Freyre se esqueceu da Festa? Mas não só ele.

Postado por: em fev 16, 2012 | 3 Comentários

Quarenta e quatro

 

Freyre

A resposta de Gilberto Freyre no suposto documento citado nos comentários do último post não menciona o movimento modernista do grupo Festa (1927), dirigido por Tasso da Silveira, onde reuniam-se católicos engajados com as modernas fórmulas artísticas, bebendo da fonte viva da tradição simbolista, afim de expressar um misticismo luminoso e profundo.

A resposta que ele chegou naquela época foi muito dramática; não, os cristãos brasileiros até então [1960] não haviam deixado um legado cultural” (Gerson)

O ‘Imperador das Ideias’ – como era conhecido Freyre – não ter considerado esse movimento digno da sua citação dentro do que chamamos “contribuição cristã na história da arte no Brasil” é por certo intrigante, já que quase todos os grandes livros sobre a história da literatura nacional (Bosi, Nejar, Massaud) reverenciam esse grupo como força importante dentro do modernismo brasileiro.

Não foi apenas Freyre quem se esqueceu da Festa. Essa ala de grandes estandartes como Cecília Meireles,  Andrade Muricy, Tristão de Athayde, Henrique Abílio, Adelino Magalhães  e Adonias Filho nunca foi mencionada em nenhum encontro de arte e espiritualidade que participei nesses últimos anos, onde tenta-se catar alguma referencia de engajamento na cultura como se estivéssemos órfãos de qualquer inteligência antecessora, como se estivéssemos sempre que começar do zero, inventando e reinventando a roda.

 

Nem precisa lembrar de Murilo Mendes, aquele que “jamais caiu em formas antiquadas de apologética”. Não precisa mencionar a contemporânea de Divinópolis, da cidade de Deus, lá das Minas, nossa Adélia Prado. Vamos ficar, por enquanto, apenas na década de 1930 tentando ouvir – como se fosse a primeira vez – esse canto místico de poetas cheios de fé!

Vamos pelos caminhos deste mundo.

Há visões de beleza imemoriais.

Das estrelas ao ritmo profundo,

Repetiremos passos ancestrais.

Vamos pelos caminhos deste mundo.

Há pratas ouros, sândalos, rosais.

Marcharemos ao ritmo profundo

Dos nossos pobres sonhos desiguais.

Do coração, ao ritmo profundo,

Seguiremos, serenos, sem alarde:

Nalgum porto remoto haverá paz.

Vamos pelos caminhos deste mundo.

Esquecerei que vieste muito tarde;

Esquecerás que vim cedo demais…

 

 (Soneto XIII, Puro Canto, Tasso da Silveira)

3 Comentários

  1. Igor José ( Itaperun/RJ)
    16 de fevereiro de 2012

    Querido Marcos,
    Tenho lido todos os dias o seu blog e confesso que aos poucos vou me surpreendendo com tudo o que tenho visto e aprendido por aqui, pois a princípio são pensamentos não seus somente, mas de tantos que não sabem (ou sabiam) como expressar essas ideias.

    Vivemos por tanto tempo debaixo de ditaduras religiosas em nossas comunidades e igrejas, que só de pensar em admirar qualquer tipo de arte secular já era motivo de disciplina ou exclusão. Arte não era coisa de Deus.

    Música só se fosse de “adoração”, livros tinham que ser aprovados pelo pastor e só de temas cristãos, pintura só de faixas e cartazes de anúncios de cultos ou campanhas, teatro só para evangelizar e por aí vai. Quanta ignorância!!!!!!!

    A arte como expressão individual ou coletiva do ser humano em meio a busca de compreender a si mesmo, ao mundo, e a Deus como fonte da vida está em toda parte, mas durante muito tempo os cristãos foram obrigadas a andar com vendas nos olhos e por tudo isso muito se perdeu pelo caminho por onde o cristianismo brasileiro andou ano após ano. Enquanto alguns tentavam de alguma forma revelar Deus ao mundo sem precisar ter que se excluir desse mundo, a maioria não queria conversa com a realidade em volta.

    Percebo hoje que o que faltou até agora foi conhecimento. Buscar conhecer sua história e de seu povo em todas as esferas para entender suas necessidades, seus ploblemas e sua realidade. E fundir essas informações com o conhecimento da Palavra de Deus, para que através de todas as manifestações possíveis possamos tocar o mundo e divinamente inspirados, marcar a história com uma arte verdadeiramente humana.

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  2. william
    20 de fevereiro de 2012

    Marcos,

    Sei que suas reflexões têm-se concentrado na cultura brasileira, mas traduzi um texto de Flannery O’Connor – considerada por muitos uma das maiores escritoras americanas do século XX – em que ela fala da relação entre sua arte e sua fé. Publiquei-o em meu blog e estou compartilhando por aqui, na intenção de que também contribua para a reflexão sobre o papel da arte na vida cristã bem como da vida cristã na arte.

    Abraço,

    William

    Link: http://esbocoserascunhos.blogspot.com/2012/02/romancista-de-fe.html

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    • Marcos
      1 de março de 2012

      William, excelente dica! “Neste sentido, a arte revela, e os teólogos aprenderam a não ignorá-la” Isso é ótimo. Obrigado por compartilhar.

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