Deus esteja!

Postado por: em mar 27, 2013 | 25 Comentários

 

A náusea que a elite intelectual brasileira sente dos valores ocidentais, estruturados sobre as virtudes cristãs, fica mais evidente a medida que falta aos discípulos de Jesus autoridade, crédito e prestígio, combinação que é fruto da qualidade (necessária) e da legitimidade (desejável) desta atuação no meio do mundo. Já se pode ouvir jornalistas, artistas, escritores, ativistas, acadêmicos e até religiosos se mobilizando para enfrentar e punir todos os incultos, todos os imbecis, todos os idiotas que se opõe ao slogan dessa elite: “é proibido proibir”. Sob os ideais iconoclastas de 1968, persistem na luta contra qualquer figura que se move a favor da regra, da lei, da moral e dos bons costumes. Vivemos no século XXI, ninguém pode dizer o que é bom. Não há nenhuma moral que possa ser maior do que a vocação humana para a “liberdade”.

O prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, usa o caso do filósofo libertário Michel Foucault como paradigma de tal pensamento:

“Sua repulsa [a de Michel Foucault] pela cultura ocidental, a única que, com todas as suas limitações e extravios, fez progredir a liberdade, a democracia e os direitos humanos na história, o induziu a acreditar que era mais factível encontrar a emancipação moral e política apedrejando policiais, frequentando as saunas gays de São Francisco ou os clubes sadomasoquistas de Paris, do que nos bancos escolares ou nas urnas eleitorais. E em sua paranoica denúncia dos estratagemas de que segundo ele se valia o poder para submeter a opinião pública aos seus ditames, negou até o final a realidade da AIDS, a doença que o matou, considerando-a como uma fraude a mais do estabelecimento e dos seus agentes para aterrorizar os cidadãos, impondo-lhes a repressão sexual”

O escritor peruano parece uma voz fora do coro, canta desafinado dentro do grupo barulhento de intelectuais contemporâneos. Mas não está só. Tom Wolfe, jornalista e escritor americano, identificou – com uma pitada de sarcasmo -o seguinte cenário lá nos Estados Unidos:

“os intelectuais do nordeste dos EUA, a maioria vem de lá, olham para o país acreditando profundamente que os cristãos evangélicos são uma espécie de pequenos demônios que estão lá para evitar que o resto de nós curta a vida”

Ele talvez fosse pego de surpresa se lesse os jornais brasileiros de agora. Mas certamente faria um paralelo com o que vem acontecendo na sua terra.

Tanto lá quanto aqui, a revolução libertária desconversa quando o assunto é definir o que é bom porque seus pressupostos antecedem o vazio de uma possível resposta. Numa cosmovisão cujo lema é desconstruir, o que pode ser levado a sério? O pensador contemporâneo vive como um palhaço entretendo o respeitável público, fazendo acrobacias dialéticas, falando contra ou a favor a respeito de tudo e todos, sem exigir crença, compartilhando o gás do riso. Na verdade não pode exigir nada a não ser o valor do ingresso, sempre caro demais.

Outro dia li o Rodrigo Faour, na sua Historia do sexo na MPB, dizendo assim: “realmente, o destino dos homossexuais, tanto quanto o das mulheres, até hoje está na dependência direta da morte do patriarcado”. Algo fica claro nesse desconstrutivismo, que tanto a Igreja quanto as figuras de autoridade, como professores, políticos, policiais, pais e mães, representam a imagem satânica do opressor e tudo que devemos fazer é lutar contra eles.

Antes que o leitor envie comentários me chamando de careta ou carola , lembro que nem todos intelectuais que se opõe a esse descontruir pós-moderno acreditam que a solução é uma retomada à espiritualidade cristã clássica. Alguns bons filósofos da atualidade como André Comte-Sponville, Luc Ferry e Alain de Botton já entenderam que a humanidade sofrerá ainda mais se continuarmos nessa insana revolução contra as virtudes, sem proposição, sem diálogo claro no sentido de colocar algo melhor no lugar das ruínas. Embora todos os três bebam do pensamento cristão e tentam tirar dele um tipo de “amor laico que possa unir os seres humanos”, ainda não conseguiram, e certamente não terão condições de concluir tal feito – não custa lembrar de Augusto Comte… O que fica é a certeza de que a sociedade não pode viver sem leis. A liberdade tem forma. A liberdade tem chão. E tanto o cristianismo como os novos filósofos já entenderam isso.

Citando mais uma vez o escritor de “um homem por inteiro”, chego perto do fim desse texto.

“Eu previ que tudo isso iria intensificar a dor, ficando maior e maior, mas a última coisa que quero fazer é deixá-los com um sentimento de infelicidade ou com uma mensagem negativa. Eu lembro que na Inglaterra, entre 1810 e 1830, houve um período muito parecido com o de agora. Foi um período em que mulheres começaram a usar vestidos transparentes, muito mais chamativos do que qualquer um que vocês veem hoje. Havia um alucinógeno popular entre as pessoas de bem, instruídas. Era o gás do riso, o óxido nitroso. As pessoas ficavam delirando com uma felicidade metafórica, com as experiências que tinham sob o efeito do gás do riso. E essa época, provavelmente a mais decadente da história britânica, foi seguida pela Era Vitoriana, a época mais correta, comportada e moralista da história”

Avistando um tempo onde a humildade e o amor serão vivificados nos nossos corações, acreditando que o verdadeiro poder, conforme disse o bispo de Roma, é o serviço, simbolizado no absurdo do lavar os pés do próximo, tenho expectativas que no final vai dar tudo certo. Acredito que reencontraremos o verdadeiro espírito do Evangelho, o sacrifício, a doação, a missão incansável de servir o mundo com integridade. Então, queridos amigos, continuem criando, surpreendendo, compondo, gravando, negociando, lutando pelos mais frágeis, subvertendo o mundo com a Esperança que atravessa as gerações!

Deus esteja!

Marcos Almeida

25 Comentários

  1. Bruno Carmanin
    27 de março de 2013

    Belíssimo texto Marcos.

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  2. Eloísa
    27 de março de 2013

    Vixe que liiiindo!
    Até agora o primeiro “crítico Cristão” que julgo Digno de compartilhamento!
    (pelo menos no meu feed)
    Abaixo a alienação que envergonha!!!

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  3. Eliane Malveira
    27 de março de 2013

    Mais um belo texto. Coerente e lúcido. Viva a liberdade de expressão…enquanto podemos vivê-la.

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  4. MAYCON
    27 de março de 2013

    Caro marcos, parabéns pelo blog e postagens que atiçam o ser pensante que Deus criou.
    O desmoronamento das virtudes cristãs é um evento esperado, embora seja nosso dever lutar contra sua consolidação. O problema é que quando recuamos, o tal processo se acelera, assim, somos responsáveis pelo declínio moral de nossa geração.
    Parabéns pelas letras das músicas, como você, também sou músico, e como Rookmaker, entendo que devemos usar a arte para expressar a Glória de Deus.

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  5. Renan
    28 de março de 2013

    Belo texto Marcos. Deixo aqui uma das partes que mais me chamaram atenção: “…um tipo de “amor laico que possa unir os seres humanos”, ainda não conseguiram, e certamente não terão condições de concluir tal feito”

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  6. João Pedro
    28 de março de 2013

    Ótimo texto, parabéns!

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  7. Victor HUgo Machado
    28 de março de 2013

    Muito Obrigado Marcos. Acho que depois de tanta coisa nas ultimas semanas e meses devido a posturas malafaianas, felicianas, devirados, e a guerra tanto contra, quanto a favor aos mesmos, chega a ser emocionante e resgatador de esperança ler isso.

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  8. Alice
    28 de março de 2013

    Ótimo texto, pensamento cristão que não deixa de ser crítico! A sociedade vive um período de anomia… Não sabemos o que virá. Não são apenas os valores morais que estão sendo desconstruídos, mas o modelo de Estado, governo, o sistema capitalista, etc, etc, etc. Este sentimento de “não saber o que vem por aí”, nos deixa sem um norte, sem saber o que defender: a mudança ou o conservadorismo. Vc trouxe luz ao tema, dizendo que nem a mudança nem o conservadorismo, mas ” o sacrifício, a doação, a missão incansável de servir o mundo com integridade” é que devem ser defendidos! Continue nos iluminando com suas palavras… Bjo.

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  9. Vinicius Camilo
    28 de março de 2013

    Esse texto foi como uma resposta para alguns questionamentos que fiz Deus ontem e um refrigério para minha alma.

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  10. Igor Miguel
    28 de março de 2013

    Olá Marcos,

    Certa lida, conversando com um professor da Universidade de Barcelona, com quem tive aulas de ética e afetividade no mestrado na FE-USP, me senti tentadoramente inclinado a lhe fazer um pergunta previsível, mas desestabilizadora. Não resisti e argui: “- O sr. falou sobre a inevitabilidade de uma ética. Como é possível pensar uma ética sem um absoluto? Como é possível afirmar limites morais, sem admitir uma referência moral?” Ele me disse que o maior desafio na Europa, o lugar de onde fala, é a superação do relativismo ético e cultural. Porém, ao mesmo tempo, admite que não dá para fazer uma ética a partir da antropologia iluminista. Enfim, não é possível, segundo ele, falar de um homem com “H” maiúsculo.

    Em um mundo sem absoluto, emerge uma religião que ocupa as lacunas deixadas por esta modernidade liquefeita (Zygmunt Bauman): o islamismo. Para esta religião aristotelicamente “coerente”: Deus é um (não é trino), as leis de Alá são fixas e imutáveis, o muçulmano vive uma vida moralmente elevada e mimimi. Pois é, esta é a religião que acometerá o ocidente, onde infelizmente um “cristianismo” estranho surge, uma “igreja” que seculariza o mundo (neo-pentecostalismo da prosperidade) ou se deixa secularizar (liberalismo).

    Sinceramente, precisamos retomar as grandes narrativas cristãs, sem pretensões triunfalistas, meramente cristianismo (Lewis). Simples, relevante e despretensioso. Claro, sóbrio e que saiba dar razão de sua fé no “Christus Victor”. A plausibilidade de nossa fé deve acontecer a partir dos membros de nossa comunidade. Que sejam como “cartas vivas” lidas por todos os homens, para usar um texto apostólico.

    Enfim, desculpe-me a “falação”, mas me parece que a angústia que compartilhamos origina-se de um único valor: liberdade é viver para além da vontade individual. Pois esta sempre é cativa de algum outro, de alguma outra coisa. Liberdade não é fugir do “senhor”, mas encontrar o Senhor certo.

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    • Marcos Almeida
      6 de abril de 2013

      Obrigado por enriquecer esse diálogo!

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    • Breno Azevedo
      11 de outubro de 2013

      Belíssimo comentário Igor Miguel. Muito enriquecedor!! Assim como o texto do Marcos, é claro.

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  11. Charlie Vox
    28 de março de 2013

    Este grito, e desabafo vem de séculos e decadas, que vem perpetuando de muitas gerações com periodos pertubados e conturbadores.

    Muitos achavam que a geração HIPPIE salvaria algumas gamas da sociedade, até esta tal pregação ao AMOR e PAZ com liberdade virou algo que debandou ao descontrole, onde a apelação sexual ficou muito evidenciada e que cuminou se ou findou se no famoso evento do Woodstock.

    Veio a Geração X com os “babys boom”, e depois a Geração Y que creio que foi o inicio da nossa que viu nascer a informatica e tecnologia, e era da informação, assim como , a geração Z que bebeu muito dos resultados da que a geração anterior lutou e buscou, porem, o que veio depois da “Z” é a geração mais MIMADA e cheia da busca da sua individualidade pessoal, com muita fome na busca de ter uma identidade em suas auto afirmações em coisas futeis, pegando o gancho exatamente no seu TEXTO que aborda exatamente esta busca de matar os “demonios” que atrapalham a nossa liberdade.

    Sim, o ser humano precisa de paradigmas e diretrizes, tanto é que em civilizações pre historicas Deus precisou sim criar LEIS RIGIDAS e SEVERAS para que o homem não se corrompesse, e ainda assim muitos deles se corrompiam, e distorciam as proprias diretrizes e leis…

    Os valores e o carater humano é moldado nas suas bases familiares e no meio que você vive e convive, até que em dado momento esta pessoa depois de uma certa maturidade, leitura, e busca, consegue lutar e confrontar esta MATRIX que insiste em manipular a nossa forma de pensar e de como deveriamos nos comportar, mas nesta luta de confrontar a MATRIX acabamos indo a favor de um UPGRADE que ela mesmo esta buscando, a tal quebra dos valores construidos, e que nos HUMANIZAM.

    Seu texto é um eco que cotidianamente medito, e reflito dentro de mim, buscando Deus (Deus onde estas? sua canção retrata bem no meu prisma este conflito social e do egocentrismo humano) nos detalhes do cotidiano, para não enlouquecer com este mundo cada dia mais insano.

    Obrigado pelo texto e pela reflexão.

    Charles Fraga

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  12. Filipe Malafaia
    28 de março de 2013

    Texto maravilhoso e digno de ser espalhado aos quatro cantos do país! Vivemos um momento muito delicado no meio cristão, como se houve uma divisão entre os “progressistas” e os “reacionários”. Eu me coloco no grupo daqueles que ainda acreditam nas palavras da Bíblia, que ainda têm as Escrituras como fonte de todo princípio moral, princípio de vida.

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  13. Tom
    28 de março de 2013

    Alice….achei sua sintese do texto perfeita. Precisamos de um horizonte de expectatica onde “tudo que e solido desmancha no ar”. Vida longa e mais inspiracao para o Marcos Almeida.

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  14. Thalita Wartuza
    28 de março de 2013

    Mais uma vez, um belo texto! Que as pessoas que se dizem abertas e que “amam” criticar o bom cristão pensante possam contemplar essas palavras 😀 Abraço!

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  15. Diego
    28 de março de 2013

    Olá Marcos!

    O que você comenta é muito sério, infelizmente muito comum nos dias de hoje. A dinâmica da descontrução é uma dinâmica interessante, na medida em que propõe uma construção substitutiva, como vemos até certo ponto da história da literatura, por exemplo. No entanto, por outro lado, a impressão que se tem é que esses desconstrutivistas só querem legitimidade para poderem exercer suas paixões deliberadamente, e por isso se posicionam, por exemplo, contra a religião – particularmente o cristianismo -, considerado por eles como uma das últimas amarras que ainda os “retêm”.

    Abraço!

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  16. Marcelo Pinheiro
    28 de março de 2013

    Gostei do texto. Bem escrito. Porém, o que me chama atenção é o fato de que querer dizer que a moral e os bons costumes provém do cristianismo é um pouco demais. E além disso, nesse carnaval todo que estão fazendo a respeito da união homoafetiva (carnaval de ambos os lados), nenhum opositor apresentou uma justificativa plausível para tal oposição sem que esteja fundamentado na Bíblia. Defendo até à morte o direito das pessoas crerem no que quiser, mas querer impor a quem não crer nao faz muito sentido (pelo menos pra mim).
    Nenhum defensor da união entre homossexuais (nenhum que eu tenha conhecimento) exige que os homossexuais se casem na igreja, tenham a bênção do papa ou de algum pastor. E nem deve. É basico do cristianismo ser contrario a isso, e deve permanecer assim. Mas querer ferir o direito de igualdade constitucional, em ambito civil, foge da alçada da igreja. Nao estamos num país constitucionalmente cristão.

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  17. Cássio C.
    28 de março de 2013

    Olá,
    Belíssimo texto, é o mesmo pensamento que alguns possuem, só que na versão “Rookmaker” de ser (rs)
    Em referência ao texto, a observação que aponto nos dias atuais, é a incomodar pelo o nada em nossa sociedade.
    São pessoas que para a manutenção de seu status quo inventam montanhas para lugares planos.
    As bases com as quais fundamentam suas ideias são complexas, fáceis de serem assimiladas, porém o que não se observa são as consequências de seus atos em um futuro bem próximo.

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  18. Júlio
    29 de março de 2013

    Sem palavras… Excelente texto!

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  19. Bibiana Silva
    1 de abril de 2013

    Excelente texto! Sinto a repulsa das pessoas quando é falado em ”liberdade em Cristo”, em moral, bons costumes, tudo isso que foi colocado no texto. A pós-modernidade nos impõe uma cultura de independência que nós sabemos, não podemos carregar, nem compreender, não há como ser livre, estando preso a convicções concebidas por pessoas presas a si mesmas. Abraço! Texto inspirador! Deus está, eu creio!

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  20. Vinícius Ferrari
    8 de abril de 2013

    Belo texto Marcos.

    Um assunto importantíssimo tratado de uma forma muito coerente.

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  21. Rogério
    11 de abril de 2013

    Muito bom Marcos!!! Nada como a visão de poeta…

    Acho interessante, pra não dizer engraçado, nestes movimentos em prol da união homossexual, é que todos os manifestantes são frutos de uma união heterossexual e se quiserem ter filhos os adotarão também de uma relação heterossexual! 🙂

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  22. EDUARDO NASCIMENTO
    24 de abril de 2013

    Críticas, críticas à secularização (que alberga a liberdade religiosa). Alguma proposta interventiva? Preencher o vazio universalizando o moralismo cristão? Como se fosse a solidez de que necessitamos?

    A moral cristã não é sólida. A teologia está aí para balizá-la às necessidades de quem quiser desde a reforma. E quem estava no poder do texto sagrado antes dela também a distorcia à sua vontade. O homem não está habilitado para decidir o que é bom ao outro – está aí a História para dizer.

    Veja a Igreja Católica, aos poucos aprende humildade com o secularismo. Já até “humanizaram” o papa, quero dizer, o bispo de Roma.

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  23. Geraldo A Carvalho
    9 de agosto de 2013

    Meu filho, fá do Palavrantiga, me recomendou esse blog. Muito bom! Excelente texto.

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