Eu li Nejar

Eu li Nejar

Na estréia do solo “Eu Sarau”, eu li Nejar.  Mas, antes tive o cuidado de apresentar o poeta para a platéia – numa rápida pesquisa, percebi que quase todos não o conheciam. Acho que curtiram muito; inclusive o episódio do meu encontro com ele no aeroporto, o início de uma amizade. Um rapaz teceu elogios sinceros ao poeta no […]

Até a febre passar

Postado por em dez 22, 2013 | 4 Comentários

Quando nos tornamos refém do “presente absoluto” e ficamos sem memória.

 

A Giselle Beiguelman escreveu um excelente ensaio na Select de Novembro em cima de uma pergunta: “que memória estamos construindo nas redes?”. “Presente mais que absoluto” é o título do seu texto que termina com o seguinte parágrafo:

As redes sociais não serão eternas e é possível que não comemoremos os 20 anos do Facebook. Outros dispositivos virão. Mas, no tempo da apropriação corporativa da memória, em que o capital afetivo de nossas relações pessoais fui pelos canais do império de Mark Zuckerberg, parece urgente perguntar: onde ficaram os suspiros, tristezas e felicidades que deixamos nas comunidades do Orkut (a “velha” rede todo-poderosa do Google)? É hora de pensar nisso ou salve-se quem puder” [pág. 47, select, nov/dez 2013]  

Nessa hora lembrei que já tive (e ainda tenho) um perfil (?) no Orkut e fiquei curioso pra saber o que tinha acontecido nesse passado tão distante.Uma parte da minha memória estava lá! Acabei encontrando um scrap, ou atualização, que escrevi por lá em janeiro de  2006!!! Dois mil e seis!Você tem noção de quão longe e perto estamos de dois mil e seis?!  Compartilho alguns trechos:

“Scraps…..Scraps. Pedaços de alguma coisa. Estou meditando sobre essa febre mais potente que a febre aviária.Como o vírus não me pegou, queira Deus,posso te dizer: Todo lugar que eu vou o povo está falando desse tal de scrap!
…..
Pensei numa figura metafórica para o scrap. Ele é como uma pipoca de microondas, fica pronto rapidinho e você pode saborear vendo um filme e quem sabe oferecer um bocado pra pessoa ao lado. O scrap-pipoca é “para não deixar a amizade esfriar”, como diz uma amiga. Agora, se o que se pretende oferecer ao amigo, for um prato mais sofisticado – tipo aquela sopa da vovó- aí o orkut não serve mais… Sopa é para ser saboreada com tempo, degustar sem pressa…. Aí, que por via das dúvidas mantenho meu Orkut numa boa, participo das comunidades, mando pipocas quentinhas para meus amigos,mas quando o assunto for mais que um “oi, ……” 🙂 prefiro o e-mail. Se for pipoca o orkut é o balde ideal. Se for sopa da vovó sirvo na louça, sirvo num prato melhor, mando um e-mail.
Viva a internet! Viva o Orkut! Viva até a febre passar.” (num lugar chamado Orkut, 08/janeiro/2006)

Em outra parte do texto, A Giselle provoca outra vez: “diante da avalanche midiática que produzimos cotidianamente no Facebook e em outra redes sociais similares, como escolher o que será guardado?”. Estou assustado com tudo isso. Ainda pensando sobre o assunto, divido essa questão com vocês. Quando o Facebook acabar, quando essa outra febre passar, alguém ainda terá interesse pelo dia anterior?

Chove chuva

Chove chuva

Postado por em dez 21, 2013 | 3 Comentários

 

As imagens dessa água que cai das nuvens segundo os poetas, os artistas e o texto sagrado.

 

As crianças brincam na rua alagada. Seus pais choram sobre a casa inundada e lamentam a perda dos móveis. O playboy marombado e anestesiado corre sem camisa no calçadão enquanto carros desnorteados entram na contramão da avenida fugindo da água que transformou em rio as ruas paralelas. A cidade está um caos e eu aflito, abandonando o carro na beira-mar, tento proteger a esposa, sua irmã e a cunhada. Moro em Vila Velha e nunca vi tanta água desabando das nuvens.

 

Chuva Belém PA 1985, Luiz Braga

Chuva Belém PA 1985, Luiz Braga

 

 

Conto uma parte das 5 horas de desespero que passamos na quinta-feira dia 19 de Dezembro. Não se parece em nada com o que nos conta o poeta santista Ribeiro Couto.

 

Chuva

A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo… Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora…
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.

Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta…
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.

Dentro de nós existe uma tarde mais fria…

Ah! Para que falar? Como é suave, branda,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando…

Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.

Chove dentro de nós… Chove melancolia…

 

 

Paisagem interior com chuva, 1993, Leopoldo Plentz

Paisagem interior com chuva, 1993, Leopoldo Plentz

 

Os versos de Ribeiro Couto me levaram ao Lobão e o seu “chove lá fora e aqui faz tanto frio”. Mas, foi o hino “Chuva de bênçãos”, recordado pelo meu sogro na noite do temporal, que me ajudou a tirar da cabeça aquela ideia besta de que o céu estava sacaneando a gente. “Chuvas de bênçãos, chuvas de bênçãos dos céus, gotas somente nós temos; chuvas rogamos a Deus”.  Por que, então, não olhar para o temporal de outra forma? Como a água que vem nos limpar e mudar a terra. Mostrando o orgulho das cidades e seus pecados ecológicos.

Acima de tudo, as chuvas do verão são um convite parar nós: ei, o que vocês estão fazendo? Apresentem suas expressões práticas de amor! Lembram o que os “bárbaros” da ilha de Malta fizeram a Paulo, um estrangeiro e missionário cristão?  Os bárbaros trataram-nos com singular humanidade, porque, acendendo uma fogueira, acolheram-nos todos por causa da chuva que caía e por causa do frio”. Que essas chuvas sejam lembradas, sobretudo, pelas simples fogueiras que fizermos. Que essa chama seja mais insistente que a água. Feliz Natal! 

 

Marcos Almeida

 

 

O peso da poesia cristã

Postado por em dez 20, 2013 | Um comentário

 

Obra reúne poetas franceses convertidos ao cristianismo que tiveram influência aqui

por Rodrigo Petrônio*

 

Há diversas possibilidades de abordar a literatura. Na antologia O Rumor dos Cortejos: Poesia Cristã Francesa do Século XX, o poeta, pesquisador e tradutor Pablo Simpson optou por um recorte ousado, e, por isso mesmo, instigante.

rumordoscortejosBlog

No Brasil, alguns dos poetas que integram a coletânea foram assimilados à vertente espiritualista de Jackson de Figueiredo e Alceu Amoroso Lima. Além de traduzidos por Guilherme de Almeida, Mário Faustino e Carlos Drummond de Andrade, eram admirados por Murilo Mendes, Vinicius de Morais, Cecília Meireles e Tasso da Silveira, para ficar em alguns nomes de maior peso. De maneira difusa, ressoam na obra de poetas contemporâneos franceses, como Bonnefoy, Déguy e Jaccottet. A despeito disso, permanecem pouco conhecidos dos leitores do País.

 

Durante o século 20, o cristianismo não teve apenas uma função religiosa na França. Do humanismo integral de Maritain ao personalismo de Mounier, do neotomismo aos pensadores inspirados em Bergson, da renovação metafísica de Gilson, Marcel e Lavelle à hermenêutica de Ricœur, da fé agônica de Bernanos à teoria mimética de Girard, da filosofia da ação de Blondel ao ateísmo cristão de Bataille seus desdobramentos intelectuais foram muitos e profundos.

Em alguns poetas da antologia sobressai a voz confessional. É o caso de Péguy e Claudel, expoentes do catolicismo francês. A rusticidade do primeiro contrasta com o tom devocional e os versos bíblicos do segundo. Mas ambos condensam a experiência poética como uma celebração do mistério. Em outros autores, a cosmovisão cristã surge sob um véu quase panteísta. Em Pierre Emmanuel, ela surge na sacralização das imagens da natureza mescladas à mitologia e em Francis Jammes, nas belas paisagens vitrais.

Mas é da ambivalência estrutural entre sagrado e profano que surgem os pontos altos do livro: Jacob, Jouve, Reverdy, Lubicz-Milosz. É difícil delinear até que ponto as vertentes surrealista ou cubista, a que são associados Jacob e Reverdy, podem ser dissociadas de uma experiência visionária de inspiração religiosa. Em Jouve e Milosz, a descrença, transfigurada no templo profano da poesia, acaba se traduzindo em uma paradoxal possibilidade de acesso ao divino. Nisso parece residir um dos mistérios da condição humana, captado pelo cristianismo e enfatizado pelos poetas de todos os tempos e crenças: Deus só se revela na dúvida.

*RODRIGO PETRONIO É POETA, PROFESSOR DA FAAP, AUTOR DE PEDRA DE LUZ, VENHO DE UM PAÍS SELVAGEM (TOPBOOKS), ENTRE OUTROS – Resenha publicada originalmente em O Estado de S.Paulo. ESSE TEXTO NÃO REPRESENTA A OPINIÃO DO BLOG NOSSA BRASILIDADE, MAS É BEM VINDO PARA ENRIQUECER A PESQUISA SOBRE A POROSIDADE RELIGIOSA NA NOSSA CULTURA.

O livro a que o texto se refere, você pode encontrar aqui: saraiva.

 

Nomes & Rótulos

Nomes & Rótulos

Postado por em dez 18, 2013 | 9 Comentários

Um nome, a primeira vista, tem menos informações que um rótulo. Um nome é, a primeira vista, mais impreciso. Daí vem o rótulo dar à embalagem aquilo que dizem extrapolar o nome do produto. O rótulo parece que é mais.

No rótulo que envolve a embalagem você encontra além do nome, a marca, o fabricante, os componentes, o tempo, a data, a fórmula… Olha o rótulo! Tantas coisas (in)úteis estão ali para classificar certo produto…

Quintana dizia que um nome surge da necessidade de “batizar pessoas e livros”. Inclua aí a música, seu poeta!

Nome é coisa de família. Rótulos são feitos para produtos. E quando seres sem alma pedem às pessoas: por favor, mostrem seu rótulo, não estariam cometendo uma grande ofensa?

Pessoas não são produtos. Nomes são maiores que os rótulos. Livros e músicas não cabem em nenhuma embalagem.

lulubiscoitosMas, a música desde o início do século passado é tratada sem cerimônia como item da indústria, não é não? Não seria um produto tudo aquilo que é vendido em prateleiras de supermercados?

A música, não se enganem, não cabe em embalagens. Não cabe não. O que compramos são pedaços de plástico, caixas acrílicas, envelopes de papelão. O que aparece nas lojas de música são discos, estojos, bolachas; é o fruto do trabalho do cortador de acetato.

A música, cuidado, não cabe em embalagens. Aqueles nerds já tentaram encapsular sons e canções em super recipientes digitais de siglas esquisitas: ogg, mp3, wav, flac, aiff, aac… Dizem que a música cabe ali. Não cabe não. O que aparece nos nossos computadores são apenas dados armazenados em blocos, são codecs e ficheiros: é o fruto do trabalho de algum engenheiro obstinado.

Uma música é maior que seu nome! E olha que nome é coisa grande. Mas, se a música tem nome de batismo, fica combinado de agora em diante, que essa música dispensa qualquer rótulo e apelido.

 

Marcos Almeida

 

Resenha: “O sagrado e o profano na cultura pop”.

Postado por em dez 16, 2013 | Um comentário

por Alexander De Bona Stahlhoefer[1]

Canta o poeta “é que o sagrado se tornou hilário”[2]. É no tom desta música que Abner Melanias embala seu ensaio filosófico-teológico sobre os conceitos de “sagrado” e “profano” na cultura pop publicado em Ebook pelo blog bibotalk.com.br.

Mais do que definir, conceituar ou interpretar filósofos, cientistas da religião ou teólogos, Melanias rele as obras de Madona, O Senhor dos Anéis, e Clube da Luta na intenção de desfazer a clássica dicotomia entre sagrado e profano.

Aquilo que Marcos Almeida se propôs a fazer em sua crítica à categorização musical por gênero religioso, diferenciando música “gospel” das demais simplesmente pela sua identificação confessional, é o que Melanias intenta levar adiante neste ebook.

O autor percebe estruturas religiosas amalgamadas à estética pop. São arquétipos, modelos, formas que, apesar de não comunicarem valores de uma religião em específico, brincam, criticam, releem os símbolos, normas e mitos das religiões criando uma nova e pós-moderna simbologia e mitologia pop. O sagrado se dilui no profano, a dessacralização do mito se reverte numa sacralização do profano.

Logo, não faz mais sentido exigir que o mundo seja preto e branco, e que a arte seja definida enquanto manifestação fechada da confissão religiosa do artista. Toda arte manifesta o que vai no fundo do espírito humano na busca por transcender a si mesmo. Tanto faz se esta manifestação é fruto de um cristianismo, budismo, culto afro, ou de uma filosofia existencialista, nihilista ou uma mescla “maluca” de tudo isto que citamos.

Melanias, enquanto cristão e se dirigindo ao público cristão, nos ajuda a iniciar um diálogo com arte da cultura pop, uma estética singular, ora voltada aos interesses mercadológicos, como no exemplo de Madonna, ora à critica ao sistema politico-economico em crise, como em O Senhor dos Anéis, ou ainda  sacralizando a violência pela via ritualística, como em Clube da Luta. Neste diálogo percebemos a importância de perceber o quanto a estética carrega em si mesma um denso conteúdo ético e um poder de influência que até bem pouco tempo pertencia tão somente ao espaço do sagrado, ao culto religioso.

O fim da dicotomia sagrado/profano lança luz para nos ajudar a entender o fenômeno pós-moderno, sua filha, a cultura pop, e até mesmo a tentativa desesperada de uma religiosidade evangélica “na defensiva” que forma e formula para si mesma um gueto cultural, o gospel.

 

 


[1] Doutorando em Teologia Sistemática na Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nürnberg, Alemanha. Editor e podcaster do blog bibotalk.com.br

[2] ALMEIDA, Marcos. Sagrado (música). Disponível aqui.

MELANIAS, Abner. O sagrado e o profano na cultura pop. Joinville: BTBooks, 2013. E-book disponível originalmente aqui.