Os Discursos e as Vivências

Postado por: em nov 9, 2013 | 4 Comentários

 

Até que ponto a fé do compositor afeta sua obra? Vinícius de Moraes e Maria Bethânia num estudo de caso.

Foram muitas as ocorrências de um discurso religioso, ou ao menos de algum tipo alusão a uma espiritualidade nas músicas selecionadas. Mas os referenciais são específicos. Trata-se das religiões cristã e afro-brasileiras (umbanda e candomblé), ou ainda de um sincretismo delas. Entretanto, se nas canções essas menções geralmente são evidentes, nas falas dos artistas nem sempre estão presentes uma fé declarada.
O caso de Vinicius de Moraes é um bom exemplo. Suas canções que direta ou indiretamente abordam temas e símbolos do candomblé são amplamente conhecidas. Em especial seu disco em parceria com Baden Powell, Os Afro-Sambas, que está na lista dos pesquisados, é muito direto nesse sentido, como podemos ver:

“Salve , Xangô, meu Rei Senhor
Salve meu Orixá
Tem sete cores sua cor
sete dias para a gente amar
Salve Xangô, meu Rei Senhor
Salve meu Orixá
Tem sete cores sua cor
sete dias para a gente amar
Mas amar é sofrer
Mas amar é morrer de dor
Xangô, meu Senhor, saravá!”
(Canto de Xangô – Vinicius de Moraes e Baden Powell)

 

No entanto, ao ser perguntado sobre se, de fato, acreditava nessa religião, Vinicius responde:

“Eu prefiro acreditar do que não acreditar, mas realmente não acredito. Quando penso de modo puramente cerebral, não acredito. Deixei também de fazer aquele gênero de indagações, olhar para o céu e perguntar: “Onde está Deus? Afinal alguém fez esta merda toda, não foi?”. Mas jamais vou ter respostas a essas perguntas, a não ser talvez depois da morte. Mas também não sei o que há do outro lado, de modo que não penso mais nessas coisas. Além disso, à medida que fui perdendo a religiosidade e o misticismo, o ser humano cresceu muito em mim, tomou conta de tudo. O que me interessa hoje é gente.”

(Vinicius de Moraes em sua última entrevista )

O curioso é que Vinicius de Moraes não parecia ser assim tão distante do Candomblé como afirmava. Em entrevista à Revista Playboy, em 1996, a cantora Maria Bethânia – essa, sim, faz questão de sempre falar sobre sua religião – afirmou que foi Vinicius quem lhe apresentou à Mãe Menininha, um ícone do Candomblé na Bahia:
“Sabe como eu conheci a Mãe Menininha? Através do Vinícius de Moraes. Foi ele que me apresentou a ela, uma das maiores alegrias da minha vida. Paixão, paixão, paixão! Eu, baiana, não sabia de nada, tanto que encerrava Rosa dos Ventos vestida de preto da cabeça aos pés. Foi a primeira coisa que o candomblé me proibiu. O preto não combina com os meus orixás.”

(Maria Bethânia em entrevista à Playboy, 1996. )

Obviamente, não cabe a nós perguntar ou entender se Vinicius de Moraes era ou não religioso. Na verdade, essa questão não é tão importante quanto compreender que independentemente disso, ele se utilizou de um discurso, uma mensagem religiosa para compor várias de suas canções. E, como foi dito, não foi o único. Os exemplos estão detalhados e organizados em todo o material da pesquisa realizada nesses seis meses.

 

Sarah Toledo para o Nossa Brasilidade

4 Comentários

  1. Carolina Rosinelli
    10 de novembro de 2013

    Não gosto de músicas que façam esse tipo de abordagem relacionadas a religião afro-brasileira porque não pertenço a este tipo de religião e não concordo com estas práticas.
    Muitas vezes estas abordagens estão postas de forma implícita por isso seja dada a valorização ao trabalho de vocês para nos trazer a luz e a reflexão sobre a espiritualidade (seja ela qual for) na mpb.

    Vamos elucidar nossos conhecimentos!

    Espero que vocês continuem com essa série.

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  2. pr. Marcus
    14 de novembro de 2013

    Gostaria de ter mais informações, pois pretendo pesquisar sobre a análise do discurso religioso e pude perceber que as músicas em um contexto amplo tem sido um veículo de proliferação de suas ideologias!

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  3. Nícolas
    4 de dezembro de 2013

    Marcos, você já fez um estudo sobre as letras do Rappa? Ele também gosta muito de citar a fé em suas músicas, com uma clara influência cristã e de religiões afro-brasileiras…

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    • Marcos Almeida
      4 de dezembro de 2013

      Isso é muito forte neles! Nícolas, eu tive que fazer um recorte, bom e ruim. Bom porque concentramos no cânone do que é considerado “o melhor da música brasileira” pelos controversos especialistas. Ruim, porque muitos exemplos excelentes, como o Rappa, ficam – por enquanto – de fora. Obrigado!

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