Eu li Nejar

Eu li Nejar

Na estréia do solo “Eu Sarau”, eu li Nejar.  Mas, antes tive o cuidado de apresentar o poeta para a platéia – numa rápida pesquisa, percebi que quase todos não o conheciam. Acho que curtiram muito; inclusive o episódio do meu encontro com ele no aeroporto, o início de uma amizade. Um rapaz teceu elogios sinceros ao poeta no […]

Em MPB, SEXO

MPB é de Eros.

Postado por em fev 3, 2014 | 6 Comentários

 

Sensibilidade, doces palavras, interesse na pessoa, não só no corpo; bem vindos ao amor à moda antiga.

 

É bom lembrar quem é Eros. Eros tem sido caluniado, chamado de careta, de piegas e retrógado. Porque ele significa o amor romântico, o sonho da ‘alma gêmea’, é a simbiose, é o sofrimento por amor, é a dor do apego. É a maneira empolada de falar, jamais usa palavras obscenas e pornográficas. É aquele lugar comum da linguagem romântica, vocabulário batido, é o coração, é a trilha sonora de quem quer levar a amada até o altar, é o pra sempre – é o brega!

 

VAMOS AO REPERTÓRIO DE EROS

 

Mundo moderno, alguém me dizia /’Todo mundo come todo mundo’, / Mas eu tô querendo / Querendo trabalhar meu lado sensibilidade /Agora eu quero só você /Pra gostar de verdade

 

– O Novo Namorado (Flávio Basso), 1997

 

Mentira dizer que é só transar / Eu sou mais real com seu calor / Os sonhos de quem ama não cabem só na cama / Ninguém transa só por transar

                                                                        Transas de Amor (Antônio Cícero e Marina Lima), 1979

 

Canção meio controversa na história dos irmãos Antônio e Marina, justamente porque eles sempre foram mais de Vênus que de Eros; essa letra aí seria um deslize na carreira deles.

Talvez foi pensando nesse amor menos animal, mais complexo que hormônios e estímulos, estendido para além do leito, que o escritor americano William Tucker disse:

“é a repressão sexual que nos torna humanos”

O professor Guilherme de Carvalho, mais uma vez, nos ajuda a clarear esse raciocínio:

as pessoas estão no universo do ‘tu’, e não do ‘isso’. Usamos o ‘isso’ para falar dos mundos dos objetos, e o ‘tu’ para o mundo dos sujeitos. E a forma de conhecer cada universo é diferente; o ‘isso’ é conhecido pelo uso; mas o ‘tu’ é conhecido pela comunhão”. (Guilherme de Carvalho)

 

Entende por que dizemos:  “Eros está mais próximo da comunhão e Vênus do uso“?

 

Um amigo mais velho e sabido nesses assuntos, me lembrou que todos nós, brasileiros religiosos, evangélicos ou católicos, quando pensamos em sexualidade, gozo, prazer, desejo e amor erótico, utilizamos um tipo de programa pirata, um programa mental pirata, corrompido. Não é só o falso pudor que surge como vírus infeliz desse programa pirata; toda nossa visão a respeito do amor e do sexo fica estragada se não limparmos a cabeça e eliminarmos esse programa. (Espero que esses artigos ajudem em alguma coisa nesse sentido). Mas, se você se esforçar um pouco vai entender que Eros é tipo isso: quando vejo a mulher que amo, sou despertado no meu corpo para ver a sua pessoa. Eros é intencionalidade interpessoal. É a paixão que passa pela face – e a face é a expressão primária da consciência, de pessoalidade.

 

Eu vi quando você me viu

Seus olhos pousaram nos meus

Num arrepio sutil

Eu vi… pois é, eu reparei

Você me tirou pra dançar

Sem nunca sair do lugar

Sem tirar os pés do chão

Sem música pra acompanhar

Foi só por um segundo

Todo o tempo do mundo

E o mundo todo se perdeu

Eu vi quando você me viu

Seus olhos buscaram nos meus

O mesmo pecado febril

Eu vi… pois é, eu reparei

Você me tirou todo o ar

Pra que eu pudesse respirar

Eu sei que ninguém percebeu

Foi só você e eu

Foi só por um segundo

Todo o tempo do mundo

E o mundo todo se perdeu

Foi só por um segundo

Todo o tempo do mundo

E o mundo todo se perdeu

Ficou só você e eu

Quando você me viu…

 

– Cupido CD  “MARIA RITA”  –  Setembro de 2003

(Claudio Lins)

 

Na quinta-feira que vem, vamos ver outros exemplos de paixão romântica no repertório popular , quando vou tentar propor algumas conclusões. Se preparem para a dor de cotovelo (Eros maltratado) e um outro tipo muito especial que é Eros tentando ser Agápe, Eros antecipando Agápe, ou Eros dizendo que pode fazer aquilo que só Agápe pode fazer.

 

Até lá.

 

Em MPB, SEXO

Cinco desafios para Vênus

Postado por em jan 29, 2014 | 7 Comentários

Contra o machismo, a hipocrisia, o casamento, o patriarcado e as meias palavras.

 

1. Derrotar o machismo careta.

O rock está ficando bom de novo, mas quando se fala em Marcelo D2 e Charlie Brown Jr., esse pessoal mais agressivo, fico com a sensação de que está tudo muito machista. Falta alguém como Freddie Mercury ou Elton John. Tem que ter banda gay. Tivemos grandes ícones nos anos 80, Cazuza e Renato Russo, por exemplo, que eram pessoas livres e que faziam o que queriam. Sem gente desse tipo, o mundo fica muito careta” (Léo Jaime, cantor e apresentador de tv, ao Jornal do Brasil, em 2005)

 

2. Diminuir a distância entre comportamento e composição musical.

A vida brasileira está muito à frente da música e da dramaturgia popular brasileiras. A homossexualidade ainda é tabu, palavrão é tabu, alegria é tabu, até virgindade é tabu. Mas não é só a indústria de massas e seus artistas, a imprensa escrita e a TV também insistem em divulgar valores mesquinhos, ultrapassados e provincianos” (Paula Toller, depoimento a Rodrigo Faour).

 

3. Acabar com o casamento e a monogamia.

O que muito antigamente era remédio para a agressividade da humanidade, para o sentido de poder das comunidades, o casamento monogâmico, virou hoje o veneno maior que há para as relações amorosas” (Fátima Guedes, cantora e compositora carioca)

Aproveitando o clima, faço um link com a mãe espiritual de Anitta. Vejam aí dona Key cantando uma obra de Andinho que reverbera muito das ideias defendidas pela Fátima acima.

Só quero ficar / Não quero namorar …./ Eu vou trabalhar / Me dedicar aos estudos / Me estabilizar / Ter meu lugar no mundo… / Não quero depender de ninguém / Prefiro preparar meu coração…/ Sem ter que dar satisfação/ Eu vou curtir minha vida / Me prender a alguém? / Quem sabe depois dos trinta / Por enquanto não / Ainda não tá na hora / Casamento no, no / Casamento, tô fora

 Só quero ficar (Andinho), gravado por Kelly Key, 2003

 

4. A morte do patriarcado.

realmente, o destino dos homossexuais, tanto quanto o das mulheres, até hoje está na dependência direta da morte do patriarcado” (Rodrigo Faour)

O “patriarcado” significa toda figura de autoridade; padre, pastor, policial, mãe, o antigo professor (Antônio Candido, por exemplo, é hoje chamado de ‘burguês’ pelos novos professores comunistas da USP – querem desconstruir a imagem de um dos maiores críticos literários do país), sem contar os políticos que já são mais desqualificados que qualquer outra autoridade nesse país. Tudo isso (qualquer símbolo de patriarcado) representa a imagem satânica do opressor e tudo que devemos fazer é lutar contra eles.

Mas, parece que estou aqui maquinando um jeito para estragar a festa dessa turma. Enquanto divulgo essa série que originalmente ministrei em uma conferência no ano passado,  posso ser chamado, além de machista, de pai protetor e chato! Outro dia li sobre um jornalista e crítico social norte-americano chamado H.L. Mencken  – 1880/1956 – ele disse uma frase que ficou muito famosa: “imoralidade é a moralidade daqueles que estão se divertindo mais do que nós”. Tom Wolfe em uma palestra recente no Brasil falou assim: “os intelectuais do nordeste dos EUA, a maioria vem de lá, olham para o país acreditando profundamente que os cristãos evangélicos são uma espécie de pequenos demônios que estão lá para evitar que o resto de nós curta a vida”. De certa forma representamos esse patriarcado que Vênus quer matar.

 

5. Vênus quer libertar o vocabulário sexual das amarras poéticas do romantismo.

Paulo Sérgio Valle, importante letrista brasileiro, nesse livro do Faour, diz que há “pouco vocabulário de tesão da língua portuguesa no limite do bom gosto”. Vamos ouví-lo em suas próprias palavras: “Esse é um dos maiores problemas dos letristas brasileiros: nosso vocabulário para música nesse aspecto, sem cair na vulgaridade, é reduzido. Existe uma repetição de palavras, e quando ousamos botar uma outra palavra mais pesada, a letra acaba sendo rejeitada pelos interpretes ou pelos produtores.

 

“Não é que o sexo hoje seja muito diferente do que era há dez anos. A diferença é que hoje ninguém mais se preocupa em fechar a janela.” (Millor Fernandes)

 

Querem, por fim, abrir as janelas da linguagem também, porque assim seriamos mais honestos com o sexo!

Parece que Erasmo Carlos concorda com Paulo: “Eu sinto falta, quando faço música, de falar mais abertamente de certas sensações, até de usar palavrões. Porque para se falar de algumas coisas que a gente sente, não existem sinônimos. Isso dificulta até as divisões das músicas, por não ter rimas pra dizer aquilo que a gente quer. No fundo, às vezes, a gente quer dizer ‘Quero te foder’ ou ‘Quero comer você’. Se muda para ‘quero fazer amor com você’, o autor prostituiu uma frase. Essa linguagem popular está mais de acordo com a realidade, sem a frescura de bom gosto, dos ‘bons costumes’ ou da censura”.

 

Chamo agora, pra concluir, a cantora e compositora de Porto Alegre, Adriana Calcanhotto. Ela vai explicar melhor essa coisa de bons modos e de palavras certas e requintadas.

 

Eu não gosto do bom gosto /Eu não gosto de bom senso /Eu não gosto dos bons modos / Não gosto

 

Eu agüento até rigores

Eu não tenho pena dos traídos

Eu hospedo infratores e banidos

Eu respeito conveniências

Eu não ligo pra conchavos

Eu suporto aparências

Eu não gosto de maus tratos

 

Eu não gosto do bom gosto /Eu não gosto de bom senso /Eu não gosto dos bons modos / Não gosto

 

Eu agüento até os modernos

E seus segundos cadernos

Eu agüento até os caretas

E suas verdades perfeitas

 

Eu não gosto do bom gosto /Eu não gosto de bom senso /Eu não gosto dos bons modos / Não gosto

 

Eu agüento até os estetas

Eu não julgo competência

Eu não ligo pra etiqueta

Eu aplaudo rebeldias

Eu respeito tiranias

E compreendo piedades

Eu não condeno mentiras

Eu não condeno vaidades

 

Eu não gosto do bom gosto /Eu não gosto de bom senso /Eu não gosto dos bons modos / Não gosto

 

Eu gosto dos que têm fome

Dos que morrem de vontade

Dos que secam de desejo

Dos que ardem

 Senha (Adriana Calcanhotto), 1992

 

Sim! Faz todo o sentido a estética e mais especificamente a poética do funk carioca, se você seguir a linha evolutiva que esticamos até aqui.  Não é à toa que ele é louvado por Caetano, Lobão e Regina Casé – além da gente rica da zona sul e os intelectuais ao redor de Hermano Vianna. O funk carioca parece ser essa encarnação do mau gosto em liberdade. Ou nos termos libertários de Vênus, o funk seria o vocabulário sexual sem meias palavras.

Terças e quintas tenho divulgado os capítulos dessa série (hoje um pouquinho mais cedo) e na próxima terça vamos chegar mais perto de Eros, a paixão romântica. Não perca o fio da meada.

Até lá.

Em MPB, SEXO

A MPB é de Vênus

Postado por em jan 28, 2014 | 4 Comentários

 

  Deixe a própria canção explicar sua queda por Vênus: o corpo não sou eu; o corpo é ‘meu’.

 

Sei que as categorias que estou usando não são convencionais e, talvez, seja por isso que vocês estão voltando ao Blog. Mas, lembrem-se: Vênus é chamada na nossa cultura de erótico, sensual e transgressor , mas Vênus não é isso! Como vimos no texto anterior, tudo não passa de um disfarce que Vênus utiliza justamente para tomar o controle que antes era do rival, o Eros. Vênus rebaixou Eros ao mais sacana e despudorado sentimento, mas ainda o chama de sentimento erótico, para com isso realizar o temível truque do esvaziamento semântico – deixando os bobos moralistas e ignorantes xiitas cada vez mais recalcados em relação a Eros, temendo o erótico, pensando que Eros é essa tal baixaria. Vocês entenderão melhor com os exemplos a seguir.

Aqui, vamos continuar chamando a baixaria pelo seu nome verdadeiro: Vênus. Então, vamos ao que interessa, onde está o “venéreo” na música brasileira? Não é difícil encontrar! Tente avaliar o repertório desde os movimentos históricos da revolução feminista, nos anos 70 e 80, vai ver que grande parte do repertório ‘transgressor’ foi capitaneado pelas mulheres (Rita Lee, Simone, Fafá de Belém, , Gal Costa, Ângela Ro Ro, Rita Cadilac, depois Cássia Eller, Adriana Calcanhotto, Ana Carolina), se não era compondo e cantando, era na capa dos discos. Faz sentido lembrar que, na mitologia, Vênus era uma deusa (romana, equivalente a Afrodite) e Eros um deus. [Talvez seja apenas um detalhe, não quero ser chamado de machista futuramente, rs]

 

O REPERTÓRIO DE VÊNUS

“ Sou tigrona, chapa quente / Adoro muita pressão / Gosto de ser acorrentada / E levar tapão no popozão/ Pixadão vem de chicote / Querendo me algemar / Me botando em posição / Já pronto pra martelar”

 

Sadomasoquista II, (Deize Tigrona), 2001.

 

             “Ôôôô/ Eu quero te provar / Sem medo e sem amor / Quero te provar”.

Garota nacional,  (Skank ), 1996.

 

“Já sei namorar / Já sei beijar de língua / Agora só me resta sonhar (…) /Eu sou de ninguém / Eu sou de todo mundo / E todo mundo é meu também (…) / Não tenho juízo / Se você quer apito em jogo / Eu quero é ser feliz! (…)”

 

Já sei namorar, (Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown), 2002

 

Joaquim Ferreira dos Santos escrevendo no Jornal do Brasil, de 22 de janeiro de 2003, e depois no livro de Rodrigo Faour sobre Sexo e MPB, comentou:  “ [o tipo de mulher dessa canção] não quer repetir o modelo masculino, mas sim a liberdade de não mais ser possuída, sem estar necessariamente preocupada em ter a posse do amado”.

 

Outros exemplos – mas, não vamos esgotar o assunto,  é claro!

 

“Eu não sou seu / Eu não sou de ninguém / Você não é minha / Eu não tenho ninguém / Nós somos livres / Independente Futebol Clube / Você não manda em mim / Eu não mando em você / Eu só faço o que eu quero / Você só faz o que quer / Nós somos livres / Independente Futebol Clube”

 

Independente Futebol Clube, (Roger Moreira), 1985

 

Ouça essa importante citação da psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins: “A nossa cultura deveria nos incentivar a desenvolver a capacidade de ficarmos bem sozinhos. Isso sim é a pré-condição para uma relação amorosa satisfatória, longe da fantasia de encontrar a outra-metade” (FAOUR, pág.445). Para Rodrigo Faour responsável pelo livro “a História Sexual da MPB”, a dona Regina acredita mesmo que [talvez] “hoje o grande conflito do ser humano esteja entre o desejo de simbiose e o desejo de liberdade.” [Eros X Vênus]

 

Isso não é de hoje… Vejam esse outro exemplo aqui:

 

“Esse ano não vai ser igual àquele que passou / Eu não brinquei, você também não brincou (…) / Este ano, tá combinado, nós vamos brincar separados / Se acaso meu bloco encontrar o seu / Não tem problema, ninguém morreu / São três dias de folia e brincadeira / Você pra lá e eu pra cá até quarta-feira!”

 

Até quarta-feira, (Marcos Moran), marcha-rancho 1968

“ Amor é um livro, sexo é esporte / Sexo é escolha, amor é sorte / Amor é pensamento, teorema / Amor é novela, sexo é cinema / Sexo é imaginação, fantasia / Amor é prosa, sexo é poesia / O amor nos torna patéticos / Sexo é uma selva de epiléticos/ Amor é cristão, sexo é pagão / Amor é latifúndio, sexo é invasão / Amor é divino, sexo é animal / Amor é bossa nova, sexo é carnaval (…) / Amor sem sexo é amizade / Sexo sem amor é vontade…”

Amor e sexo, (Rita Lee, Roberto de Carvalho, Arnaldo Jabor), 2003

 

Chamo, agora, Guilherme de Carvalho para nos ajudar a entender esse cenário:

“A solução é tratar o próprio corpo como expressão apenas contingente do eu, desonrando-o. O corpo se torna objeto puro para uma vontade narcisista e arbitrária. Assim o indivíduo poderá dar livremente o seu corpo, sem entregar a sua alma juntamente com ele. Homens e mulheres podem oferecer seus corpos, instrumentalizá-los, e utilizá-los como quiserem; não há mais perversão sexual, pois não se pode julgar o caráter de alguém pela forma como ele faz sexo; pois o caráter do indivíduo – acredita-se – nada tem que ver com o seu uso do corpo. Enfim: o corpo não sou eu; o corpo é ‘meu’.”  (Guilherme de Carvalho).

 

Por outro lado, com outras lentes, o Guru Gikovati mostra-nos o desencanto deste novo modelo de “amor” para com o velho romântico: “Essa história da fusão dos dois num só, pregada pelo amor romântico, não tem mais chance, com o individualismo contemporâneo. Vamos ter que criar um novo modelo de romantismo, porque este que está aí não dá mais” (FAOUR, pág 445)

 

Nos próximos capítulos veremos os desafios de Vênus para convencer a gente de que o legal mesmo é instrumentalizar o corpo, chamar o corpo de meu e nunca de eu. Para descobrir os segredos de Vênus, convidei os próprios compositores e vocês vão se surpreender com as confissões dos nossos artistas.

 

Até breve…

Em MPB, SEXO

Baixaria, Música & Romance – a MPB entre dois amores rivais.

Postado por em jan 24, 2014 | 5 Comentários

Quando a gente canta sobre o amor, de quem estamos falando?

 

A MPB vive, hoje, entre dois amores. Tempos atrás era mais caída por Eros, agora parece ser Vênus quem quer usar o pobre coração da nossa música popular. Mas, quem é Vênus? Vênus não é namoro, não é noivado, nem casamento, ela não quer a posse do outro. É apenas ficar, sem culpas. É o tesão, é o uso, é o provar, é a vontade, é a sacanagem e a sensualidade. É contra o sonho da ‘alma gêmea’, detesta os moralistas, Vênus é inimiga do ideal romântico, de qualquer  sofrimento por amor, de qualquer tipo de dor de cotovelo, é o elogio ao desapego.Vênus não deseja uma pessoa, ela quer o puro prazer. Vênus não deseja uma pessoa, ela quer o corpo. Vênus é sexo. Vênus é liberdade. Essa é a ideia progressista de um tipo de felicidade que se pode dar a si mesmo em tempos hipermodernos.

O escritor Guilherme de Carvalho chama isso de “instrumentalizar o corpo sexual para aumentar a liberdade de escolha”. Como ele já escreveu, “o que está por trás da presente cultura da ‘pegação’, da liberação sexual… : [é] nada menos que o estupro do corpo, perpetrado pelo próprio ‘self’. A negação da subjetividade do corpo sexual, e sua redução ao objeto. A violência do eu externo pelo eu interno.”

Suspeito que Flávio Gikovate, o guru do sexo na CBN, deve achar moralista demais esse pensamento de Carvalho. Veja, agora, o que Gikovate diz sobre Vênus, especialmente sobre a cultura do ficar: “Umas das poucas coisas que evoluíram na sociedade brasileira (nesse plano sexual) é a história do ficar, que não existe em outro lugar do mundo como aqui. Você ver jovens adolescentes com intimidades sexuais sem compromisso, sem namoro e sem grana no meio. É a primeira coisa que acontece em muitos e muitos anos que tem um potencial de melhorar os futuros relacionamentos entre as pessoas. Antigamente, os homens e mulheres chegavam à maioridade sem ser amigos, sem viajar juntos e sem ninguém transar com ninguém”.

O professor Rodolfo Amorim, confirmou isso com dados estatísticos, inclusive entre os cristãos; ficar, pegar e transar sem compromissos não é coisa só de pagão. Seria verdade dizer que quando cantamos músicas de amor que tratam a sexualidade a moda de Vênus, é porque já estamos vivendo dessa forma? A canção seria a expressão de uma realidade social?

Parece, no entanto, que Gikovate e Carvalho não se encontram sobre a razão e o propósito desse avanço de Vênus na nossa cultura.

E quem é Eros? Eros tem sido caluniado, chamado de careta, de piegas e retrógrado. Porque ele significa o amor romântico, o sonho da ‘alma gêmea’, é a simbiose, é o sofrimento por amor, é a dor do apego. É a maneira empolada de falar, jamais usa palavras obscenas e pornográficas. É aquele lugar comum da linguagem romântica, vocabulário batido,  é a trilha sonora de quem quer levar a amada até o altar, é o pra sempre – é o brega! Hoje fazem de tudo para desqualifica-lo, curiosamente, emprestando-o características de Agápe, o carola-mor para a rival Vênus.

Está ficando mais claro que, na cultura brasileira contemporânea,  as coisas estão se modificando, Vênus tem sido elevada ao status de Eros (vênus, a baixaria, é o atual erótico) e, por conseguinte, Eros tem sido promovido à Agápe (o ápice do amor na nossa música não é a caridade é o piegas romântico). No Brasil isso é traduzido pela alteração no significado dos termos ‘amor’ e ‘sexo’. Amor, como cantado hoje, é o que para nós cristãos sempre foi o afeto erótico. Então, o lugar mais alto dos afetos (na música popular) é Eros, o Romântico. E ao falar de sexo tem-se a impressão de que é por Vênus que se canta.

Definidos os termos, vamos ao duelo. Quem ganhará o coração indefeso da MPB? Vênus ou Eros? O selvagem ou o Gentil? A Baixaria ou o Romance? Quem cantará a respeito do sexo na nossa intimidade; Celly Campello, Wanderléa, Marcelo Camelo, Adelino Moreira, Lupcinio Rodrigues, Tom Jobim ou vamos no repertório de Marina Lima, Ângela Ro Ro, Raimundos, Tribalistas, Kelly Key e Tati Quebra-Barraco?  Nos próximos capítulos vamos descobrir quem será o vencedor, enquanto lemos as letras desse nosso vasto cancioneiro popular.

Mário Quintana e Simonami: duas alegrias entrelaçadas

Postado por em jan 21, 2014 | 3 Comentários

 por Mariany Rocha 

Fugi da rotina há uns dias e conheci uma banda formada por curitibanos. Em meio a um festival de rock cristão conheci a simplicidade da canção, a calmaria das palavras e o encanto da poesia cantada. A delicadeza do tom, da voz rouca e o prazer nas coisas boas.

Sem superestimar os artistas, ainda há muito a saber sobre eles. Uma novidade para o mundo e para os meus ouvidos.

Quando voltei da viagem, procurei conhecer mais as músicas e me aprofundar nas letras. Uma verdadeira arte que me fez lembrar de um dos poemas de Mário Quintana – um que a professora de literatura do ensino médio me ensinou.

À direita, a sutileza da poesia, à esquerda, a canção. Alegria!

 Uma Alegria Para Sempre – Mário Quintana

 

“As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides… Que importa se –
depois de tudo – tenha “ela” partido,
casado, mudado, sumido, esquecido,
enganado, ou que quer que te haja
feito, em suma?

Joia Pra Alegria – Simonami (Alexandre Spiacci, Lilian Soares, Jean Costa, Fernanda Maleski, Layane Soares e Luis Fernando Diogo)

Dei um tiro na tristeza,
Se escondeu sob a mesa e voltou aqui
Dei um tiro na saudade
Ela usou maquiagem, e sorriu para mim

Tiveste uma parte da
sua vida que foi só tua e, esta, ela
jamais a poderá passar de ti para ninguém.

Assim as coisas vão e vão

Eu dei um joia pra alegria,
Feito um gato que não mia, passou e eu nem vi
Eu dei um joia pro sorriso,
Que se fez de difícil e sumiu de mim

Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte da tua vida presente
e não do teu passado.

 

Assim as coisas vão e vão…

E abrem-se no teu
;sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.

Assim as coisas vão e vão…

Eu li no jornal que solidão faz mal, solidão faz mal
Eu li no jornal que solidão faz mal (2x)

Ah, nem queiras saber o quanto
deves à ingrata criatura…

Levando a vida com a barriga,
Não vai te fazer viver, tudo o que um dia você queria,
Mas por medo esqueceu porque!! (4x)

deves à ingrata criatura…
A thing of beauty is a joy for ever
disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer.”