Guilherme de Carvalho / O bem e o mal

Guilherme de Carvalho / O bem e o mal

Postado por: em jun 27, 2012 | 3 comentários

“É honesto reconhecermos o mal no mundo;

mas é desonesto fazê-lo para justificar nosso próprio desprezo pelo bem.

 

Muitos que correm a denunciar o sentimentalismo “gospel” são,

infelizmente,

mendigos morais que desenvolveram uma afeição à sarjeta,

e que não querem admitir a existência da alegria,

para não admitir seu fracasso em alcançá-la.

 

O amor pela verdade e pelo bem deve ser forte o suficiente para nos levar à indignação contra a injustiça,

mas para isso teremos que nos ajoelhar diante do bem,

crer em sua verdade

e nos alegrar em sua beleza.”

 

[Guilherme de Carvalho é pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte, escritor e diretor de L’Abri Brasil. Saiba mais aqui]

A Umbanda Music e o Samba sem Farofa

A Umbanda Music e o Samba sem Farofa

Postado por: em abr 20, 2012 | 16 comentários

A música sacra afro-brasileira – utilizada especificamente nos cultos aos orixás – foi, no entendimento dos estudiosos do samba, a engrenagem desse estilo musical que ainda hoje é chamado de ‘o ritmo do Brasil’; esse som brasileiro tem na dança religiosa dos negros sua grande matriz. Bantos e iorubás (principais povos africanos trazidos para cá), de acordo com Reginaldo Prandi, só formaram de fato uma religião própria a partir da segunda metade do século XIX – nessa mesma época chegaram os primeiros missionários protestantes ao Brasil, quando também se organizou as igrejas históricas (congregacional, presbiteriana, metodista e batista). O Protestantismo Tupiniquim e o Candomblé, portanto, fazem aniversário no mesmo tempo. Lá se vão cento e sessenta anos!

Cena de Samba / Antonio Gomide

Muito tem sido investigado sobre a “contribuição evangélica à cultura brasileira”.Gedeon Alencar, cientista da religião e escritor, nos provocou recentemente a respeito desse tema. Logo que comecei a escrever sobre a nossa brasilidade, suas inquietações emergiram dessas águas misteriosas por onde navego enquanto descubro esse mar de informações. Para Alencar, o nosso protestantismo atual é “ambíguo, pluralista, intermediário, carnavalesco, sincrético… nem branco nem preto. Protestantismo Tupiniquim Mulato”. Mas, antes de se construir esse jeito evangélico, essa atitude antropofágica em relação a cultura, onde tudo que é mundano vira gospel, “lavando e santificando” os ritmos, esportes, tvs, rádios, cinemas e etc , antes disso, a classe média branca e católica deu uma outra resposta ao samba de terreiro logo no início de tudo; lá nos temos de Pixinguinha e Donga [frequentadores dos terreiros], nesse tempo, já existia Noel Rosa, Braguinha e Almirante com um projeto: fazer um samba sem farofá.

 

 

A filha carioca do Candomblé – a Umbanda – e também o samba, surgem quase que ao mesmo tempo, “nos anos 20 e 30 do século passado, ambos frutos do mesmo processo de valorização da mestiçagem que caracterizou aqueles anos e de construção de uma identidade mestiça para o Brasil” (Prandi) . Esse mesmo autor aqui citado catalogou e publicou 761 letras da MPB com referência a orixás e outros elementos das religiões afro-brasileiras. Entre o nascimento do samba e os dias de hoje (passe o olho na nova geração da chamada música popular) existe uma grande quantidade de termos explícitos da confissão mística do candomblé, o que chamo em contraste ao gospel brasileiro de umbanda music. Vinícius de Morais, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Clara Nunes, Ivete Sangalo, Jorge Ben Jor, Lenine, Céu, Maria Betânia, Elis Regina, Ivan Lins, Maria Gadú, Seu Jorge, Roberta Sá, para não falar dos sambistas Martinho da Vila, Arlindo Cruz e Lecy Brandão, artistas da música erudita como Villa Lobos, Carlos Alberto Pinto da Fonseca, todos eles e muitos outros do rock nacional também se renderam à uma confissão religiosa, a saber a Umbanda e o Candomblé. Não é a toa que acho muito estranho chamarmos somente a música de confissão cristã de religiosa… Não é a toa que acho esquisito chamarmos uma confissão específica [a que exalta o panteão afro] de tipicamente brasileira e a outra de “gospel”, uma coisa a parte… Você não acha?

Noel Rosa

Mas, como já disse anteriormente, lá no início já havia gente que não se sentia a vontade com a temática ou a visão de mundo da umbanda music e nem por isso foram lançados para fora da cultura, criando um segmento ‘confessional’ por não reproduzirem o canto dos terreiros. Em algum momento de suas carreiras, estes artistas cantaram outro universo diferente daquele cantado pela grande maioria da MPB. Entre eles podemos citar, além de Noel Rosa, Braguinha e Almirante, o nosso sambista realista Nelson do Cavaquinho, Tom Jobim, Milton Nascimento e a turma do Clube da Esquina, Los Hermanos, Legião Urbana e o mais famoso deles, Roberto Carlos. Se o pesquisador Reginaldo Prandi se utilizou de recursos públicos e de uma equipe de colaboradores para fazer uma lista de composições com referencias à poesia afro, por que não fazer o mesmo investigando a marca cristã dentro da música popular brasileira? Estou convencido de que a turma que gasta tempo criticando a própria família da fé daria contribuição mais digna ao Reino empenhando forças nesta direção, no mínimo a nossa cultura seria mais enriquecida com trabalho tão importante. Certamente vamos encontrar muitos e geniais artistas como o grande cantador Elomar cujo lema é “servir a Deus e cantar o sertão”. E o caso do Noel? Ouça aí: “A vila tem um feitiço sem farofa/ Sem vela e sem vintém/Que nos faz bem”.

Em Janeiro deste ano, a presidente (a) Dilma sancionou uma lei que altera a famosa Lei Rouanet para estender benefícios da renúncia fiscal à música religiosa, o texto diz: “Para os efeitos desta Lei, ficam reconhecidos como manifestação cultural a música gospel e os eventos a ela relacionados, exceto aqueles promovidos por igrejas.” Isso já é uma avanço no sentido de atualizar o discurso da nossa identidade brasileira – algo parecido com o que foi feito no início do século passado com relação a mestiçagem e ao negro – pois seria absurdo ignorar a força da música evangélica. Não interessa aqui o esforço político envolvido nessa mudança. No entanto, algo além disso está claro para mim: a nova geração, naturalmente vai construir uma nova música brasileira tendo uma outra matriz para a sua confecção, que não é a umbanda music, nem o pessimismo filosófico do rock oitentista, mas a herança cristã que o jovem e contraditório movimento gospel divulgou e em muitos casos renegou. Não precisa acender sua vela. Essa música já está ai!

 

 

[ Esse texto você encontra também na Ultimato Online. Toda sexta-feira uma coluna especial para o portal da revista cristã mais influente do Brasil]

Palavrantiga: uma banda secular que toca no gospel (?)

Postado por: em fev 25, 2012 | 22 comentários

Quarenta e nove

Um amigo de Palmas, em Tocantins, anunciou nossa chegada na cidade de forma antológica! Ele estava no alto de um trio elétrico animando um show de manobras radicais realizadas por alguns  motociclistas malucos. Ao ver a banda, gritou para a plateia (quase 1.000 pessoas em volta da pista) gritou com toda voz, quase em tom de rodeio:

–       Essa noite!!!! No nosso congressooo quem vai fazer o show é Palavrantigaaaa, meu povo; uma banda secular que toca no gospel!!! (Palmas)

 

Não consegui conter o riso. Só depois de alguns segundos percebi que ele, da sua forma, estava tentando traduzir – dentro das categorias que permitia o vocabulário evangélico – todo o movimento que nasce nesse tempo onde simultaneamente vemos a ascensão do movimento gospel e uma geração de artistas cristãos que receberam essa matriz cultural [ou parte dela] e a partir disso estão dando forma a uma música brasileira de raízes cristãs.  Uma música que não está interessada em vender religião (fazendo proselitismo), mas apenas em compartilhar a experiência daquele que vive a Boa Nova de forma inteira sem repartir o mundo, sem “esquizofrenizar” a nossa existência.

 

É uma música cuja identidade não se estabelece sobre demandas mercadológicas, ou de siglas, ou de  grifes com agenda panfletária ou midiática, mas sua essência está no discernir espaços e soberanias da nossa realidade (falo agora como devedor dos holandeses). Temos ao menos dois espaços para discernir aqui: 1) o espaço eclesiástico (cujo núcleo de sentido é a FÉ) que se difere do 2) espaço artístico (cujo núcleo de sentido é o ESTÉTICO, ou seu poder de alusividade). É preciso discernir sabendo que elas estão diante da face de Deus.

Não só isso, a identidade desse novo movimento está na capacidade de dialogar com a sua matriz principal; a Igreja, que infelizmente anda sendo confundida com o movimento gospel em si – mas todos nós sabemos que não é a mesma coisa. A Igreja existe há tanto tempo… Ela está nesse diálogo com a cultura há milénios e o movimento gospel  é a ponta desse processo histórico (aqui no Brasil) – a cena gospel é UMA das respostas que os cristãos evangélicos deram para a cultura.

 

É preciso considerar também que o novo tempo que vivemos, de simultaneidades, de nascimentos e coroações, é tempo onde não cabe aquele discurso pseudo-intelectualizado de alguns evangélicos que satanizaram o movimento gospel, tentando leva-lo ao ridículo, para então apresentar uma produção alternativa que acabou encontrando razão de ser no revide, na revolta, na vontade apologética de peneirar o joio. Uma arte cuja identidade se firma na vontade de vingança acaba por ser panfletária, ideologia pela ideologia, quando deveria ser artística, expressiva, sincera, fincada no amor, na paz e na leveza de apenas ser.

 

Meu amigo estava quase certo, mas sinto informar que não somos uma banda secular (não trabalhamos com essa cosmovisão); ainda falta vocabulário para transpor essas dificuldades dialéticas, mas talvez ele tenha sido o que mais chegou perto. Somos uma banda brasileira de rock  que toca na Igreja, que toca no bar, que toca na FNAC, que toca em casa (aliás, hoje às 20h – 25 de fevereiro – tem House Show em L’Abri – mande e-mail para contato@palavrantiga.com e reserve seu lugar).

 

Ah, a FNAC hoje! Foi histórico. Recorde de publico quebrado [nenhuma banda conseguiu levar tanta gente naquele lugar – informação da gerência], amigos de todas as épocas e geografias da região metropolitana (em BH e Contagem me mudei mais de 20 vezes, muitos amigos) , eles estavam lá, da zona sul e da periferia, tatuados e sem tatuagem, pentecostais e batistas, ali: no café que se tornou uma grande sala onde a diversidade não foi empecilho para a unidade, onde cantamos com força, com alegria e certos de que o Espírito estava enchendo a casa. Emocionante.

Esferas de soberania sendo respeitadas, quatro cristãos compartilhando sua arte, quatro artistas assumindo sua vocação junto aos cúmplices que vivenciaram a confirmação disso tudo que falamos acima e agora repito:

Chegou o tempo onde artistas não precisarão mais justificar sua arte através do argumento religioso, nem serão covardes abrindo mão da sua confissão mais sincera. É tempo onde o mundo dividido entre  secular e o gospel vê nascer uma música brasileira tecida na Esperança!

 

Que bom estar vivo para ver isso!

Hoje, século XXI

Hoje, onde vi na FNAC uma nova épica.

Hoje, feliz por ser roqueiro no Brasil.

Hoje, enxergando uma outra via cada vez mais nítida.

Hoje, crendo que nosso país vai ensinar isso ao resto do mundo.

Hoje, aqui.

 

Aquele abraço demorado em todos vocês. Até daqui a pouco no House Show.

 

Belo Horizonte

L’Abri Brasil

24.02.12

25 de Janeiro / O xiita gospel contra o mundo real.

Postado por: em jan 25, 2012 | 16 comentários

Vinte e cinco

Toda a produção cultural do nosso povo, dos religiosos aos ateus, nestes 500 anos de história, e não só daqui mas de todo o mundo, tem na seguinte certeza a  sua principal razão de ser:

“Ele fez tudo apropriado a seu tempo. Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade; mesmo assim este não consegue compreender inteiramente o que Deus fez”

(Salomão 950 A.C.)

 

É como se coubesse dentro do nosso coração toda a eternidade, o mundo inteiro morando dentro da gente. Milhares de hóspedes, ideias e  experiências, tudo é enigma e mistério; tudo se esvai e fica, tudo dura e passa apressado, mas nunca  passa sem nos deixar marcados. A eternidade dentro de nós dói à beça. Dói demais!

Está aí o principal motivo para qualquer produção cultural; a fome de céu, ou, o mundo inteiro que mora dentro de nós e que carece de luz pois é só escuridão. Vivemos tateando no escuro, buscando alguma forma de encontrar qualquer janela que ilumine o ambiente misterioso que é o nosso coração. Uma janela apenas já iluminaria tudo.

 

É por isso que passei a compartilhar aqui no Nossa Brasilidade as implicações culturais dessa nossa estrutura; já que toda cultura é uma forma de se posicionar diante desse mistério absurdo! Agora, passo a transcrever também o nosso repertório  de música popular.  Seguindo a mesma ótica.

 

Quantos artistas conseguiram olhar para dentro e encontrar a estranha ideia da eternidade, o anseio pelo porvir, a vontade da duração, o susto diante da grandeza das coisas! Todos eles, posso afirmar, não conseguem se livrar desse incômodo!

Alguns xiitas do movimento gospel, aqueles “defensores” de Deus que fizeram a leitura errada desse texto, achando que esse sopro divino estaria circulando apenas no coração do religioso [ou melhor, da sua religião], não admitem que fora das suas cercas existam homens que anseiam pela eternidade. Nenhuma novidade nisso. Vamos pra frente, dando razão ao que é real.

Sem extremismos ou mentiras apologéticas, fiquem agora com Roberto e Erasmo Carlos – a parceria mais bem sucedida da música popular brasileira:

 

 

Desde o começo do mundo
Que o homem sonha com a paz
Ela está dentro dele mesmo
Ele tem a paz e não sabe
É só fechar os olhos e olhar pra dentro de si mesmo

Tanta gente se esqueceu
Que a verdade não mudou
Quando a paz foi ensinada
Pouca gente escutou
Meu Amigo volte logo
Venha ensinar meu povo
O amor é importante
Vem dizer tudo de novo

Outro dia, um cabeludo falou:
“Não importam os motivos da guerra
A paz ainda é mais importante que eles.
”Esta frase vive nos cabelos encaracolados
Das cucas maravilhosas
Mas se perdeu no labirinto
Dos pensamentos poluídos pela falta de amor.
Muita gente não ouviu porque não quis ouvir
Eles estão surdos !

Tanta gente se esqueceu
Que o amor só traz o bem
Que a covardia é surda
E só ouve o que convém
Mas meu Amigo volte logo
Vem olhar pelo meu povo
O amor é importante
Vem dizer tudo de novo

Um dia o ar se encheu de amor
E em todo o seu esplendor as vozes cantaram.
Seu canto ecoou pelos campos
Subiu as montanhas e chegou ao universo
E uma estrela brilhou mostrando o caminho
“Glória a Deus nas alturas
E paz na Terra aos homens de boa vontade”

Tanta gente se afastou
Do caminho que é de luz
Pouca gente se lembrou
Da mensagem que há na cruz
Meu Amigo volte logo
Venha ensinar meu povo
Que o amor é importante
Vem dizer tudo de novo

 

(Todos estão surdos Roberto Carlos – Erasmo Carlos)