todas as outras religiões mitológicas anteriores. Ele narra uma história verdadeira sobre a humanidade, que confere sentido a todas as histórias que a humanidade conta sobre si mesma.

Está claro que a maneira de pensar de Tolkien tocou Lewis profundamente. Ela respondeu a uma pergunta que havia atormentado Lewis desde sua adolescência: como apenas o cristianismo poderia ser verdadeiro, e tudo o mais, falso? Lewis agora percebeu que ele não precisava declarar que os grandes mitos da era pagã eram totalmente falso; eles eram ecos ou antecipações da verdade plena, que foi dada a conhecer apenas na fé cristã e por meio dela. O cristianismo confere plenitude e completude a percepções imperfeitas e parciais acerca da realidade, espalhadas na cultura humana. Tolkien deu a Lewis uma lente, um jeito de enxergar as coisas, que lhe permitiu ver o cristianismo como algo que traz plenitude a esses ecos e sombras de verdades que surgiam do questionamento e anseio humano. Se Tolkien estivesse certo, “deveria haver” semelhanças entre o cristianismo e as religiões pagãs. Só haveria problemas se essas semelhanças não existissem.

Talvez o mais importante é que Tolkien permitiu a Lewis religar o mundo da razão com o mundo da imaginação…

O cristianismo, percebeu Lewis, lhe permitia afirmar a importância do anseio e da saudade numa narrativa razoável da realidade. Deus era a verdadeira “fonte de onde aquelas flechas de Alegria haviam sido disparadas […] desde a infância”. Assim, a razão, bem como a imaginação, eram afirmadas e reconciliadas pela visão cristã da realidade. Dessa forma, Tolkien ajudou Lewis a perceber que uma fé “racional” não era necessariamente estéril do ponto de vista imaginativo e emocional. Entendida corretamente, a fé cristã podia integrar a razão, o anseio e a imaginação”

 

[ Extraído do livro “A vida de C.S. Lewis”, págs 165 a 170, do autor ALISTER MAcGRATH, Ed. Mundo Cristão, 2013. Compare os preços aqui.]

Brother – Jorge Ben

Brother – Jorge Ben

Postado por: em out 18, 2013 | 5 comentários

Apesar de uma provável autocensura à sua biografia, Jorge Ben ainda pode ser ouvido na irresistível “Brother”! Conhece?

Iniciamos, ontem, a divulgação de cem canções brasileiras que utilizam símbolos da espiritualidade cristã em seus versos. Cada dia você vai conferir  uma amostra.Se trata de canções presentes na famosa lista que a revista Rolling Stone fez em 2007; a lista dos 100 maiores discos da música brasileira. Esses discos foram sistematicamente catalogados pela pesquisadora, socióloga e mestranda em ciências sociais, Sarah Ferreira de Toledo, a pedido do Nossa Brasilidade. Em hora oportuna, também vou publicar uma série de novos textos que estou compondo, afim de apresentar outra forma de ler a nossa música brasileira. O objetivo, entre outros, é desestabilizar as polaridades conceituais que dominam o senso comum, dificultando a apreciação das confissões religiosas nas musicas não litúrgicas.

Hoje, escolhi uma canção do (na época) Jorge Ben, chamada “Brother”. Está presente num disco fantástico e repleto de confissão mística, o celebrado “A Tábua de Esmeralda” de 1972 – vale a pena ouvi-lo inteiro, o que já seria suficiente para entenderem muita coisa que falo sobre porosidade religiosa na música popular .

A letra de “Brother”, curiosamente, não se encontra no site oficial do cantor – sim, todas as outras letras do disco estão lá! Bem… coisas desse tipo e todo esse clima Lavigne que emerge de certos discursos e artigos dos patriarcas da nossa música, me levam a crer que as biografias desses artistas foram e estão sendo censuradas por motivos ideológicos. Isso não foi suficiente para esconder esse spiritual tupiniquim, que completou 40 anos dizendo: Jesus Christ is my Lord, Jesus Christ is my friend . Posso ouvir um aleluia, neste Blog fervoroso!? Posso ouvir?  Orelha na caixa!

 

Brother

De: Jorge Ben

Intérprete: Jorge Ben

Disco: A Tábua de Esmeralda

Gravadora: Universal

Ano: 1972

Brother, Brother, prepare one more happy way for my Lord 
With many love and flowers, and music, and music 

Brother, Brother, prepare one more happy way for my Lord 
With many love and flowers, and music, and music 

Jesus Christ is my Lord, Jesus Christ is my friend 
Jesus Christ is my Lord, and Jesus Christ is my friend 

Brother, Brother, prepare one more happy way for my Lord 
With many love and flowers, and music, and music 

Brother, Brother, prepare one more happy way for my Lord 
With many love and flowers, and music, and music 

Jesus Christ is my Lord, Jesus Christ is my friend 
Jesus Christ is my Lord, and Jesus Christ is my friend 

Brother, Brother, prepare one more happy way for my Lord 
With many love and flowers, and music, and music 

Brother, prepare one more happy way for my Lord (sweet Jesus!) 
Brother, prepare one more happy way for my Lord (sweet Jesus!) 
Brother, prepare one more happy way for my Lord 

Jesus Christ is my Lord, Jesus Christ is my friend (sweet Jesus!) 
Jesus Christ is my Lord, Jesus Christ is my friend (Come everybody brother!) 
Jesus Christ is my Lord, Jesus Christ is my friend…

Wagner Moura / O Amor é phoda e minha religião é o Radiohead

Wagner Moura / O Amor é phoda e minha religião é o Radiohead

Postado por: em abr 18, 2012 | 20 comentários

 

Na edição 49 [Out 2010] da Rolling Stone, o ator Wagner Moura (Capitão Nascimento em Tropa de Elite) faz uma declaração curiosa a respeito da sua espiritualidade. Por Ricardo França Cruz:

07 de Fevereiro / Newton Moreno e Maria do Caritó

Postado por: em fev 7, 2012 | 1 comentário

Trinta e oito

 

Nova Geração

 

Rookmaaker dizia que o artista tem um tipo de aspirador espiritual apontado para o seu tempo. Ele aspira o que estiver ao seu alcance. As metáforas, os tipos, as palavras, as cenas revelam a poeira do cotidiano. Vamos ler agora  uma parte do que Newton Moreno conseguiu aspirar. Um dos mais premiados autores da nova geração.

 

A peça Maria do Caritó foi escolhida para esse post por um só motivo: eu assisti e gostei. Desse trecho tiro tanta coisa…

bilhete com a reserva para a peça

Espero que te inspire:


Cena 11

No escuro, ouve-se Maria cantando.

Maria Caritó

“Santo Antônio pequenino

Deus me guie em bom caminho

Nossa Senhora, minha madrinha

Nosso Senhor, o meu padrinho.”

 Luz volta e Maria está no mesmo lugar onde começou a peça. O pau-de-sebo no palco, com as bandeira de Santo Antônio penduradas no alto. Maria abraçada com a imagem de Santo Antônio.

Maria Caritó

Ontem, eu tive um pesadelo danado. Tu já pensasse se tu olhasse para a cruz e não achasse mais Jesus? Apois, no meu pesadelo, todas as imagens de Cristo sumiam das igreja e das casas. Era um varal de cruzes abandonadas , sem nenhum corpo do salvador, nem resto de seu sangue, nem bilhete de despedida. Mesmo sem sinal de roubo, a poliça começava a investigar. Os padres acreditavam em intervenção divina: Jesus desistiu de todos nóis. O homem caiu muito. Ele se mudou de mala, cuia e coroa de espinho para outro lugar. Aí, no meu sono, a cidade enlouquecia. Começaram a se acusar. Todo mundo virou um possíve suspeito. Até escolherem um morador novo e malquisto. Todos descobriram algo que não gostavam a seu respeito. Ele se traja diferente, ele não fala com quase ninguém, ele ouve música alto, ele parece meio afeminado, ele cheira mal. O povo danou-se a listar defeito no home, até que exigiro que ele confessasse. E ele, nada. Ainda assim, o homem era preso. Mas aí as imagens começaram a sumir em outro lugarejo próximo. E noutro. E noutro. Então eles viro que cometeram um erro e foram pedir para soltar o moço. Uns arrependidos começaram a se ajoelhar nas cruzes despidas de Nosso Senhor e rezavam com fé, pedindo uma explicação. Só quando toda a cidade tinha retornado à missa e pedia em coro para o retorno de Jesus é que entrou correndo pela nave da Igreja um menino e ele gritava: “Jesus pousou lá em casa!”. Pois num é que o povo foi todinho acudir à sua casa? Quando chegaram lá, era um casebre simples e tinha uma véia sentada, segurando uma imagem pequena, talhada em madeira, com a figura de Jesus. Ela disse: “Num sei porque esse aperreio. Eu sempre sube que ele voltaria. Isso foi só um teste para ver até onde ocês confiava que ele num abandonaria. Nunca perdi a fé.”

Aí, nessa hora, eu acordei. E considerei: é a fé que põe de pé, é a fé que faz desabar.

Ainda está valendo a promo.

Ah, esqueci de dizer: a Lilian Cabral é quem interpreta Maria Caritó. Releia agora imaginando ela no palco. É de arrepiar!

03 de Fevereiro / José Albano

Postado por: em fev 3, 2012 | 3 comentários

 Trinta e quatro

Clássico

 

 

Reverenciado por Tristão de Athayde como alguém que “criou uma poesia intemporal, em que o verdadeiro clássico se perpetua em sua perenidade”. Um homem que os historiadores não conseguem catalogar, José Albano declama agora no Nossa Brasilidade o seu Soneto IX. Vamos ouvir:

 

Bom Jesus, amador das almas puras,

Bom Jesus, amador das almas mansas,

De ti vêm as serenas esperanças,

De ti vêm as angélicas doçuras.

Em toda parte vejo que procuras

O pecador ingrato e não descansas,

Para lhe dar as bem-aventuranças

Que os espíritos gozam nas alturas.

A mim, pois, que de mágoa desatino

E, noute e dia, em lágrimas me banho,

Vem abrandar o meu cruel destino.

E, terminado este degredo estranho,

Tem compaixão de mim, Pastor divino,

Que não falte uma ovelha ao teu rebanho!

(Soneto IX – José Albano )