02 de Fevereiro / Tasso da Silveira
Trinta e três
A chamada ala espiritualista do modernismo é composta de nomes como Cecília Meirelles, Murilo Mendes, Tristão de Ataíde, entre outros que valorizavam a religiosidade dos poetas. Mas nessa hora, vamos receber no nosso sítio Tasso da Silveira – nome muito respeitado dentro dessa ala.
Ele acabou entrando nos noticiários do último ano de forma indireta, por causa da catástrofe de realengo. A escola municipal que recebeu aquele psicopata, para inimaginável crueldade, é batizada com seu nome; Tasso da Silveira.
Diante das catástrofes qualquer poesia se torna palavra oca. O excesso de realidade absurda, o terror descabido, toda essa loucura, extrapola as tentativas de representação. Fazer poesia depois daquele dia é ainda mais absurdo!
Sim. Porque fica claro a diferença da religiosidade do louco-terrorista e do poeta-espiritualista: para o louco a religião é morte, é guerra, para o poeta é a vida transbordando pois se encontrou com a Esperança! Essa que não nos entorpece para a realidade, mas, pelo contrário, faz em nós lucidez e ajusta em nós o rumo.
Vamos ouvir o poeta em dois trechos preciosos:
Da minha vida ao fim da caminhada
vejo-me agora numa selva escura,
não como a do Alighieri dominada
pelas três feras da hórrida aventura:
uma selva que, embora de amargura,
é por sinais de Deus iluminada:
há brancos trêmulos na altura,
leva-me pela mão a muito amada.
A infinita esperança deste instante
(Senhor, Senhor! Bem sei que nunca pude
fazer da clara estrada a via eterna),
é que para o meu passo vacilante,
esta selva de aspecto triste e rude
seja o caminho da Mansão Paterna.
(Soneto 6, Regresso à origem– Tasso da Silveira)
*
Nós temos uma visão clara desta hora.
Sabemos que é de tumulto e de incerteza.
E de confusão de valores.
E de vitória do arrivismo.
E de graves ameaças para o homem.
Mas sabemos, também, que não é esta a primeira
hora de agonia e inquietude que a humanidade vive.
(…)
A arte é sempre a primeira que fala para anunciar
o que virá.
E a arte deste momento é um canto de alegria,
uma reiniciação na esperança,
uma promessa de esplendor.
Passou o profundo desconsolo romântico.
Passou o estéril ceticismo parnasiano.
Passou a angústia das incertezas simbolistas.
O artista canta agora a realidade total:
a do corpo e a do espírito,
a da natureza e a do sonho,
a do homem e a de Deus,
canta-a, porém, porque a percebe e compreende
em toda a sua múltipla beleza,
em sua profundidade e infinitude.
E por isto o seu canto
é feito de inteligência e de instinto
(porque também deve ser total)
e é feito de ritmos livres
elásticos e ágeis como músculos de atletas
velozes e altos como sutilíssimos pensamentos
e sobretudo palpitantes
do triunfo interior
que nasce das adivinhações maravilhosas…
O artista voltou a ter os olhos adolescentes
e encantou-se novamente com a Vida:
todos os homens o acompanharão!
(Intróito- Definição do Modernismo Brasileiro, 1932 -Tasso da Silveira)
04 de Janeiro / Cecília Meireles
Quatro
Palavras de Carlos Nejar: “[Ela] esqueceu as fronteiras da Modernidade, para o Eterno, o Intemporal…sua poesia é de transcendência… Raríssimos poetas da língua comum chegaram à [sua] altura órfica. Ou a tamanha serenidade. Por ter ela logrado: ‘Dizer com claridade o que existe em segredo’. E murmurar, como em segredo, o que existe de claridade.” Com vocês Cecília Meireles:
Aqui sobre a noite,
na cinza das pálpebras,
no meio das rosas,
no sono das aves,
nas franjas da lua,
nas imóveis águas,
aqui, sobre a tênue
seda da saudade,
a perpétua face.
Sozinha contemplo
o ardente milagre.
Ninguém mais te avista,
Verônica suave!
-Desenho do sonho
que a noite reparte.
Por que me apareces
igual à verdade,
ilusória imagem?
Na minha alegria,
corre um mar de lágrimas.
Tudo se repete,
na terra e nos ares,
e os meus pensamentos
são só teu retrato.
Em puro silêncio,
luminosa jazes:
tão doce e tão grave!
Fita bem meu rosto,
guarda os olhos pálidos
com rios antigos
por onde viajaste.
Lembra-te da minha
sombra humana, diáfana,
-pode ser que um dia
todos nós passemos
pela Eternidade.
(in Obra Poética 1958 Cecília Meireles)