HISTÓRIA DA MODA NO BRASIL – EPISÓDIO UM

Postado por: em jun 5, 2013 | Um comentário

 

Criando o hábito de ver, ouvir e também ler aqueles que pensam a identidade brasileira, temos a honra de transcrever o primeiro episódio da História da Moda no Brasil. Trata-se de uma série de 4 programas – 26 minutos, cada um –  que traz uma leitura antropológico/histórica da Moda no Brasil. Dirigido por Tatiana Lohmann e Luiz André Prado, conta com os principais nomes da nossa costura tupiniquim. Aproveite!

 

GLÓRIA KALIL – CONSULTORA DE MODA

Nós que somos profissionais de moda… Eu acredito que isso aconteça com todos os meus colegas. Evidentemente nós temos uma deformação profissional como todo mundo tem, né?! Mas você bate o olho numa pessoa e você sabe exatamente o que que ela quis dizer com aquela roupa.

Você, você… qualquer um. Você não abre a mão de manhã e enfia a mão no guarda roupa e tira a primeira coisa, você não enfia a mão no lugar onde tá as suas camisas e pega a primeira a calça. Não! Você sem se dar conta, você faz um calculo: “hoje eu vou sair de manhã, vou ter que deixar o carro na oficina, depois vou almoçar não sei aonde, de tarde vou encontrar com não sei quem, vou fazer uma filmagem não sei aonde, de noite volto…”

Essa rápida incursão pela tua agenda que você faz sem se dar conta, esse calculo faz com que você pegue esta camisa porque é daquela maneira que você quer ser visto naquele dia.

 

REGINA GUERREIRO – JORNALISTA DE MODA

Eu sempre pus a moda em relação ao que tá acontecendo no mundo. Então a moda pega outra dimensão. Você não tá usando jeans porque você tá usando jeans. Não! É porque isso veio de encontro a uma necessidade, um desejo do mundo, um desejo de democrático.

Então, e tudo muito importante, tudo muito ligado. Embora as pessoas acreditem que seja só um babado. Não! É muito mais do que isso.

 

CELINA DE FARIAS – EDUCADORA DE MODA

A moda é um comportamento, moda é atitude, a moda é tudo. Moda é a casa da gente, é a decoração. Acho que tudo isso é muito… o mundo da moda é muito maior do que as pessoas pensam.

 

REGINA GUERREIRO – JORNALISTA DE MODA

Você pode de certa forma escrever a história… A história da história olhando roupas.

 

RONALDO FRAGA – ESTILISTA

Como que o brasileiro é… cria moda? De onde nasceu a criação de moda no Brasil? Eu… isso me leva lá pra história da costureira de família que ia pra dentro da casa das pessoas e passava a vida inteira ali costurando. Chegava, costurava a roupa do bebê, a roupa da velha, a roupa do enterro, a roupa pro casamento… isso sem moldes. Isso na tesoura, direto no tecido.

A moda brasileira nasceu aí. E uma coisa curiosa que é… eles criavam sem apropriação né… Porque era aquela coisa de olhar o figurino e, falava: “eu quero um modelo exatamente igual a esse, mas esse decote ao invés de V pode ser U, essa saia ao invés de tão franzida pode ser uma saia evasiva, porque se não vai engordar muito… a manga ao invés de fofa, uma manga reta…” Mas é exatamente igual a esse. Né?!  E não sabiam que estavam criando.

 

REGINA GUERREIRO – JORNALISTA DE MODA

Eu devo dizer que a roupa brasileira tá muito mais bem feita do que era. Que você pode perfeitamente está muito bem vestida em Paris usando uma roupa brasileira. Qual o nosso problema: ainda é extrema falta de identidade. Eu acho que existe uma insegurança, até porque nós somos um país colonizado. Então é… a gente vem com um complexo de inferioridade assim, né…

 

LINO VILLAVENTURA – ESTILISTA

Sempre quando falo de alguém que trabalhava com moda, sempre tinha aquilo: eu estudei em Paris, eu viajo sempre pra Paris… Eu compro tudo em Paris” tem sempre que falar sobre isso pra poder valorizar o seu trabalho.

 

JUM NAKAO – DESIGNER E ESTILISTA

É tudo importado ou é tudo formatado pelos grandes veículos né de massificação e comunicação, então é… O espaço realmente para apresentar aqui que nós temos de identidade ele é… Acaba não acontecendo.

 

TUFI DUEK – EMPRESÁRIO E ESTILISTA

É vestir um pouco de vergonha da gente né, e eu não tenho vergonha disso né, eu tenho orgulho de ser brasileiro. Eu faço com… A minha roupa tem uma modelagem dentro.

 

REGINA GUERREIRO – JORNALISTA DE MODA

A única coisa que nós inventamos de verdade é o maiô. Nosso maiô é ótimo, o nosso maiô, você chega na Europa… Esse biquíni brasileiro, eles embabam. “Nós somos bom de nudez”. Nós roubamos a tanga do índio, mas pelo menos difundimos mundialmente ao da tanga né…

 

LUX VIDAL – ANTROPÓLOGA

Sempre né… Os humanos trataram de significar alguma coisa através da indumentária. Então a primeira coisa, digamos que aparece como é… Um… Como um… Digamos, um canevases pra poder expressar certas coisas. E o próprio corpo evidentemente.

Na pintura mesmo, é como uma segunda pele social. Você tem uma pele biológica tá… E em cima dessa pele biológica você na verdade aplica uma nova pele que é uma pele social, cheia de símbolos e significados.

 

JOÃO BRAGA – PROFESSOR E HISTORIADOR DE MODA

Deve ter sido um espetáculo extremamente curioso a chegada do europeu aqui no Brasil. Imagine, as partes não só se estranhando e se reconhecendo ao mesmo tempo. De um lado um nativo muito mais nu do que vestido. Do outro lado um colonizador, muito mais coberto. Consequentemente quem era o exótico e quem era o endótipo, para o olhar de quem?

 

MIR SLAMA – EMPRESÁRIO E ESTILISTA

Aquelas imagens coloniais todas do contato europeu né… Com o indígena foi… Foram imagens muito fortes e mudaram muito o jeito europeu de se pensar né…

 

JOÃO BRAGA – PROFESSOR E HISTORIADOR DE MODA

Mas neste processo todo, acabou que o índio recebeu uma influência bem maior do europeu pelo processo de colonização do que o europeu recebeu uma influência local.

 

LUX VIDAL – ANTROPÓLOGA

Eu acho que ficou é… a toda essa… esse gosto né pelo colorido né, pela alegria né… pela… Você vê nos carnavais né. No carnaval, por exemplo, você tem realmente o uso né de toda essa plumaria né?! Evidentemente que exagerada, retrabalhada. Enfim, tudo que você quiser.

Isso que nós temos é uma… Uma, não vamos chamar “moda”, mas é uma indumentária ne. De tão generosa… tão esplendida.

 

JOÃO BRAGA – PROFESSOR E HISTORIADOR DE MODA

E aí nós acabamos já nesse processo inicial, mesclando referências, iniciando de construção de um DNA totalmente híbrido, totalmente múltiplo, totalmente plural da realidade brasileira em diversos aspectos culturais e também no universo da moda.

 

Eu vim entender a moda no Brasil, morando fora dele. Então nesse período vivendo em Nova York, vivendo em Londres… Quando eu mergulho no universo dos japoneses, coisa que eu conhecia espacialmente em alguma outra revista de moda no Brasil né… dos belgas, no movimento dos belgas nos anos 90. Isso me provocava o tempo inteiro aquela história de “gente isso é muito bacana e por que nós não temos isso no Brasil?”

 

REGINA GUERREIRO – JORNALISTA DE MODA

O japonês passou 20 anos: “você olha uma coisa, você fala isso é Japão”. A mesma coisa é os belgas… Você fala: “isso é um costureiro belga, isso é francês”. A gente não consegue ainda falar isso do Brasil.

 

TUFI DUEK – EMPRESÁRIO E ESTILISTA

“Nos já passamos desse processo. Já acabou! O Brasil não precisa copiar. O Brasil tá na sua própria cultura. Já tá enraizado tanto nas nossas difusões, tão misturadas que essa miscigenação já criou algo no Brasil”.

 

JUM NAKAO – DESIGNER E ESTILISTA

Esse bridismo que as pessoas falam, nós temos aqui no nosso dia-a-dia. O problema é que isso nunca é feito. Por quê? Por uma série de medo, por uma série de fragilidades, uma falta de personalidade.

 

REGINA GUERREIRO – JORNALISTA DE MODA

Até porque cada coleção em geral é um petwork de inteligências, como as pessoas tem medo de não vender, elas querem apostar em tudo, né?!

 

JUM NAKAO – DESIGNER E ESTILISTA

É muito fácil você correr no erro de não arriscar né… De você buscar o caminho seguro da aceitação da seletiva que consome o óbvio e o que é importado. Então os estilistas nacionais, eles procuram se enquadrar muito nesse formato. Isso pra mim não é uma virtude, né… Muito pelo contrário, porque a virtude do criador é assumir riscos. E os criadores brasileiros, esses estilistas todos, ninguém assume.

 

REGINA GUERREIRO – JORNALISTA DE MODA

Uma peça que tá na forma, pode perfeitamente tá na aiódice, uma peça que tá na aiódice pode perfeitamente tá na… Entende o que eu quero dizer? Então é isso falta de identidade. Não é pra você sair de baiana.

VITALINA ALVES DE LIMA – HISTORIADORA

Eu observei que o negro que cuja origem passava por uma mistura dos cultos africanos que são absolutamente da natureza que a gente tá falando de candomblé, “cumbanda”… Não de umbanda. E por tanto, tinha uma influência árabe trouxeram uma um… Vestir com muitos panos que acabou sendo o vestir predominante.

As negras usam turbantes, as negras usam é… saias é… Lindas! Onde é misturado com o tecido de pouco custo, a renda. Você olha, você vê que aquela renda é sintética, mas é bonita.

 

JOÃO BRAGA – PROFESSOR E HISTORIADOR DE MODA

Portanto ao sermos colonizados pelos portugueses, nós tivemos uma influência europeia e na sequência tivemos uma significativa influência africana também. E obviamente comparado com o europeu, havia uma distinção de classes sociais. Não só pela cor de pele como também pelos trajes que cada um usava. Então moda, que por sua vez é também um processo de diferenciação social, neste momento como sendo indumentária pelo menos africana e a influência europeia gera uma influência de moda, ajuda a separar essas classes distintas que vão compor toda uma sociedade brasileira.

 

ELKE MARAVILHA – ATRIZ E EX-MODELO

Em 51, tinha seis anos, mas aí a gente foi morar em Minas Gerais/Itabira, e… E numa fazenda que chamava “Cupangu”, só tinha negros! Ai eu falei “meu Deus… esse é o meu caminho”. Eu vi aquelas mulheres soltando aqueles cabelos, aquela coisa enorme… “Aaaah…” foi o primeiro impacto de moda que eu vi.

 

VITALINA ALVES DE LIMA – HISTORIADORA

O vestuário da negra, mais do que do negro, essa foi a minha conclusão. Era muito sofisticado, não é? Ela tinha… Ela possuía elementos… Ela citava elementos que estavam na sofisticação da roupa branca da Europa, não é… O chales só que mais leves, o rendado, as saias né, a… As blusas. O enfeite, o empetecado. Essa história de empetecada brasileira, a mulher é empetecada – que bom – é… É bem afro!

 

GLÓRIA KALIL – CONSULTORA DE MODA

Todo mundo que viajou, que teve oportunidade de viajar. Se sentou um dia num, num café e fica ali vendo o mundo passar. Você vê isso! Você olha de longe e fala assim: “hum, americano… hum italiano… hum é alemão… … é brasileiro”. Brasileiro você vê de longe, ele tem um jeitão, entendeu?! Como que ele veste? O jeans dele… Ele tá sempre de jeans e tênis. E as vezes de jaqueta jeans também, e ele tem um cabelo que você vê que o cabelo é de brasileiro. Como ele junta aquilo tudo de longe, você vê que é brasileiro. Então brasileiro tem um estilo, mas é muito mais pela maneira com que veste as coisas, com o que junta determinados elementos, a escolha que faz da moda e tudo… Do que de uma moda tipicamente brasileira. Que eu não sei o que é que ninguém sabe!

 

AMIR SLAMA – EMPRESÁRIO E ESTILISTA

A gente consegue fazer uma moda que ela é uma moda que ela é… elegante, é uma moda… chique! É uma moda… despretensiosa ao mesmo tempo… Eu acho q ela é muito própria nesse aspecto tá, eu não… num vamos generalizar, falar que tudo é assim, né. Eu acho que é… a gente fala de moda no Brasil, de 12 e 14 anos pra cá. Assim como a gente vê… vê hoje. Falando em marcas, falando em trabalhos mais autorais… Eu percebo que a moda no verão é mais, ter mais identidade.

 

COSTANZA PASCOLATO – CONSULTORA DE MODA

Toda vez que a gente entra um pouco no “hiper chique pum…” é um sucesso, entende? Porque é o que a mulher brasileira ainda vive em termos de estática. Que não é um criticar né, uma realidade. Porque é mais pele, é mais… remete a tudo que é escapismo, é imagem que o estrangeiro faz da moda brasileira, ou seja, sol, calor, sexo… Então, essa imagem que o estrangeiro tem da gente que a gente acha ridículo mesmo, porque é meio estereotipado à maneira típica da mulher se vestir, até hoje é um pouco isso. Porque ela abdica de tudo até mas, não de ser sexy.

 

GLÓRIA KALIL – CONSULTORA DE MODA

É sempre um pouquinho mais justo, um pouquinho mais curto, um pouquinho mais pelado que os outros né… É, e tem o colorido, tem uma coisa assim que nós temos que ficar atentos, que são itens que devem contar a favor e não contra.

 

VITALINA ALVES DE LIMA – HISTORIADORA

A mulher do povo sem purismo sabe, que é a mulher brasileira, e que tem uma grande influência, é… afro-brasileira, é chamada de brega.

E assim que a brasileira é feliz, nós somos felizes é com um bom balangandã…

 

REGINA GUERREIRO – JORNALISTA DE MODA

Essa nossa vulgaridade, essa nossa cafonice é encantadora na Europa, entendeu? E talvez seja essa a marca “Brasil”. Por que não? E daí… Por que não? Essas cores exageradas, essa… essa… esse… essa ginga! Vai ver que é isso que é “Moda Brasil”, mas não tá ainda declarado, que vai essa ideia cristalizar e que vai ficar sendo isso.

 

JOÃO BRAGA – PROFESSOR E HISTORIADOR DE MODA

Quando a corte aqui chegou, Dom João, em 1808 ele trouxe obviamente as preferências portuguesas, mas que na realidade, no que tange aos aspectos de moda, eram influências francesas.

 

VERA LIMA – MUSEÓLOGA

A corte vem com as suas roupas, quando chega o espanto de ambos os lados. Os que moravam aqui na colônia e os que chegam de navio né, quando a corte vem para o Rio de Janeiro. Porque as formas de vestimentas, o que eles usavam eram completamente é… Fora do que se usava na Europa. E elas colocaram – as que estavam aqui – colocaram aquelas tapeçarias nas janelas esperando a corte chegar, se… ainda com aquelas pintas, aqueles tafetás no rosto. Isso era usado no século 18 na França, ainda achando que estavam na ultima moda, e vão ter aquele espanto de ver a família real chegando com suas roupas de europeias, a moda francesa.

 

MARY DEL PRIORI – ESCRITORA E HISTORIADORA

A vinda da família real pro Brasil vai… tonificar a nossa sociedade, que era uma sociedade absolutamente rural, onde a roupa significava uma parte ínfima nos inventários e testamentos que nos quais nós temos acesso. A roupa era uma coisa que se definia pelo critério muito simples de: durabilidade.

 

VERA LIMA – MUSEÓLOGA

Na parte mais antiga cronologicamente como vou mostrar pra vocês; este vestido estilo império, tá? A característica do vestido estilo império é o corte logo abaixo do busto, é uma moda que começa logo após a chegada da família real. Que aí já vai ter uma vida em cortidos, essas coisas que vão acontecendo… vai ter uma vida em sociedade. Então as mulheres vão copiar, vão comercializar essa forma de vestuário diferente. É uma moda, né?!

 

MARY DEL PRIORI – ESCRITORA E HISTORIADORA

No século 19, vão aparecer três coisas que vão mudar a história da moda. Vai aparecer a produção em massa de roupa a partir da segunda metade do século 19 e Marx quando vai à exposição universal em Londres, a famosa, a primeira exposição universal; ele se dá conta disso, que o mundo vai mudar a partir da produção em massa de coisas, e a moda vai ser uma dessas coisas.

O aparecimento das revistas femininas e depois havia centenas de dezenas de jornais femininos escritos por mulheres com jornalistas que assinavam os seus artigos. Então essa imprensa feminina que faz com que os modelos dos grandes centros cheguem à periferia, vão circular não só na Europa, mas vão circular no Brasil.

E a terceira coisa, o Ron Magazan, né, o Ron Magazan é o grande magazine, o exemplo é o Mappin em São Paulo, mas no Rio de Janeiro nós já temos representantes do maior magazan de modas da Europa que existe até hoje que é o Bon Marché. Então vamos ter o Bon Marché instalado no Rio de Janeiro, mas nós temos os representantes do Bon Marché vendendo para as mulheres da corte, aquilo que é considerado a moda francesa. Então essa trinca: a distribuição, a difusão e a produção em massa, vão definitivamente instalar no Brasil a ideia de uma moda a ser seguida.

 

JOÃO BRAGA – PROFESSOR EHISTORIADOR DE MODA

Falava-se muito mais o francês do que o português. Era muito mais chique falar é… a  língua francesa que é mais sofisticada,  é mais refinada, tem uma sonoridade mais redondinha. As casas que vendiam tecidos ou quaisquer outros produtos relacionados ao universo de moda eram nomes franceses de monumentos de referências da cultura francesa. Então de certa forma, herdamos sim essa sofisticação, via Rio de Janeiro da cultura francesa.

 

Transcrição, Mariany Rocha.

Longa Documentário História da Moda no Brasil from Luís Villaça on Vimeo.

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