Chove chuva

Chove chuva

Postado por: em dez 21, 2013 | 3 comentários

 

As imagens dessa água que cai das nuvens segundo os poetas, os artistas e o texto sagrado.

 

As crianças brincam na rua alagada. Seus pais choram sobre a casa inundada e lamentam a perda dos móveis. O playboy marombado e anestesiado corre sem camisa no calçadão enquanto carros desnorteados entram na contramão da avenida fugindo da água que transformou em rio as ruas paralelas. A cidade está um caos e eu aflito, abandonando o carro na beira-mar, tento proteger a esposa, sua irmã e a cunhada. Moro em Vila Velha e nunca vi tanta água desabando das nuvens.

 

Chuva Belém PA 1985, Luiz Braga

Chuva Belém PA 1985, Luiz Braga

 

 

Conto uma parte das 5 horas de desespero que passamos na quinta-feira dia 19 de Dezembro. Não se parece em nada com o que nos conta o poeta santista Ribeiro Couto.

 

Chuva

A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo… Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora…
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.

Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta…
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.

Dentro de nós existe uma tarde mais fria…

Ah! Para que falar? Como é suave, branda,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando…

Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.

Chove dentro de nós… Chove melancolia…

 

 

Paisagem interior com chuva, 1993, Leopoldo Plentz

Paisagem interior com chuva, 1993, Leopoldo Plentz

 

Os versos de Ribeiro Couto me levaram ao Lobão e o seu “chove lá fora e aqui faz tanto frio”. Mas, foi o hino “Chuva de bênçãos”, recordado pelo meu sogro na noite do temporal, que me ajudou a tirar da cabeça aquela ideia besta de que o céu estava sacaneando a gente. “Chuvas de bênçãos, chuvas de bênçãos dos céus, gotas somente nós temos; chuvas rogamos a Deus”.  Por que, então, não olhar para o temporal de outra forma? Como a água que vem nos limpar e mudar a terra. Mostrando o orgulho das cidades e seus pecados ecológicos.

Acima de tudo, as chuvas do verão são um convite parar nós: ei, o que vocês estão fazendo? Apresentem suas expressões práticas de amor! Lembram o que os “bárbaros” da ilha de Malta fizeram a Paulo, um estrangeiro e missionário cristão?  Os bárbaros trataram-nos com singular humanidade, porque, acendendo uma fogueira, acolheram-nos todos por causa da chuva que caía e por causa do frio”. Que essas chuvas sejam lembradas, sobretudo, pelas simples fogueiras que fizermos. Que essa chama seja mais insistente que a água. Feliz Natal! 

 

Marcos Almeida

 

 

10 Janeiro / Gonçalves Dias

Postado por: em jan 10, 2012 | 4 comentários

 

                                                                                                    Dez

Nome de rua em Belo Horizonte. Tido como gênio por Nejar e excepcional poeta por Aurélio Buarque de Holanda, ele acabou morrendo num triste naufrágio em 1864 diante das lindas praias do seu Maranhão – “o único a afogar-se quando todos se salvaram”. Seu poema mais famoso é o da terra de palmeiras “onde canta o sabiá”, mas nesse outro – também muito lido – o assunto é bem familiar para o mês de Janeiro no sudeste:

 

A Tempestade

 

Um raio
Fulgura
No espaço
Esparso,
De luz;
E trêmulo
E puro
Se aviva,
S’esquiva
Rutila,
Seduz!

Vem a aurora
Pressurosa,
Cor de rosa,
Que se cora
De carmim;
A seus raios
As estrelas,
Que eram belas,
Tem desmaios,
Já por fim.

O sol desponta
Lá no horizonte,
Doirando a fonte,
E o prado e o monte
E o céu e o mar;
E um manto belo
De vivas cores
Adorna as flores,
Que entre verdores
Se vê brilhar.

Um ponto aparece,
Que o dia entristece,
O céu, onde cresce,
De negro a tingir;
Oh! vede a procela
Infrene, mas bela,
No ar s’encapela
Já pronta a rugir!
Não solta a voz canora
No bosque o vate alado,
Que um canto d’inspirado
Tem sempre a cada aurora;
É mudo quanto habita
Da terra n’amplidão.
A coma então luzente
Se agita do arvoredo,
E o vate um canto a medo
Desfere lentamente,
Sentindo opresso o peito
De tanta inspiração.

Fogem do vento que ruge
As nuvens aurinevadas,
Como ovelhas assustadas
Dum fero lobo cerval;
Estilham-se como as velas
Que no alto mar apanha,
Ardendo na usada sanha,
Subitâneo vendaval.

Bem como serpentes que o frio
Em nós emaranha, — salgadas
As ondas s’estanham, pesadas
Batendo no frouxo areal.
Disseras que viras vagando
Nas furnas do céu entreabertas
Que mudas fuzilam, — incertas
Fantasmas do gênio do mal!

E no túrgido ocaso se avista
Entre a cinza que o céu apolvilha,
Um clarão momentâneo que brilha,
Sem das nuvens o seio rasgar;
Logo um raio cintila e mais outro,
Ainda outro veloz, fascinante,
Qual centelha que em rápido instante
Se converte d’incêndios em mar.

Um som longínquo cavernoso e ouco
Rouqueja, e n’amplidão do espaço morre;
Eis outro inda mais perto, inda mais rouco,
Que alpestres cimos mais veloz percorre,
Troveja, estoura, atroa; e dentro em pouco
Do Norte ao Sul, — dum ponto a outro corre:
Devorador incêndio alastra os ares,
Enquanto a noite pesa sobre os mares.

Nos últimos cimos dos montes erguidos
Já silva, já ruge do vento o pegão;
Estorcem-se os leques dos verdes palmares,
Volteiam, rebramam, doudejam nos ares,
Até que lascados baqueiam no chão.

Remexe-se a copa dos troncos altivos,
Transtorna-se, tolda, baqueia também;
E o vento, que as rochas abala no cerro,
Os troncos enlaça nas asas de ferro,
E atira-os raivoso dos montes além.

Da nuvem densa, que no espaço ondeia,
Rasga-se o negro bojo carregado,
E enquanto a luz do raio o sol roxeia,
Onde parece à terra estar colado,
Da chuva, que os sentidos nos enleia,
O forte peso em turbilhão mudado,
Das ruínas completa o grande estrago,
Parecendo mudar a terra em lago.

Inda ronca o trovão retumbante,
Inda o raio fuzila no espaço,
E o corisco num rápido instante
Brilha, fulge, rutila, e fugiu.
Mas se à terra desceu, mirra o tronco,
Cega o triste que iroso ameaça,
E o penedo, que as nuvens devassa,
Como tronco sem viço partiu.

Deixando a palhoça singela,
Humilde labor da pobreza,
Da nossa vaidosa grandeza,
Nivela os fastígios sem dó;
E os templos e as grimpas soberbas,
Palácio ou mesquita preclara,
Que a foice do tempo poupara,
Em breves momentos é pó.

Cresce a chuva, os rios crescem,
Pobres regatos s’empolam,
E nas turvam ondas rolam
Grossos troncos a boiar!
O córrego, qu’inda há pouco
No torrado leito ardia,
É já torrente bravia,
Que da praia arreda o mar.

Mas ai do desditoso,
Que viu crescer a enchente
E desce descuidoso
Ao vale, quando sente
Crescer dum lado e d’outro
O mar da aluvião!
Os troncos arrancados
Sem rumo vão boiantes;
E os tetos arrasados,
Inteiros, flutuantes,
Dão antes crua morte,
Que asilo e proteção!

Porém no ocidente
S’ergue de repente
O arco luzente,
De Deus o farol;
Sucedem-se as cores,
Qu’imitam as flores
Que sembram primores
Dum novo arrebol.

Nas águas pousa;
E a base viva
De luz esquiva,
E a curva altiva
Sublima ao céu;
Inda outro arqueia,
Mais desbotado,
Quase apagado,
Como embotado
De tênue véu.

Tal a chuva
Transparece,
Quando desce
E ainda vê-se
O sol luzir;
Como a virgem,
Que numa hora
Ri-se e cora,
Depois chora
E torna a rir.

A folha
Luzente
Do orvalho
Nitente
A gota
Retrai:
Vacila,
Palpita;
Mais grossa
Hesita,
E treme
E cai.

(A Tempestade – Gonçalves Dias)

 

O inventor!